Departamento de Evangelismo do Colégio Avondale, Austrália

“CONTUDO não quereis vir a Mim para terdes vida.” S. João 5:40.

Em tôda a parte menos no lugar certo!

Quão insensato é o homem! Pobre, cego, vacilante!

Em tôda a parte, menos no lugar certo!

Que paradoxo!

Os problemas ardem-lhe na alma. Questões importantes atormentam-no, corroem-lhe os órgãos vitais, impedem que êle avance. Não pequeninas coisas casuais como: “Será que vai chover no domingo?” ou “Você acha que Carlos gostará de meu carro nôvo?” mas questões deveras insolentes que causam inquietação.

Por que há assassínios?

Por que há revoluções e guerras?

Por que existe o homem?

Por que existe a matéria, as estrêlas, a Ter-ra — e o intelecto?

Por que nascemos, podemos morrer dum momento para o outro, e precisamos morrer mais cedo ou mais tarde? Ou, como perguntava Camus, “Por que estamos aqui, sendo que todos estamos condenados à morte?”

São questões, importantes questões, que requerem uma resposta. São enigmas que precisam ser solucionados.

“Contudo não quereis vir a Mim para terdes vida.”

Aí que está a dificuldade. O homem, ansiando desesperadamente por esclarecimentos, dirige-se a tôda a parte menos ao lugar certo. Êle imagina poder encontrar o que deseja em tubos de ensaio, experiências, instrumentos e chapas fotográficas. “Precisamos — declara êle — de elementos objetivos. Com demasiada freqüência abordamos êstes problemas de maneira subjetiva. Precisamos de métodos mais seguros de avaliação. Sejamos desapaixonados, imparciais, destituídos de sentimento, e façamos observações e experiências impessoais. O método científico nos proporciona os fatos.”

É realmente assim?

Afinal de contas, que é um fato? O Oxford Dictionary declara que é “algo que realmente tenha ocorrido ou é efetivamente da maneira como se apresenta.” Diante desta definição, que pretensos fatos são fatos reais?

É a Ciência uma Religião?

Recentemente o Duque de Edinburgo disse que a ciência está-se tornando ràpidamente uma espécie de religião. Outro escritor afirmou que “uma das suposições características do Século XX” é “a crença de que a ciência e o planejamento científico são capazes de modificar a natureza humana, de desenvolvê-la e talvez até mesmo de aperfeiçoá-la.” 1 As pessoas têm imaginado que a ciência é uma fórmula mágica que dá acesso ao paraíso. Agora os homens es-tão perdendo um pouco de sua reverência supersticiosa para com o método científico e compreendendo que êle certamente tem suas limitações.

Sabeis, por exemplo, que a verificação, o passo decisivo na ciência, baseia-se numa falácia relativa à lógica. A forma lógica da normal verificação científica funciona assim: “A implica em B. B é certo. Portanto A é certo.” Ou em palavras mais simples: “Se João participou da luta êle deve ter ferimentos. João tem ferimentos no corpo. Portanto João tomou parte na luta.” A fim de que esta espécie de raciocínio seja válido e convincente seria necessário demonstrar que nesse determinado caso não havia outra maneira pela qual João pudesse receber aquêles ferimentos. Isto é bastante difícil.

Um indivíduo muito versado em lógica já salientou isto em 1916: “Visto que pode haver mais teorias do que uma só que produzam as mesmas conseqüências, a concordância dos fatos com uma delas não oferece razão para escolher entre ela e as outras.” 2

“Mar Aquecido, Lôdo ou Limo”

Os cientistas procuram contornar esta dificuldade experimentando não uma ou duas, mas dezenas de vêzes. Assim a forma não vem a ser “A implica em B,” mas “A implica em Bl, B2, B3, B4, B5 etc.” Ora, tem-se afirmado tantas vêzes a hipótese, que a questão tem sido confirmada de maneira indubitável. Sòmente um milagre de coincidência produziría um resultado diferente. Mas quem estaria disposto a basear o conhecimento numa suposição tão primitiva como esta? Êste é um mundo em que ocorre o milagre da coincidência. Os cientistas o afirmam. Com efeito, a coincidência jaz no âmago de tôda a hipótese darwiniana. Admite o Prof. Andrade, membro da Royal Society: “A origem da vida, a gênese da primeira célula viva é um mistério científico. Talvez em certo tempo nalguma poça de mar aquecido, lôdo ou limo, quando a Terra esfriara o suficiente, os elementos necessários se justapuseram casualmente sob condições favoráveis de suprimento de energia, e formou-se uma célula.”Carlos Eugênio Guye, um matemático suíço, demonstrou que as probabilidades contrárias à junção dos cinco elementos que formam a proteína (o componente essencial de tôdas as células vivas) no lugar e tempo certo são tão elevadas como 10/160 para l.4

Diante disto, pode-se perguntar com justiça: Quem realmente crê em milagres?

