Nós nos preparávamos para cumprir um dos requisitos de uma classe: escrever uma monografia. Uma longa lista de possíveis temas para uma decisão difícil. Um nome, porém, nos prendeu a atenção. Sabíamos que era um dos grandes evangelistas que a Igreja tivera nas décadas de 1930 e 1940. Um segundo fator se acrescentou para fazer-nos tomar a decisão: o protagonista residia a poucos quilômetros da Universidade. A decisão foi tomada: a monografia seria um es-tudo da vida, do ministério e da filosofia de evangelismo desse idoso ministro do evangelho.

A experiência foi muito mais rica que o mero cumprimento de um requisito do curso de História da Igreja; resultou numa renovação de nosso próprio ministério.

A primeira impressão, no entanto, era desanimadora: Robert Boothby estava muito idoso, sua voz se achava apagada, sua audição era deficiente e sua memória claudicava. Várias horas de amigável conversação nos deram, porém, uma visão da riqueza da experiência desse veterano homem de Deus. Foi necessário buscar a maior parte de sua filosofia do evangelismo nos numerosos artigos publicados nas revistas de seu tempo. No entanto, seu conceito do ministério, da Obra e da Igreja permanecia intato.

— Quais têm sido suas maiores alegrias nos 50 anos de ministério? — perguntamos.

Sua resposta é clara:

— Ver tanta gente querida aceitar a verdade!

Outra pergunta enfocava as experiências negativas vividas.

— Quais foram as maiores dificuldades e frustrações que recorda haver enfrentado em seu ministério?

A resposta é simples:

— Não recordo nada que seja importante.

Em outras palavras, a tarefa é tão excelsa que não há preço demasiado alto a ser pago; não há uma só experiência negativa que mereça ser lembrada.

Boothby tem setenta e nove anos e meio de idade. Vive sozinho. Sua amada esposa, a quem recorda constantemente, faleceu há pouco mais de oito anos, deixando um tremendo vácuo em sua vida.

Enquanto o visitamos, disse o grande gigante:

—Quisera sair novamente e pregar, mas estou ficando velho…

Embora o seu “homem exterior se corrompa, contudo o. . . homem interior se renova de dia em dia” (II Cor. 4:16).

No ministério hodierno há alguns Jonas e alguns Paulos: o que se seca na amargura e o que se regozija nas bênçãos de uma vida intensamente vivida para Deus e o próximo.

Por que será que há tão poucos patriarcas veneráveis entre as fileiras dos ministros jubilados? — perguntava um secretário ministerial a outro. O ministério não é uma profissão fácil, como não o foi a do profeta nem a do apóstolo, cuja lista inclui inúmeros encarcerados e mártires.

“O ministério cristão, tal como eu o conheço, é uma mescla de alegria e dor. … A parede que separa a esperança do desespero é muito delgada. Eu opto pela esperança e peço ajuda daqueles que me rodeiam nos momentos de desespero. Prefiro procurar viver e ministrar como se este fosse o primeiro dia do resto de minha vida.”’

Provavelmente o segredo esteja escondido nos anos anteriores à ida ao seminário e na imagem ideal que o jovem formou dos ministros e do ministério. A amizade ou a admiração por algum de seus pastores fez com que formasse uma idéia de um homem santo que anda constantemente com Deus, de um ser que entende todas as coisas, que vive somente para servir e que representa a Deus entre os mortais. É o esposo ideal, o pai modelo, o artista do púlpito; aquele que é admirado por todos, que não tem problemas e que sabe usar o poder da oração e da intercessão capazes de solucionar os problemas dos outros. Sua vida é um verdadeiro romance. Há os que abandonam carreiras lucrativas para ingressar nessa vida ideal de um ministro de Deus.

Nalguns casos, porém, acontece com o ministro a mesma coisa que sucede com alguns jovens iludidos com o matrimônio: depois da lua-de-mel, passa-se a lidar com as coisas prosaicas e rotineiras da vida de casado. Desiludidos, alguns perguntam: “É só isto?”

