“Pastor Jon”, clamava a voz aflita de Karin, no outro lado da linha telefônica, “eu estou chamando do hospital. O diagnóstico de Devin acusou leucemia. Seu médico quer iniciar logo o processo de quimioterapia, de modo que ele permanecerá aqui algum tempo mais. Eu não disse a ele que lhe telefonaria, mas pensei que o senhor deveria ser informado. Não estou certa de que o senhor deva visitá-lo. Não quero assustá-lo. Eu…”

Jon interrompeu Karin para dizer que logo estaria no hospital. Devin não era apenas um membro da igreja, mas seu amigo. Ambos eram quarentões e tinham filhos adolescentes. Habitualmente um pastor calmo, Jon agora estava surpreso com a revolução de seus sentimentos. Ele realmente estava com a cabeça prestes a explodir, enquanto lutava consigo mesmo, tentando acalmar-se e concentrar-se.

Ali sentado, Jon deparou-se com um crescente sentimento de surpresa pelo fato de que ele, e não o pastor titular, tivesse sido chamado. Sim, era-lhe agradável que Karin e Devin pudessem contar com ele para cuidar das coisas. Levantou-se, e foi até à porta. Deveria assegurar-lhes e a si mesmo de que, de certa forma, finalmente tudo estaria bem com Devin. Tomaria sua Bíblia e a usaria para recuperar a fé e a confiança do casal. … Mas, será que tal aproximação real-mente ajudaria? O que diz você a alguém que acaba de saber que está com leucemia?

O diagnóstico de uma doença incurável sempre nos causa impacto. Sentimo-nos como se estivéssemos viajando num trem que subitamente se choca com algum obstáculo escondido pelo nevoeiro. O impacto é devastador para as pessoas mais diretamente envolvidas, mas também cria certa desorientação e estresse nos pastores.

Em nosso contato inicial com a família, é natural que aconteça uma certa explosão de adrenalina, mas com o passar dos dias, semanas e meses, necessitamos apoio, habilidade e força espiritual, para continuar pastoreando com poder, sensibilidade e carinho.

Como, então, podemos estar preparados para ministrar ao doente terminal?

Preparação pessoal

Prestar atenção ao nosso próprio viver pode parecer uma maneira estranha de começar, mas a qualidade de nosso ministério está diretamente proporcional ao cuidado responsável de nós mesmos. Podemos encontrar ajuda ao escrever nossa resposta pessoal a cada uma das seis questões seguintes:

* O que sei sobre como trabalhar com doentes terminais? Teoria e prática são fatores altamente necessários para ajudar-nos a aprender. Uma boa maneira de começar é tomar aulas sobre intervenção em crises, doença e morte. Certamente, uma das formas mais eficazes nesse sentido seria a realização de cursos de Educação Contínua sobre o assunto.

* Qual a minha visão a respeito de doenças graves? Se nós, ou qualquer pessoa em nossa família, alguma vez fomos acometidos de alguma enfermidade séria, estamos em condições de analisar como a doença afeta uma pessoa e nosso relacionamento com ela. Se, por outro lado, ainda não tivemos a oportunidade de ser uma testemunha, de primeira mão, da devastação causada por alguma doença, poderemos ficar surpresos diante das profundas mudanças que ela pode efetuar.

Ao contrário dos bem asseados enfermos das histórias de televisão, as pessoas na vida real podem tomar-se esqueléticas, perder o cabelo, sofrer mudança de personalidade, e até exalar odores desagradáveis. O devoto ancião de igreja pode passar a usar linguagem lasciva, conversação sem nexo, depois que algum golpe o faz entrar num processo de senilidade. A “mãe em Israel” pode perder seu vigor, beleza e perspicácia. O homem jovem, forte e fiel, pode tomar-se dúbio, queixoso e chorão. Em tais circunstâncias, somos chamados a ser visionários de Deus, que podem ver em tais pessoas filhos preciosos Seus, que agora encontram-se bafejados pelo sopro das intempéries da vida.

Uma outra visão que podemos carregar inconscientemente é que muitas enfermidades representam o desprazer de Deus. A palavra “golpe”, por exemplo, traz a implicação de que Deus tem abatido ou punido a pessoa enferma. Até poucas décadas, o câncer era uma doença quase indigna de qualquer menção, por causa de sua associação com a condenação de Deus. Mesmo hoje, assim como nos tempos bíblicos, certas doenças são consideradas uma prova da retribuição divina.