Mas a evolução resultante, da maneira como é expressa por Morgan, Alexander e Bergson, baseia-se não sòmente na coincidência; é necessário um milagre de coincidência em cada nível, como as brechas são explicadas sob o aspecto de inovação.

Convicções Universais

Indubitàvelmente o método científico tem produzido valiosos resultados em diversos setores, mas suas limitações são assaz evidentes quando passamos a considerar o homem. A ciência tem provàvelmente contribuído mais do que qualquer outra coisa para abolir o sobrenatural e estabelecer um conceito mecanístico do universo. O conceito behaviorístico da vida considera o homem meramente como corpo. Mas quando deparam com a oportunidade de fazer experiências em pessoas, os cientistas hesitam. Por quê? Se a experimentação é sacrossanta, por que não fazer experiências no homem — da mesma maneira que em cobaias e camundongos? Por que não produzir o câncer assim como dominá-lo? Por que não empenhar-se deliberadamente em experiências psicológicas e morais em que é prejudicada a sanidade mental, os lares são desfeitos e é praticada a infidelidade?

A aversão mundial pelas horríveis práticas de médicos alemães em Buchenwald, Belsen e Dachau mostrou haver universal convicção de que a vida humana é preciosa. 5

A ciência não conhece absolutamente nada sôbre a “Dignidade Humana,” mas “através de tôda a história intelectual do Ocidente existe certa intuição pelo que comumente se chama de ‘dignidade humana.’ … A principal tradição ocidental tem separado o homem firmemente do resto da Natureza, a que ela recusa conferir a posição especial de participar da luta moral.” 6

A ilusão dos elementos objetivos separou-se, acima, e tem sido criticada severamente sôbre êsse assunto nos últimos anos. Os existencialistas, que crêem que “o pessoal é o real,” têm comandado a crítica. Ora, se a ciência é estritamente impessoal, ela é incapaz de auxiliar-nos no mais importante setor de nossa existência — o da experiência pessoal. Com efeito, o extremo determinismo do método científico despoja a experiência pessoal de todo o significado. Se Deus é excluído do cômputo das relações entre causa e efeito, não pode haver autonomia da vontade, escolha, decisão, ação e senso de responsabilidade.

Conhecemos o suficiente de nossa experiência pessoal para compreender que nos sentimos responsáveis por nossas ações, mas a responsabilidade não significa absolutamente nada para a ciência.

“Estou com Comichão”

Podemos perguntar a essa altura: Se a ciência não diz nada sôbre responsabilidade moral, por que tantos cientistas nucleares são obsediados por um senso de responsabilidade moral pelas armas atômicas? Acaso não revela sua atitude falta de fé no método científico ou talvez compreensão de suas limitações? Quem sabe ela demonstre sua fé inata em algo (ou alguém) mais importante.

O pensamento científico nunca nos permitirá fazer apreciações seguras. Na realidade, êle não pode induzir-nos a apreciar qualquer valor ético ou estético. A moralidade não significa absolutamente nada. É destruído todo o conceito sôbre bondade e maldade. Como disse C. S. Lewis: “Se o naturalismo está certo, eu devo’ é a mesma espécie de declaração que ‘eu sinto comichão’ ou eu ficarei doente’.”Paulo Roubiczek salientou que “se eu não sou responsável, o assassínio é simplesmente um fato a ser evitado quando prejudicial à sociedade, e a ser usado quando lhe é benéfico, mas não deve ser considerado como crime.” 8

