O batismo é uma iniciação pública do novo crente em união com Cristo e Seu corpo, a Igreja (Rom. 6:3-6; Efés. 1:22 e 23; I Cor. 12:13). Por esse motivo, só o indivíduo que expressou sua fé em Jesus Cristo como seu Salvador pessoal e Senhor, e que deseja estabelecer um laço de união com Ele e Sua Igreja, deveria participar dessa ordenança.

Mas quem pode tomar parte nas outras duas ordenanças: o lava-pés e a Santa Ceia? Essa questão tem gerado considerável discussão entre cristãos, principalmente com respeito à Ceia do Senhor. Alguns grupos praticam o que é conhecido como Comunhão fechada. A frase indica que estas denominações restringem o rito a seus próprios membros, ou mesmo a membros de uma determinada congregação.

Outras igrejas permitem o que é conhecido como Comunhão aberta. Elas dão as boas-vindas a todos os cristãos à mesa do Senhor, sem levar em conta sua filiação denominacional. Historicamente, os Adventistas do Sétimo Dia sempre permitiram essa prática. Nossa Declaração de Crenças Fundamentais, publicada anualmente no Yearbook, declara: “O serviço da Comunhão é facultado a todos os cristãos”1. Examinemos a base bíblica para esta prática.

COMUNHÃO — UM SERVIÇO SÓ PARA OS CRENTES

Podemos tomar nosso alimento físico sozinhos ou juntamente com outros. Mas por causa do companheirismo que ele oferece, em geral preferimos a última modalidade. Nesse sentido, o alimento sagrado não é diferente. Embora pudesse ser comido sozinho, o Salvador instituiu esta ordenança numa relação de grupo.

Em sua primeira carta aos Coríntios, o apóstolo Paulo chama a atenção para o aspecto da comunhão ou companheirismo na Ceia do Senhor. Ele salienta que essa ordenança envolve dois grupos de relacionamento: 1) o crente e Cristo e 2) o crente e seus irmãos de fé. Falando do primeiro grupo, ele diz: “O cálice de bênção que abençoamos, não é a comunhão (Koinonia — palavra grega que significa companheirismo, íntimo relacionamento mútuo) do sangue de Cristo? O pão que partimos, não é a comunhão (Koinonia) do corpo de Cristo?” (I Cor. 10:16).

Quando o crente, em humilde gratidão come e bebe os emblemas do partido corpo do Salvador, e do Seu sangue vertido, ele confessa de novo sua fé em Jesus Cristo. Expressa, por esse meio, sua confiança nEle como seu Salvador pessoal e seu Senhor, e reafirma sua crença de que Deus, por meio de Cristo, lhe perdoou e o aceitou como filho.2

Qual é, pois, o principal significado desse serviço sagrado? Em certo sentido, não é ele propriamente um alimento, mas, simbolicamente, a confissão, em Jesus Cristo, da fé do cristão. A Ceia do Senhor é, portanto, obviamente um ritual para os cristãos, isto é, para aqueles que reconhecem a Cristo como Salvador e Senhor. Os não cristãos, e aqueles que não têm ainda idade suficiente para entregar de maneira inteligente Suas vidas a Cristo, deveriam naturalmente ser excluídos de participação.

Enquanto a Ceia do Senhor serve primeiramente para ligar os crentes a seu Salvador, fortalece também o relacionamento dos fiéis. Paulo escreveu: ‘‘Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão’’ (I. Cor. 10:17). Como todos os pedaços de pão da Santa Ceia ingeridos pelos crentes provêm de um pão, assim também todos os crentes que participam do Serviço da Comunhão estão unidos nAquele cujo corpo partido é tipificado pelo pão partido. Ao tomarem parte juntos nessa ordenança, os cristãos mostram publicamente que estão unidos e que pertencem a uma grande família, cuja cabeça é Cristo.3

DEVERIA ALGUM CRISTÃO SER EXCLUÍDO?