A preparação irrealista dos futuros ministros também pode constituir-se numa causa de frustração. Enfrentar situações reais, na administração, na solução de conflitos em administrar o tempo, ao procurar corresponder às expectativas da congregação, da administração ou dos departamentos das organizações superiores, sem a devida preparação, pode produzir um senso de incompetência e frustração.

Durante um estudo realizado por Revel L. Howe, entre 1.600 pastores de 38 denominações, num período de 7 anos, uma das coisas que mais o impressionaram foi “o contraste entre a certeza que os alunos de Teologia tinham do ministério, e a confusão que os pastores veteranos faziam dele. ” A razão, segundo Howe, tinha que ver com as expectativas que o ministério suscitava durante o período de preparação para o ministério e as condições reais que depois eram encontradas nas igrejas. Em outras palavras, eles descobrem que o mundo não opera sob as mesmas pressuposições, nem é motivado pelas mesmas orientações.

Noutro estudo realizado por Mills, sobre a tensão no ministério, descobriu-se que 42% dos 6.195 períodos de crise declarados por 4.665 ministros ocorreram nos primeiros cinco anos de pastorado, sendo que 25% correspondiam aos dois primeiros anos. Mills estabelece uma “lei” interessante: “O choque que um jovem ministro experimenta em seu primeiro pastorado parece ser inversamente proporcional ao realismo de sua imagem do ministério.”2

Ele depara, então, com duas opções: Ou procura ser o que o ministro deve ser, ou modifica seu conceito sobre o ministério. Os resultados de seu ministério dependerão em grande parte do caminho escolhido por ele.

Suponhamos que escolha a primeira alternativa. O ideal é que o ministro seja abnegado, que não busque posições ou cargos na hierarquia da igreja, que considere como seu alvo supremo ser servo de todos, que não viva para si mesmo, mas para enriquecer a outros. Filipenses 2 lhe mostra o exemplo de Cristo, que “a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo”. O apóstolo Paulo, o qual deu tudo que era e tinha, e que esteve disposto a gastar-se e deixar-se gastar por amor à Igreja, embora perdendo seu amor ao amá-la cada vez mais (II Cor. 12:15), lhe apresenta a alternativa ideal e o exemplo a ser seguido.

No entanto, outros exemplos da vida diária de colegas no ministério, cujo alvo e ideal é “ascender” dentro da hierarquia, lhe apresentam outra possibilidade. Conquanto alguns, buscando isso, só encontraram frustração, outros se encontram hoje numa posição mais confortável, havendo alcançado seus objetivos. O ministro pergunta então a si mesmo: “Qual atitude é melhor?”

Ao escolher o que é ideal, não poderá ser considerado um fracassado — alguém que nunca conseguiu nada? Este é um dos mais sérios conflitos que um ministro terá de enfrentar. Talvez não consiga o que aspira. Outro foi nomeado para o departamento, para a administração ou para o pastorado de uma igreja maior, que ele tanto aspirava, deixando-lhe um sabor amargo — o sabor da derrota! Na primeira vez, não será difícil suportá-lo; mas, se a situação persiste, a amargura poderá tornar-se crônica. Se não for vencida, essa atitude levará o ministro a uma aridez que será tão amarga como a aboboreira de Jonas, ao secar-se.

Cumpre lembrar que a linha divisória entre a sã aspiração e a ambição é muito tênue. Não é fácil saber quando se passa do positivo para o negativo. Quando num indivíduo se acha presente o anseio de posição ou domínio, ou se este o alimenta, transforma-se numa fome insaciável. Quando ele alcançou uma posição ou posse que cobiçava, não a desfrutará, pois começará a aspirar a outra mais elevada, repetindo-se o processo, ao ponto de não encontrar depois satisfação em nada. Como a ambição é incompatível com a natureza do ministério, tal ministro se estiola, terminando seus dias de modo obscuro. Por outro lado, o ministro que deixa de preocupar-se com a sua própria posição e cujo anelo e ideal é servir onde quer que esteja, dando tudo que é e tem para ver a Obra avançar; que se identifica plenamente com a Obra; que ama de todo o coração a sua igreja, a seus membros, a seus dirigentes; enfim, que se dedica de corpo e alma àquilo para que foi chamado, viverá um constante romance como ministro. Para ele não haverá injustiças nem humilhações; as “promoções” serão consideradas oportunidades de trabalho, e não honras especiais ou motivos de orgulho. Este é o ministro a quem todos amam e que vive plenamente, apesar dos conflitos normais ou anormais do ministério. Seu ser interior se renova de dia em dia, embora o corpo físico sinta o desgaste dos anos, e assim finalmente se porá o seu sol.