Moralidade—Significativa ou Não

Dêste modo a moralidade perde o significado. A importância de tudo isto é inculcada com nova fôrça cada dia. O homem está compreendendo que os problemas da época presente são existenciais e morais. Não é provável que as dificuldades do momento sejam solucionadas no laboratório. A causa de nossa atual época de crise nada tem que ver com chapas fotográficas e técnicas experimentais. Delinqüência, desonestidade, racismo, homossexualidade, pornografia e, acima de tudo, a sombra sinistra e escura do olvido nuclear — estas são as preocupações que realmente causam inquietação. O método científico não pode enfrentar o desafio lançado por elas. Isto é uma questão de interêsse subjetivo e não objetivo. “Conquanto os enigmas da Natureza sejam solucionados um a um, cada homem torna-se um enigma maior para si mesmo, e existe cada vez mais confusão em nossa própria vida interior e nos negócios humanos. Ainda somos capazes de solver problemas morais? Provàvelmente seria mais importante do que nunca dantes desenvolver a moralidade, pois deparamos com uma situação inteiramente nova. A guerra nuclear pode interferir com a existência humana, com o mistério da vida e da morte, numa extensão que antes não era considerada possível. O poder de interferir no caráter humano traz consigo nova e muito grande responsabilidade. Todos êsses problemas, porém, estão fora do escopo da ciência; não podemos começar a compreender seu verdadeiro significado enquanto confiarmos apenas no pensamento abstrato.” 9

“São os Sêres Humanos que Não Posso Tolerar”

O refinado cientista não pode solver enigmas morais pela simples razão de serem pessoais. Mas “a ciência nunca se preocupa com o indivíduo como tal. Ela lida com leis e generalizações; não distingue entre uma gôta e outra do mesmo ácido em seus laboratórios, ou entre um e outro caso de qualquer instinto ou sentimento em sua análise psicológica. Esta é a principal razão por que uma educação puramente científica tende a ser uma preparação deficiente para a vida que sempre consiste grandemente de relações humanas.” 10 Peanuts expõe o problema de maneira mais simples ao dizer: “Amo o gênero humano. São os sêres humanos que não posso tolerar.”

Até os próprios humanistas científicos estão começando a reconhecer isto. Kingsley Martin admite a inexatidão de suas próprias crenças, declarando: “Não somos mais capazes de dizer que a ciência está conduzindo à Utopia. . . . Os homens são mais nacionalistas, violentos e estultos do que pensavam ser. Controlamos a Terra e o ar, mas não o tigre, o macaco e o jumento dentro de nós mesmos.” 11

Com freqüência é olvidado que os cientistas abordam sua obra com atitudes mentais que têm mais uma natureza religiosa do que científica.

Mesmo antes e enquanto seguem o método científico êles revelam honestidade, integridade, esperança, entusiasmo, identificação com a experiência, cooperação e paciência. A ciência não pode existir sem julgamentos de valor. “Estas são, pois, as marcas distintivas de nossa tradição. E elas me obrigam a chegar à conclusão de que esta tradição está definitivamente baseada em convicções morais que muitas vêzes são irreconhecíveis mas não menos imperativas, e das quais ela extrai sua sanção final.” 12

Tem-se salientado que em primeiro lugar o cientista atinge sua hipótese por meios de lampejos de discernimento, intuições, imaginação e, acima de tudo, por certo salto à frente da evidência. Isto constitui um ato de fé — que não difere daquilo que falam os teólogos. F. R. Tennant revela isto na obra The Nature of Belief (A Natureza da Crença): “A ciência indutiva baseia-se num ato de fé, tem uma causa subjetiva. Algumas vêzes tem-se dito que onde termina a razão, começa a fé, mas a verdade parece ser que onde termina a fé, começa a razão pelo que diz respeito ao conhecimento generalizado do mundo.” 13

“Por quê?”

Já afirmei que a moralidade perde o significado quando o método científico é nosso único recurso para o conhecimento. Tudo se torna destituído de significado. Embora a ciência natural forneça respostas para a premente pergunta Como? ela é completamente inútil para solucionar a pergunta mais insistente Por quê? E convém lembrar que tôdas aquelas insolentes e importantes perguntas começam com o prefixo Por quê?

A sensação de alcançar algo impregna tôdas as nossas profundamente obsedantes experiências pessoais. Parece que nos defrontamos com alguma realidade espiritual mais ampla. É quase como se Alguma Coisa ou Alguém muito maior do que nós procure quebrar o vidro e tocar o alarme contra incêndio. Milhões de corações doridos e mãos tateantes almejam encontrar uma resposta para o anseio por significação. Quer nossa vida seja realmente destituída de significado, a procura por significação é inegável. O anseio das multidões o confirma.

“Lacuna Formada por Deus”

Eis aqui um enigma.