Realizaria Jesus a Comunhão fechada, se estivesse conosco hoje? (Seu exemplo deveria orientar nossa maneira de agir; ver S. Mat. 16:24; I Ped. 2:21.) Os acontecimentos que se desenrolaram no aposento superior, quando Jesus instituiu a Ceia, indicam claramente Sua atitude para com uma restrição dessa natureza.

Quando sincronizamos os relatos que Lucas e João escreveram, obtemos a seqüência cronológica do que aconteceu na última noite de Cristo com Seus discípulos: 1. Começou o comer da Páscoa (S. Luc. 22:14-18). 2. Jesus Se levantou e lavou os pés dos discípulos (S. João 13:1-17), inclusive os de Judas. 3. Jesus instituiu a Ceia, abençoando o pão e o vinho e oferecendo-os aos discípulos (S. Luc. 22:19 e 20). 4. Jesus identificou a Judas como aquele que O trairia (versos 21-23; S. João 13:18-25). 5. Judas parte tão abruptamente que o grupo confuso não entendeu o que havia acontecido (S. João 13:27-30).

Todos os 12 discípulos se apresentaram para comer a Páscoa com Jesus (S. Mat. 26:20; S. Mar. 14:17; S. Luc. 22:14). Judas Iscariotes era um desse grupo especial que Jesus havia indicado para pregar em Seu nome (S. Mar. 3:14-19; S. Luc. 6:13-16). Juntamente com os outros, Judas havia exercido poderes especiais para expulsar os espíritos imundos “e para curar toda sorte de doenças e enfermidades” (S. Mat. 10:1). Exerceu também a função de tesoureiro do grupo (S. João 12:6; 13:29).

Antes da época da Páscoa, Judas fez os planos para trair seu Mestre (S. Mat. 26:14-16). Mas o Salvador não foi pego de surpresa. Ele estava totalmente informado da traição de Seu discípulo, havia dito abertamente a todos eles alguns meses antes: ‘‘Não vos escolhi Eu em número de doze? Contudo um de vós é diabo” S. João 6:70).

Quando os discípulos se reuniram no aposento superior naquela ocasião especial, não havia nenhum servo para lavar-lhes os pés, e nenhum deles se dispôs a fazer esse trabalho. Assim, enquanto a refeição estava em andamento (talvez em sua primeira fase), Jesus Se levantou para praticar aquela cortesia (S. João 13:2-5, RSV).

Nesse procedimento, Jesus lavou os pés de Judas, Seu traidor, sabendo muito bem o que este já havia planejado fazer! Jesus revelou este conhecimento quando, ao lavar-lhe os pés, disse abertamente aos discípulos: ‘‘Vós estais limpos, mas não todos” (verso 10).

Jesus identificou o traidor ainda presente só depois da instituição da Ceia do Senhor.4 A descrição de Lucas diz como segue: “E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o Meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de Mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no Meu sangue derramado em favor de vós. Todavia (grego: plẽn — uma conjunção que significa, neste caso, “contudo”, “todavia” ou “mas”), a mão do traidor está comigo à mesa” (S. Luc. 22:19-21).

Ao usar essa conjunção, Lucas liga a declaração de Cristo, com relação ao significado simbólico do vinho, a Seu anúncio de traição por um dos presentes. Jesus falou da nova aliança que estava sendo selada com o derramamento do Seu sangue, e disse que precisamente naquele momento a mão de alguém cuja traição levaria ao derramamento do Seu sangue estava à mesa, ao redor da qual estavam reunidos. Judas não só tomou parte no comer a Páscoa e na lavagem dos pés, como também na Ceia da comunhão.

