A estratégia de Cristo para fazer discípulos para o reino de Deus

João Renato Alves

Cristo foi enviado com objetivos bem estabelecidos (Jo 5:36-38; 8:42; 12:49, 50). Durante três anos e meio de ministério com o foco em pessoas, Ele avançou tendo em vista “buscar e salvar o perdido” (Lc 19:10; ver Mt 8:11). Ao ser batizado, o Mestre iniciou Sua obra pública e, logo após a Sua mudança para Cafarnaum, escolheu para Si doze homens que desfrutariam de Sua comunhão, aprendendo diretamente Dele, sobre Seu reino, como vivê-lo, propagá-lo, multiplicá-lo e aguardá-lo (Mc 3:13-19; 4:11, 26, 14:25).

Diante disso, desejo analisar o relacionamento de Jesus com Seus doze discípulos mais próximos. Depois, apresentar Sua ministração às multidões, bem como o envio dos doze e dos setenta para cumprir a missão. E, por fim, mostrar a rede de discipulado implantada por Cristo.

Relacionamento com os doze

Jesus passou uma parte expressiva de Seu ministério com os doze discípulos. Conviveu com eles em casa, em lugares reservados e durante viagens (Mt 13:36;
Mc 4:10-12, 35-41; 6:1; 7:17; 9:33; 11:11; 8:13, 14; Lc 11:1). Tendo em conta que, “eram muitos os que iam e vinham e nem tinham tempo para comer”, Jesus também separava momentos de descanso e lazer com esses discípulos (Mc 6:30, 31). O Mestre dedicava tempo para estar com eles, pois sabia que deveria estabelecer uma forte base de liderança discipuladora, que em breve passaria a viver, transmitir e reproduzir o que haviam aprendido pessoalmente com Ele.

Jesus fazia discípulos em todos os lugares. Não havia um lugar específico nem um ambiente separado para isso. Ele discipulava caminhando, comendo, evangelizando, viajando, ensinando, curando, descansando, pregando, pescando, visitando ou aconselhando.Tudo era propício para discipular. Os doze se encontravam com o Mestre e, com Ele, aprendiam como se aproximar das pessoas, atendê-las em suas necessidades e conquistá-las para o reino.

Ao analisar os 143 eventos do ministério de Jesus apontados pelo Comentário Bíblico Adventista,a partir da vocação dos discípulos até a Sua ascensão aos Céus (Mt 4:18-22; Lc 24:50-53), vemos que, possivelmente, Jesus tenha estado na companhia dos doze discípulos em mais de 80% dos eventos registrados nos evangelhos. Destes, é indicado que em 36% Cristo Se encontrava exclusivamente com os doze ou com alguns dos discípulos mais próximos, Pedro, Tiago e João. Já em 46% dessas ocasiões, Cristo estava com as multidões ensinando, curando e admoestando, e os discípulos estavam com Ele (Lc 12:1-59; 14:25-33). Nos outros 18%, o Mestre aparece na companhia de algumas pessoas ou das multidões (veja o box abaixo). Por exemplo, pode-se mencionar o relato de Mateus 9:27 a 34 em que Jesus, estando em casa, atendeu dois cegos e às multidões. Esses dados coletados são apoiados por Dave Ferguson e Warren Bird, que chegaram a conclusões semelhantes.3

Ministrando às multidões

Entre as multidões, Jesus tomava tempo para ensinar, curar e ouvir cada pessoa que se aproximava Dele, independentemente da condição em que esta se encontrava. Para Cristo, todos eram objetos de Seu amor e salvação. Enquanto o Mestre conquistava a confiança das pessoas, os discípulos aprendiam como alcançar o coração delas (Mt 15:29-39; 17:14-23; 19:1-12).

Simultaneamente, dois movimentos aconteciam no ministério de Jesus. Ele ministrava às multidões, levando-as a produzir novos discípulos, e treinava cuidadosamente os doze, preparando-os para viver e multiplicar os princípios do reino de Deus. Assim, os discípulos estavam destinados a produzir frutos que deviam permanecer não apenas no presente, mas ao longo da história, até o segundo advento de Cristo.4

Envio mentoreado

Vendo Jesus que as multidões estavam aflitas e exaustas como ovelhas sem pastor, e percebendo que os doze estavam sendo transformados por meio da convivência diária com Ele, chamou os discípulos e os enviou de dois em dois às cidades, aldeias e povoados para reproduzirem o que haviam aprendido Dele até aquele momento (Mc 6:7).