Filósofos e sábios de tôdas as épocas, poetas, teatrólogos, artistas, filósofos, pregadores e profetas têm dirigido a pesquisa. Seu percurso abrange milênios. Suas vozes ecoam de Jó a Platão, de Paulo a Agostinho, de Aquino a Lutero, de Kant a Kierkegaard, de Berkeleu a Billy Graham. E uma inumerável multidão de

Página 7 pessoas mais simples tèm vindo em seguida. Criancinhas que tèm orado aos joelhos de suas mães; atarefadas donas de casa; criminosos condenados; lavradores lançando a semente e observando o viçoso rebento; enfermeiras nas maternidades contemplando com admiração o milagre de outro nascimento; viúvas chorando no funeral de alguém ao qual amavam — todos tèm estado à procura de significação. Martin, o humanista, declarou existir uma “lacuna formada por Deus dentro da maioria de nós.” Êle chegou a essa conclusão depois de assistir a serviços religiosos na Rússia comunista e maravilhou-se de encontrar milhões de pessoas que ainda mantinham fé viva — depois de quarenta e cinco anos de propaganda em oposição a Deus. “O desejo de crer continua mesmo quando é desprezado o fato objetivo. … As pessoas sentem necessidade de um ritual e de palavras tradicionais em ocasiões de nascimento, casamento e morte.” 14

Mas, de acôrdo com a ciência, tôda essa procura é destituída de significado. Tudo isto aumenta a soma. Tudo isto fala duma maneira que a ciência não pode falar. Tudo isto parece dizer que a experiência humana requer valôres absolutos que não podem ser obtidos de forma científica.

“ Quem ? ”

É tempo de o homem voltar a si. Sem dúvida a ciência pode dar-lhe colchões de espuma de borracha, rodovias de seis pistas, glândulas tireóides rejuvenescidas, máquinas de lavar louça e batedeiras elétricas, mais ainda existe guerra, cobiça e atroz maldade em nossos corações. Com todo o nosso conhecimento não estamos chegando a parte alguma. Parece ser uma corrida “de inferno a inferno.” No início dêste artigo fizemos a declaração de que as questões realmente importantes que corroem os órgãos vitais do homem, que o atormentam e lhe impedem o avanço não são O Que, Como, mas Por quê. Isto não está estritamente certo, pois embora êle não o saiba, a maior pergunta do homem é QUEM? E se a ciência não pode responder à pergunta Por quê, nem mesmo num milhão de anos ela nos poderá dizer alguma coisa sôbre QUEM.

Cristo declarou: “Sem Mim nada podeis fazer.” Quão insensato é o homem — tropeçando em tôda a parte, menos no lugar certo.

“Contudo não quereis vir a Mim para terdes vida.”

REFERÊNCIAS

  • 1.  Alan Richardson, Christian Apologetics, (Londres: S. C. M.), pág. 67.
  • 2. H. W. B. Joseph, An Introduction to Logic, (Oxford University Press, 1916), pág. 523.
  • 3.  E. N. da C. Andrade, F. R. S., “The Mistery of Life — 6,” Sunday Tintes, Londres, 17 de novembro de 1957.
  • 4. Citado em The Evidence of God in an Expanding Universe, de João Clover Monsma, (Nova York: G. P. Putnam’s Sons, 1958), pág. 23.
  • 5.  Para uma exposição sôbre êste ponto, consultar a obra Philosophy of Religion, de Davi Elton Trueblood, (Londres: Rockliff), págs. 65-67.
  • 6.  Crane Brinton, Shaping of Modern Thought, (Eag-lewood Cliffs, N. J.: Prentice Hall, 1963), pág. 236.
  • 7. C. S. Lewis, Miracles, (Nova York: The Macmillan Company, 1948), pág. 45.
  • 8.  Paulo Roubiczek, Existentialism — For and Against, (Cambridge University Press, 1964), pág. 6.
  • 9. Idem, pág. 12.
  • 10. Guilherme Temple, Nature, Man and God (Londres: Macmillan & Co., 1960), pág. 144.
  • 11. Blackham, Martin, Hepburn e Mott, Objections to Humanism, (Inglaterra: Pelican Paerback, Penguin Books Ltd., 1965), págs. 89 e 101.
  • 12. C. A. Coulson, F. R. S., Science and Christian Belief (Fontana Books, Collins, Londres, 1961), pág. 75.
  • 13.  F. R. Tennant, The Nature of Belief (Londres: The Centenary Press, 1943), pág. 41.
  • 14.  Blackham, Martin, Hepburn e Mott, op. cit., págs. 98 e 100.