Quais são as normas que o ministro deve seguir para ter um ocaso de patriarca, sendo uma inspiração até o próprio momento em que se puser o sol de sua vida? Enumeremos algumas:

Busque a eficiência e não o êxito. Estas duas palavras não expressam o mesmo conceito? Não necessariamente. O ministro pode realizar tarefas que lhe dêem um bom nome perante as autoridades das organizações superiores que podem promovê-lo a cargos de maior categoria. Cumprirá tudo que tende a favorecê-lo perante os outros. Noutras palavras, buscará o êxito em si, para seu próprio benefício.

Aquele que procura eficiência, encarará seu trabalho com uma lente diferente: como a missão de um ministro é servir, seu desejo será servir. Mas o fará desinteressadamente, sem velar por seu próprio beneficio; sua satisfação será ver o dever cumprido por amor ao próprio dever, e não por causa dos benefícios que lhe poderá trazer.

É interessante notar que, na obtenção do êxito, o caráter do indivíduo talvez não tenha muito valor, e seus talentos naturais ou cultivados serão suficientes. Na obtenção de eficiência, o caráter tem mais importância do que os talentos. No entanto, a maior influência que um ministro poderá exercer não se baseia em seus talentos, e, sim, em seu caráter e em sua personalidade, especialmente quando refletem o espírito de Cristo.

Se o seu sol se porá entre nuvens ou se continuará brilhando até o final dependerá não tanto do que tenha alcançado por meio de seus talentos, como do que obteve com base em seu caráter cristão. Quando este último não sobressai, provavelmente haverá êxito, mas não necessariamente eficiência. Quando os dois elementos se fundem num só, aparece um ministro que realmente é grande e que sempre será lembrado como um valor para a Igreja. Este pensamento é exposto de diversas formas nas Escrituras: João Batista disse com referência a Cristo: “Convém que Ele cresça e que eu diminua.” Paulo sentia prazer “nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias”. Considerava-se forte quando era débil (II Cor. 12:10). Confessava que ao ir à igreja de Corinto não ia atrás dos bens de seus membros, mas procurava a eles (V. 14). Quer dizer que não buscava seu próprio benefício. Além disso, a medida com que se media era original: “Porque não ousamos classificar-nos, ou comparar-nos com alguns que se louvam a si mesmos; mas eles, medindo-se consigo mesmos, e comparando-se consigo mesmos, revelam insensatez.’ II Cor. 10:12. E conclui dizendo: “Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva, e, sim, aquele a quem o Senhor louva.” V. 18.

Isso não equivale a passividade, desinteresse ou ausência de objetivo. Mas os objetivos não visam ao benefício pessoal, e, sim, à realização dos elevados interesses da obra em que se está empenhado.

Ao pregar um sermão, dois meses antes de ser assassinado, Martin Luther King falou à congregação de sua possível morte, e deu instruções acerca de seus funerais: queria que fossem breves, que não se mencionasse que era Prêmio Nobel nem se fizesse alusão aos mais de duzentos graus honoríficos que havia recebido. Desejava, porém, que se dissesse que dedicara a vida a uma causa que considerava justa, estando disposto a morrer para defendê-la.

Há uma diferença fundamental entre o artista de circo e o ministro. Um é uma estrela que brilha por si mesma; o outro é como a Lua que reflete a luz recebida do Sol. Eis o conselho bíblico: “E procuras tu grandezas? Não as procures. ” Jer. 45:5. O engrandecimento que procura é o de Cristo e da mensagem, não o seu próprio. Provavelmente o segundo virá como conseqüência do primeiro.