  • * Como reajo emocionalmente? A crise de saúde, vivida por outra pessoa, freqüentemente leva-nos a pensar em nossa saúde e eventual morte. O fim de uma pessoa de nosso nível social, econômico, etário e genérico é a situação que maior impacto emocional nos causa. Especialmente se essa pessoa nos faz lembrar alguma coisa com a qual nos relacionamos intimamente, quer no sentido positivo ou negativo. A compreensão de nossos sentimentos e sua expressão apropriada, nos deixam livres para apoiar os membros de nossas igrejas.
  • * Quais são os meus limites? Embora o ato de não “avaliar o custo” seja freqüentemente visto como parecendo uma coisa admirável, isso pode levar-nos a negligenciar outras partes da nossa vida. Jesus mesmo encorajou-nos a avaliar o custo de nossos compromissos. Avaliar o custo não nos livra de agir, mas reconhece nossos limites e ajuda-nos a decidir que tipo de ação vamos realizar.

Talvez estejamos no meio de uma grande programação da igreja quando estoura a crise. Talvez estejamos enfrentando uma crise pessoal, íntima. Se esse for o caso, podemos solicitar ajuda. Outras pessoas, com maior disponibilidade de tempo e energia, podem ser mais hábeis para ministrar em meio à crise.

  • * Que tipo de apoio eu tenho? Cuidar de nós mesmos, de tal maneira que possamos cuidar melhor de outros, é um fator inerente à injunção bíblica segundo a qual devemos amar ao próximo como a nós mesmos. Sempre estamos encontrando razões para negligenciar nossas próprias necessidades. Pelo fato de que a pessoa enferma tem grandes necessidades, podemos ser tentados a pensar que as nossas necessidades não são importantes. Alguns de nós, às vezes, podemos nos sentir até envaidecidos com o pensamento de que somos “os únicos que podemos ajudar realmente”. Então, abarcamos a situação, não permitindo que seja partilhada com outros. Ou então falhamos em buscar ajuda porque, como o servo de Elias, não podemos ver qualquer aprovação avaliável para nós. Todavia, a busca de sustentação pessoal fortalece nosso ministério, da mesma forma que o ato de colocar a máscara de oxigênio primeiro sobre nós, quando cai a pressão do ar num avião, nos habilita a prestar ajuda a outros.

Moisés teve êxito em abençoar Israel durante um momento de crise porque aceitou o apoio de Arão e Hur (Êxo. 17:8 a 16). Todos nós, algumas vezes, precisamos buscar alguém que possa sustentar as nossas mãos. Onde o encontraremos? Entre os colegas? Entre os membros da família? Ou entre amigos ou conselheiros? Nosso pedido de ajuda a eles pode ser simples como um convite para comer juntos, em determinado dia da semana, ocasião em que a conversa gira em tomo do assunto que nos preocupa. Ou uma ligação telefônica na qual se comenta o desempenho no trato da crise.

Reuniões regulares com um pequeno grupo são ocasiões propícias para desafogar nossos sentimentos, partilhar dificuldades, trocar idéias e aumentar as perspectivas.

Há ainda o sempre presente apoio de Deus. Podemos renovar essa presença santa em poucos momentos de oração silenciosa antes de entrarmos na casa ou no hospital. Podemos descansar em Sua segurança e expressar nosso pedido por sabedoria.

* Como minha igreja pode exercer este ministério? Nossas congregações podem tomar-se eficientes participantes em nosso ministério pastoral. Algumas dentre muitas maneiras pelas quais isso é possível, são as seguintes: 1) Os membros das igrejas que revelem tato especial em relação a outras pessoas, podem tomar-se ministros competentes junto ao enfermo e moribundo. Existem alguns programas de treinamento que têm se tomado uma bênção no engajamento de voluntários nesse trabalho.

2) Uma pessoa bem informada, ou uma pequena comissão, na congregação poderia trabalhar na criação e manutenção de um banco de informações que contenha os grupos locais de apoio, nomes e endereços de conselheiros que possam ser chamados em ocasiões de crise, além dos nomes e endereços de irmãos que estejam gravemente enfermos. 3) Outra maneira seria a formação de equipes de oração, preparo de alimentos, transporte, etc., que estejam sempre prontas quando necessário.

Guias para ação

O preparo pessoal e o apoio podem prover nossa presteza em ministrar àqueles que se encontram em crise. Mas, como podemos colocar isso em prática? Os seguintes princípios têm contribuído para o sucesso de meu trabalho com os doentes terminais:

  • 1. Seja alerta e sensível. Ao visitar uma pessoa cujo bem-estar depende de equipamento médico, nós podemos evitar uma série de problemas, tomando-nos cientes do seu território. Sentar na cama da pessoa, por exemplo, pode ser uma boa idéia, mas primeiramente deve ser checada a conveniência disso com ela. Um inesperado “acidente” poderia sujar parte da cama. Movimentos descuidados poderiam desconectar violentamente fios que conduzem soro ou tubos de oxigênio, ou outros equipamentos sob os lençóis. Uma colisão acidental poderia prejudicar alguma área frágil do corpo.