Eu chamo isso de “envio mentoreado por Cristo.” Ao enviar os discípulos, Jesus disse: “Por onde forem, preguem esta mensagem: O Reino dos Céus está próximo. Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça; deem também de graça” (Mt 10:7, 8, NVI). Além disso, Ele mostrou que a evangelização poderia não ser fácil, pois os discípulos estavam sendo enviados como ovelhas para o meio de lobos, e deveriam ser simples como as pombas e prudentes como as serpentes (Mt 10:16). Cristo os fez compreender que poderiam ser bem recebidos ou não; que encontrariam pessoas receptivas, mas também indivíduos indiferentes que rejeitariam a verdade. Apesar dessas adversidades, as Escrituras apresentam os resultados que eles tiveram: “Saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse; expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos” (Mc 6:12, 13).

Jesus cumpriu fielmente o propósito de buscar e salvar o perdido. Com o objetivo de fazer discípulos que formariam outros discípulos até a Sua segunda vinda, Ele os treinava para que se multiplicassem. Com o passar do tempo, o Mestre atribuía mais e mais responsabilidades aos discípulos. Nessa escola eles harmonizavam os aspectos teórico e prático.

O número de discípulos de Jesus se multiplicou e, assim, formou uma rede de aprendizes dispostos a viver e propagar o evangelho. À vista disso, Cristo “designou outros setenta e os enviou de dois em dois, para que O precedessem em cada cidade e lugar aonde Ele estava para ir” (Lc 10:1). Semelhantemente ao envio dos doze, os setenta foram enviados por Cristo e receberam as admoestações necessárias para o cumprimento da obra. Eles deveriam curar os doentes, proclamar a mensagem e pedir ao Senhor da seara que enviasse mais trabalhadores para realizar a grande colheita (Lc 10:2, 3, 9). Ellen White comenta que “os setenta não haviam, como os doze, estado constantemente com Jesus, porém haviam muitas vezes ouvido Suas instruções. Foram enviados sob Sua direção, para trabalharem como Ele mesmo estava trabalhando”.Ao concluírem o trabalho, eles retornaram cheios de alegria e diziam: “Senhor, até os demônios se submetem a nós, em Teu nome” (Lc 10:17).

A rede multiplicadora

Jesus percorria as cidades e aldeias ensinando, pregando, fazendo novos discípulos e curando todo tipo de doenças, e os doze iam com Ele, e também algumas mulheres (Mt 9:35; Lc 6:17-19; 8:1, 2). Por ocasião de Sua ascensão, Jesus apareceu a mais de quinhentos discípulos de uma só vez (At 1:6-11; 1Co 15:6). Ellen White comenta que em uma montanha da Galileia, ao tempo designado, esses quinhentos mais os doze estavam reunidos, ansiosos para ver o Mestre ressuscitado. Então, de súbito apareceu Cristo revestido de ilimitada autoridade entre eles e conferiu a grande comissão a todos: enquanto vocês estiverem indo, “façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que Eu vos tenho mandado; e eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”.6

Jesus havia alcançado Seus objetivos, conseguiu resgatar o pecador da sua eterna condenação e, ao mesmo tempo, criou um movimento evangelístico discipulador que continuaria a expandir Seus propósitos.

Assim, ao analisar o ministério de Jesus, percebemos uma organização com foco na comunhão, no relacionamento e na missão. O Salvador dedicou a maior parte de Seu tempo em discipular os doze. Estes foram designados para estar com Ele e ser enviados a pregar. Nesse grupo de discípulos havia três que tinham um relacionamento mais próximo de Jesus e, entre eles, João era o mais próximo de todos. Enquanto Cristo ministrava às multidões, Seus discípulos aprendiam na prática como deveriam fazer quando estivessem à frente do trabalho. Por ocasião de Sua ascensão, Cristo reuniu quinhentos de Seus discípulos e lhes confiou a grande comissão, prometendo que estaria com eles até o fim (Mt 28:18-20).