2ª. Seja autêntico. Um dos mais severos conflitos enfrentados por todo ministro é o de procurar apresentar uma imagem exterior diferente da realidade interior. Viver numa “guerra civil” desgasta e rouba as energias de que se necessita para ser um venerável patriarca.

Isso abrange duas áreas diferentes: sua vida interior e seu papel como ministro. As expectativas que a sociedade e a congregação têm do ministro, às vezes são irrealistas e sobre-humanas. As expectativas ideais que ele tem de si mesmo freqüentemente são mais elevadas do que a realidade atingível. Que fazer então? Há três alternativas: apresentar uma máscara exterior que esconda diferente realidade interior; apresentar-se exteriormente tal co-mo se é; buscar a elevação para o ideal.

Por certo, o ideal é a terceira alternativa. Não haverá, porém alguma lógica na segunda? Vejamos. O ministro não necessita apresentar-se diante da congregação e da sociedade como alguém que tudo sabe e tudo pode, mesmo sob a premissa de que é um homem de Deus. Ele ainda é um ser humano e, como tal, tem suas limitações. Um dia poderá pedir que um membro ore por ele. Isso não o rebaixará diante desse leigo, se demonstrar autenticidade. Pelo contrário, porá à sua disposição a tremenda força da oração intercessória da igreja em favor de seus ministros. Não pretenderá ser um super-homem, e, sim, um ser humano com limitações. Isto não significa que poderá permitir-se deslizes ou fraquezas “humanas”, e, sim, que não se deve aparentar algo que esteja acima das possibidades de um ser humano.

Lawrence Richards dá três razões para isso: 1ª. O ministro deve ser um exemplo, não de perfeição, mas de crescimento (ou perfeição de crescimento). 2ª O evangelho não significa “aceite a Cristo e seja perfeito”. Se assim fosse, não haveria necessidade de Cristo durante o resto de nossa vida. “Sem Mim, nada podeis fazer.” S. João 15:5. O ministro é um representante desse evangelho de permanente dependência de Cristo. 3ª O ministro deve ser um modelo com o qual os outros possam identificar-se. Não somente nossos pontos fortes edificam os outros e os ajudam a ver-se tal como são, mas também nossos pontos fracos (e todos os temos!).3

Nossa constante dependência da ajuda de Cristo será muito mais edificante que o uso de uma máscara de super-homem que não revela o íntimo de nosso ser.

Nosso poder, bem como o deles, está em Cristo.

Essa atitude também nos preparará para enfrentar o ocaso da vida. A máscara um dia cairá, revelando imperfeições. A hipocrisia mata e estagna, ao passo que a sinceridade e a autenticidade conduzem ao progresso e à paz.

Pode-se dizer a mesma coisa do papel profissional do ministro. Há tarefas que cada indivíduo pode realizar com mais eficiência e prazer que outras. No ministério há possibilidades para exercer todos os dons concedidos por Deus. Para ser feliz no ministério e cumprir uma tarefa divinamente bela, não é necessário uma posição hierárquica, e, sim, um espírito dedicado no lugar em que se está.

Todos esses ingredientes combinados preparam o ministro para o seu ocaso. Quem viveu plenamente o romance de sua vocação, viverá com amplas satisfações. Será sempre uma inspiração, chegando ao declinar de suas forças com o amor pela Causa intato e desfrutando o amor da Igreja em forma plena. Será amado e respeitado.

Ao visitar o cemitério onde está sepultada Naomi Boothby, a esposa de Robert Boothby, encontramos ao lado da lápide que assinala sua tumba, outra similar com o nome desse homem, a data de seu nascimento e um espaço em branco para registrar a data do fim de sua jornada. A morte não é uma ameaça para aquele que não viveu em vão.

Está você, irmão ministro, preparando-se para quando se puser o seu sol? sa

Bibliografia

  • 1. Harold R. Fray, The Pain and Joy of Ministry (Filadélfia: Pilgrim Press, 1972), pág. 121.
  • 2. Donald P. Smith, C. Lerey in the Cross Fire (Filadélfia: Westminster Press, 1973), págs. 54 e 55.
  • 3. Lawrence Richards, A Theology of Christian Education (Grand Rapids, Michigan: Zondervan Pub. House, 1975), pág. 142.