Existe ainda a questão sobre quanto tempo deveriamos permanecer no local. Ocasionalmente uma visita longa é extremamente importante para a pessoa visitada, mas em geral ela cansa o doente. Qualidade é a palavra. Usualmente, visitas curtas são o melhor método. Podemos criar uma visita de qualidade removendo nossos agasalhos e sentando-nos no nível dos olhos do enfermo. Depois de brevemente partilhar notícias da igreja ou expressar nosso interesse em seu bem-estar, podemos condicionar-nos a ouvir o que a pessoa deseja partilhar, se for o caso.

  • 2. Reconheça a vida. Quando aceitamos que somos todos moribundos, podemos estar mais conscientes daquilo que as pessoas terminais estão experimentando. Elas ainda se interessam por esportes, política, família e religião. Então vamos tratar o enfermo e sua doença da mesma maneira respeitosa com que sempre o tratamos, e não como alguém cuja vida já tivesse terminado.
  • 3. Ouça o enfermo. Algumas vezes, nós somos chamados para visitar o doente porque somos uma figura com autoridade, mas nossa eficiência será sempre melhor se agirmos como líderes servos. Em virtude de que mui-tos doentes terminais perdem muito do controle sobre sua própria vida, elas facilmente tendem a olhar-se com um sentimento de desamparo e impotência. Como líderes servos, nós crescemos em nossa própria autoridade pessoal ao ouvir suas idéias sobre como atender às suas necessidades. De certa forma, nós trocamos de lugar. Tornamo-nos uma “congregação de um” diante de nosso irmão doente, ouvindo atentamente, enquanto ele mesmo encontra maneiras de se fortalecer.

Então, aproveite para transmitir-lhe palavras de encorajamento em relação à continuidade de sua luta, indique-lhe passagens bíblicas como o Salmo 91, por exemplo. Peça-lhe que diga como gostaria de ser melhor ajudado.

  • 4. Contate a família. O doente terminal não sofre sozinho. Toda a sua família é afetada. Enquanto nós empregamos tempo com a família de alguém em estado moribundo, começamos a ver como cada membro se relaciona com os outros. Descobrimos quem na família aparece como porta-voz, ou o portador da última palavra quando uma decisão tem de ser tomada. Essas pessoas podem ser uma fonte valiosa de informações e ligação com o restante da família.

Alguns membros da família parecem desvalidos, lutando para expressar seus sentimentos, ou colocando-se à margem. Podemos apoiá-los, ouvindo o que têm a dizer e mostrando compreensão para com a sua dor e reconhecendo seus esforços. As crianças estão freqüentemente no último lugar do grupo. Mas podemos encorajar os adultos no sentido de confiar às crianças a escolha do seu próprio grau de envolvimento e não protegê-las automaticamente.

Quando uma pessoa está em fase terminal de uma doença, a família não raro começa a afligir-se muito tempo antes de a morte acontecer. Nosso dever é facilitar esse processo pela aceitação de sua mágoa. Se o marido nos diz, por exemplo: “Não posso compreender como uma coisa dessa aconteceu com ela, pastor”, não estaremos ajudando se retrucarmos: “Ora, irmão, você precisa ter fé.” O consolo somente é sentido realmente, quando mostramos a compreensão dos sentimentos do outro, dizendo-lhe algo como, “eu compreendo como isso deve ser muito cruel para você”.

Também ajudamos aos membros da família em luta, perguntando-lhes que outras crises eles enfrentaram e o que fizeram diante delas. Relembrando a maneira como eles lutaram antes, reajustamos a engrenagem de ação e lutamos no presente. Levando em conta que os membros da família literalmente se esquecem de cuidar de si mesmos, às vezes, podemos encorajar suas próprias idéias de ajuda pessoal, como planejar um dia a ser passado fora, por exemplo.

  • 5. Comunique honesta e diretamente. Que deveriamos nós fazer se a família nos diz que “a vovó não sabe que tem um câncer, e nós não queremos dizer-lhe isso”? Uma resposta possível é deixar a família saber que enquanto não for anunciado à vovó seu diagnóstico, também não lhe poderá ser contada uma história falsa quando ela fizer uma pergunta direta a respeito do assunto.