Conclusão

Muitas pessoas querem promover o crescimento da igreja por meio de eventos e programas, mas se queremos encontrar um caminho seguro para o crescimento saudável da igreja, a prática do ministério de Cristo deve ser nosso modelo.

A eficácia do ministério de Jesus estava concentrada nas pessoas. Com visão clara de Sua obra, Ele dedicou Sua vida ao discipulado. Assim também deve ser nosso ministério. Ellen White afirma: “Unicamente os métodos de Cristo trarão verdadeiro êxito no aproximar-se do povo. O Salvador
misturava-Se com as pessoas como Alguém que lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por elas, ministrava-lhes às necessidades e conquistava-lhes a confiança. Ordenava então: Segue-Me!”.7

Os discípulos de Cristo tinham duas características básicas: humildade para aprender e capacidade para reproduzir o ministério do Mestre. Eles eram motivados pelo mesmo objetivo de Jesus, “buscar e salvar o perdido” (Lc 19:10). Cristo desejava que eles reproduzissem em outras pessoas o que haviam aprendido com Ele. Em Seus discursos, Jesus sempre usava a expressão “assim como” (Jo 13:15, 34; 15:10, 12; 17:11, 18; 20:21). Essa expectativa do Senhor não foi somente para os primeiros discípulos de Sua igreja, mas “inclui todos os crentes até o fim dos tempos”.8

Nesse processo discipulador, devemos implantar um pequeno núcleo de discipulado onde iremos instruir nossos discípulos, cuidar da saúde espiritual deles, conduzi-los à salvação e, ao mesmo tempo, ensiná-los na prática como viver o cristianismo relacional e evangelístico, aproveitando todas as oportunidades para engajá-los no cumprimento da missão. Aos poucos, o aprendiz estará disseminando as verdades do reino para familiares, amigos e desconhecidos, e assim estará se multiplicando em outros, produzindo mais e mais discípulos. É provável que boa parte dos batismos não venha diretamente de um ou outro evangelista, mas de todo o grupo de discípulos discipuladores.

O discípulo deve investir tempo na formação de novos discípulos que, por sua vez, reproduzirão em outras pessoas o que têm aprendido. Desse modo, será formada uma rede organizada de discipulado que deve ser supervisionada por discipuladores experientes.

Em tudo isso, devemos ter sempre em mente que o crescimento vem do
Senhor (1Co 3:6-9). O pastor, ancião ou qualquer outro líder na igreja não devem centralizar a missão em si mesmos. É necessário discipular um grupo de pessoas, que discipularão outras pessoas e, dessa forma, todos cumprirão a missão.

De fato, o trabalho com o foco em pessoas é desgastante. Mas esse foi o trabalho de Jesus. O Salvador investiu em pessoas e ordenou que fizéssemos o mesmo até que Ele viesse pela segunda vez
(Jo 14:1-3; Mt 28:18-20). Assim como nosso Senhor foi batizado pelo Espírito Santo para cumprir Sua obra, também nós precisamos ser revestidos com o “poder do alto” para cumprir nossa missão (Lc 3:21, 22; 24:49; At 1:8). Dessa maneira, se cumprirão as palavras de Cristo: “Aquele que crê em Mim fará também as obras que faço e há de fazer coisas maiores ainda” (Jo 14:12). 

Referências

1 Walmir Arantes Rosa, Igreja Essencial: Resgatando a Essência do Evangelho no Corpo de Cristo (São Paulo: Edição do autor), p. 43.

2 Francis D. Nichol (ed.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), v. 5, p. 186-195.

3 Dave Ferguson e Warren Bird; Formador de Heróis (Brasília, DF: Editora Palavra, 2018), p. 68.

4 A. B. Bruce, O Treinamento dos Doze (Santo André, SP: Geográfica, 2016), p. 105.

5 Ellen G. White, Este Dia com Deus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1980), p. 111.

6 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 818, 819.

7 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011), p. 143.

8 Nichol (ed.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 5, p. 603.

João Renato Alves, pastor em Cuiabá, MT