Ellen White descreve a cena nestas palavras: “Judas o traidor estava presente no serviço sacramental. Ele recebeu de Jesus os emblemas de Seu corpo partido e de Seu sangue derramado. Ouviu as palavras: ‘Fazei isto em memória de Mim.’ E ali assentado na presença do Cordeiro de Deus, o traidor remoía seus negros propósitos e nutria seus lúgubres e vingativos pensamentos.”5

UM RITUAL EVANGELÍSTICO

Por que permitiu o Salvador que Judas participasse desses três eventos sagrados: a Páscoa, o lava-pés e a ceia da Comunhão? Sem dúvida, uma das razões foi assegurar aos apóstolos (quando mais tarde refletissem sobre essa experiência) que seu Mestre era realmente o divino Filho de Deus, o Messias; que Ele possuía o inteiro controle e sabia tudo a respeito de Judas e dos acontecimentos que estavam diante dEle (ver S. João 13:18 e 19).

Havia, porém, uma razão mais importante: a compaixão do Salvador, Seu desejo de salvar a Judas. Até aquela noite, Judas não havia fechado a porta de sua prova. A misericórdia ainda apelava, e “Jesus ainda lhe deu oportunidade de arrepender-se.”6 Ellen White comenta: “Embora Jesus conhecesse Judas desde o começo, lavou-lhe os pés. E o traidor teve o privilégio de unir-se com Cristo ao participar do Sacramento. Um Salvador longânimo assegurou todo incentivo para que o pecador O recebesse, se arrependesse e fosse lavado da mancha do pecado.”7

De acordo com este ligeiro esboço, torna-se evidente que o Salvador jamais praticaria a Comunhão fechada. Nenhum dos discípulos estava sem defeito quando se reuniram no aposento superior (Ver S. Luc. 22:24). Mas por meio da lavagem dos pés e da Santa Ceia, o Salvador levou todos, menos um, a uma situação de humilde arrependimento e confiança nEle.

Esta a razão por que os adventistas do sétimo dia praticam a Comunhão aberta. Não podemos ler os pensamentos ocultos dos cristãos que se reúnem conosco, mas sabemos que o Espírito Santo está presente para insistir com qualquer pecador que fez mera profissão de fé. Quem pode garantir que, quando o Espírito enaltecer o Cristo amoroso (ver S. João 12:32), ninguém atenderá a este “evangelismo do ritual”?

Diante do que Jesus fez, Ellen White escreveu este conselho à Igreja: “O exemplo de Cristo proíbe o exclusivismo na Ceia do Senhor. É verdade que o pecado conhecido exclui o culpado. Isto o Espírito Santo ensina claramente. I Cor. 5:11. Mas além disso ninguém deve ser passado em juízo. Deus não confiou aos homens dizerem quem deve comparecer nessas ocasiões. Pois quem pode ler o coração? Quem pode distinguir o joio do trigo?…

“Podem entrar na congregação pessoas que hão são de coração servas da verdade e da santidade, mas que podem desejar tomar parte no serviço. Elas não devem ser impedidas…

“Cristo aí está, por intermédio do Espírito Santo, para colocar o selo de Sua própria ordenança. Ele aí está para convencer e abrandar o coração. Nenhum olhar, nenhum pensamento de contrição, escapa-Lhe à observação. Pois Ele está à espera do coração quebrantado e contrito. Todas as coisas estão prontas para essa recepção da alma. Aquele que lavou os pés de Judas, espera lavar cada coração da mancha do pecado.’’8

FRANK HOLBROOK, diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia

Referências:

1. Seventh-day Adventist Yearbook (Hagerstown, md.; Review and Herald Pub. Ass., pág. 6. Ver também “Lord s Supper”, SDA Encyclopedia (Washington. D.C; Review and Herald Pub. Assn. 1976), págs 813 e 814; e SDA Church Manual (Washington, D.C.; General Conference of Seventh-day Adventist, 1986), págs 80 e 81

2. Ver Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações. pág 389.

3. The SAD Bible Commentary, vol 6, pág. 746

4. Deve-se notar que a fim de realçar o susto e consternação produzidos pela revelação de Cristo de Seu traidor, Mateus e Marcos mantêm a ordem dos acontecimentos, colocando a revelação no inicio da Páscoa Lucas, por outro lado, recorda os incidentes em seqüência natural.

5. White, pág. 653.

6. Idem. pág. 655.

7. Ibidem. Ver também pág 645.

8. Idem. pág. 656.