Deveria um pastor falar ao moribundo sobre seu estado? Isso pode ser extremamente duro – e foi a razão pela qual Jon planejou assegurar a Devin de que tudo poderia final-mente dar certo. Na verdade, nem sempre é necessário assumir essa parte. Mas se a pessoa doente expressa sentimentos de agonia, angústia e inquietação, nossa capacidade de ouvir pode produzir conforto e alívio.

Seria normal um pastor chorar por causa do estado sem esperança de um membro de sua igreja? Estar feliz sempre traz uma contribuição positiva, mas às vezes acontece um curto-circuito de tristeza que é natural e apropriado. Lágrimas também podem abençoar. Lágrimas excessivas, por outro lado, podem se tomar um embaraço. Especialmente quando nos tomamos tão emotivos que outras pessoas sentem que devem cuidar de nós.

Que dizer a respeito de pessoas cujo estado é tão crítico que se encontram inconscientes? Quando isso ocorre, e o doente já não responde de nenhuma forma, podemos falar a outros a respeito dele, em sua presença. É importante lembrar que um doente terminal pode nos ou-vir, mesmo que não possa responder. Assim, não podemos descartá-lo, mas continuar falando também a ele diretamente.

  • 6. Trate das emoções. Quando abrimos os ouvidos para as expressões emotivas, nós ajudamos o moribundo a jogar fora seus trapos interiores, antes de morrer. Nosso ouvido imparcial pode ajudá-lo a expressar emoções tais como ira, dúvida, medo, tristeza ou culpa. Emoções incompreendidas ou negadas perdem-se por si mesmas. Elas não voltam de novo.

Sentimentos de culpa, no entanto, requerem um tratamento especial. Se tivermos um relacionamento de confiança com o doente, estaremos abertos para alguém com quem ele partilha tais sentimentos. Nem toda culpa é lógica, mas toda culpa pode e deve ser respeitada. Através de paciência e um ouvido imparcial, podemos oferecer a segurança do perdão e da graça de Deus. A culpa é um visitante persistente. Embora banido num dia, pode reaparecer no outro.

  • 7. Ofereça os recursos religiosos gentilmente. A maneira como nós usamos as Escrituras e a oração pode ajudar ou atropelar mais ainda as necessidades de uma pessoa. Não é necessário forçar um texto numa conversação, dizendo alguma coisa como “o que você necessita é ler…”. Melhor é perguntar? “Gostaria de que eu lesse a Escritura enquanto estou aqui?” Então, devemos respeitar qualquer resposta negativa ou obscura. Na maioria dos casos ela vem afirmativamente. Nesse caso, é positivo oferecer-lhe a oportunidade de ouvir um texto predileto. Se não houver nenhuma manifestação nesse sentido, devemos estar preparados para partilhar uma porção escriturística que nos tem abençoado em tempos difíceis.

A oração também pode ser mais efetiva quando oferecida e não imposta. Algumas vezes, a melhor oração é aquela que fazemos antes da visita. A oração efetiva, que traz reais benefícios, é aquela que brota naturalmente da conversação, aquela que reflete as preocupações e mesmo as palavras do enfermo.

Tal como a leitura da Escritura, a oração é mais bem-vinda quando é fruto da permissão clara do doente. A maioria dos enfermos, no entanto, aceita nossas orações. Aqui também é válido pedir-lhe que expresse alguma razão específica pela qual deseja que oremos. Geralmente, entre lágrimas, alguns solicitam orações pelo bem-estar dos filhos após sua morte, ou em favor da recuperação da saúde, mesmo que isso signifique a realização de um milagre, conversão de familiares, amigos ou colegas de trabalho.

Há outros recursos religiosos que podem ser oferecidos: unção, Santa Ceia, ou qualquer outro símbolo de significado espiritual concreto.

  • 8. Exalte a Deus. Algumas vezes, o simples gesto de sentar-se quietamente com o doente e sua família é nosso melhor trabalho ministerial. A implementação de métodos corretos de visitação não pode substituir uma presença genuinamente cuidadosa. Estar ali, ou estar com, é simplesmente tudo o que é necessário, muitas vezes. Este é o pano de fundo de nosso ministério em favor dos doentes terminais: Viver nas promessas de Deus.

Pagando o preço

Se estamos correndo para atender aos enfermos, a fim de sermos tratados posteriormente como heróis, para recebermos apreciação e louvor, certamente falharemos. Mas quando temos feito os arranjos apropriados no sentido de cuidar, primeiramente, de nós mesmos, e entrar com sensibilidade, sabedoria, e compromisso na vida daqueles que receberam o diagnóstico acusando uma doença incurável, estaremos abertos a um ministério efetivo e de êxito.