Que base escriturística e histórica possuem os adventistas do sétimo dia para ensinar (1) que os 2.300 dias (“tardes e manhãs”) de Daniel 8:14 simbolizam anos; (2) que a ponta pequena que surgiu de um dos quatro chifres do bode (verso 9) representa Roma; e (3) que o santuário dos versos 11-14, que devia ser espezinhado e então “purificado,” ou “justificado,” é o santuário celestial? Não sois pràticamente os únicos a sustentar semelhante conceito?

Como tôdas estas perguntas dizem respeito à visão de Daniel 8, será conveniente examinar o capítulo inteiro, a fim de estabelecer a base para nossa posição sôbre estes pontos correlatos.

1. Análise de Daniel 8. – Daniel apresenta aí um relato consecutivo do simbolismo profético dramàticamente retratado diante dêle, em visão. Juntamente com êste fato, porém, cumpre ter em mente que êste capítulo corresponde à visão da imagem metálica de quatro divisões, do capítulo 2, simbolizando quatro impérios mundiais, e aos quatro animais-reinos de Daniel 7, que também representam Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. A principal diferença é que a visão do capítulo 8 começa com a Medo-Pérsia.

Daniel vê primeiro um carneiro com dois chifres. Êste é explicitamente identificado pelo anjo interpretador como a Medo-Pérsia, sendo a Pérsia predominante (comparar os versos 3, 4 e 20). Êle dava marradas, ou investia, para o Ocidente, para o Norte e para o Sul, aumentando em poder e efetuando sua própria vontade.

Em seguida, um “bode peludo” surgiu do Ocidente, com espantosa rapidez. Isto representava a Grécia e a Macedônia (comparar os versos 5 a 21), sendo o bode o emblema nacional da Grécia, assim como o carneiro era o emblema identificador da Medo-Pérsia. O chifre “notável” do bode grego simbolizava êste reino sob Alexandre o Grande (versos 5 e 21), cujo domínio se estendia da Grécia e Macedônia à parte noroeste da Índia, e do Egito até além do Mar Cáspio — o maior império que o mundo já conhecera. Não pode haver dúvidas quanto à identificação, visto que é dada por inspiração.

Então em 323 A. C., no auge do poder, Alexandre faleceu. A princípio os generais dirigentes procuraram organizar o vasto território sob regências no nome do meio-irmão de Alexandre, de mentalidade débil, e do filho póstumo de Alexandre. Mas após duas décadas de intermitentes lutas armadas entre rivais, os dois mais fortes arrematadores do poder central foram decisivamente derrotados por uma coligação de quatro que dividiram o império em quatro reinos. Estas divisões (três das quais sobreviveram como as monarquias de Macedônia, Egito e Síria, até serem destituídas pelos romanos) cumpriram notàvelmente as especificações proféticas de quatro chifres em direção aos quatro pontos cardeais — Ptolomeu apoderou-se do Egito, da Palestina e de parte da Síria, em direção ao Sul; Cassandro dominou a Macedônia e a Grécia, no Ocidente; Lisímaco exerceu a supremacia na Trácia e porções da Ásia Menor, ao Norte; e Seleuco governou da Babilônia e Assíria para o Oriente. Ver Cambridge Ancient History(1928-38), Vol. 6, págs. 462, 483, 492, 498, 499 e 502.

Depois apareceu um chifre, proveniente de um dêles, e diferente dos quatro chifres anteriores do bode — um que embora insignificante no comêço, tornou-se “muito forte.” Foi visto dirigir-se com ímpeto para o Sul (apoderando-se do Egito), para o Leste (absorvendo a Síria) e assenhoreando-se da Palestina, a “terra formosa” (verso 9). Assumiu proporções estupendas. E em harmonia com numerosas autoridades contemporâneas e do passado, cremos que isto simbolizava Roma. A forma pagã e mais tarde a forma papal de Roma são evidentemente abrangidas por êsse único símbolo.

Isto é confirmado pelo fato de que o capítulo 8 assemelha-se às visões dos capítulos 2 e 7 — Daniel 2 apresentando o aspecto civil, e Daniel 7 introduzindo o aspecto religioso. Em cada uma destas representações, os três primeiros poderes mundiais — Babilônia, Medo-Pérsia e Grécia — foram literal e historicamente seguidos pelo Império Romano em suas formas pagã e papal. O Ocidente tornou-se agora a sede do império, com a Itália ocupando o lugar central. Por conseguinte, afirmamos que esta ponta ou chifre refere-se à grandeza e poder de Roma.

2. Incluídos os santuários terrestre e celestial. — Devido às notáveis semelhanças entre as profecias de Daniel 2, 7 e 8, e em razão da inevitável analogia e continuidade histórica entre o Império e a Igreja Romana, os adventistas crêem que a “ponta pequena” de Daniel 8:9 representa tanto a Roma pagã como a Roma papal.

Destarte, as atividades atribuídas a esta “ponta pequena” em Daniel 8:10-13 e 23-25; 11: 31; e 12:11, devem ser interpretadas como abrangendo tanto a Roma pagã como papal, em seu escopo.

Visto que os 2.300 “dias,” interpretados como anos (ver a seção 6), estendem-se bem além do tempo do santuário terrestre, acreditamos referirem-se ao “maior e mais perfeito” santuário celestial, do qual o terrestre era uma “figura,” descrito em Hebreus 8 e 9. Cremos também que a palavra hebraica tamid, o “contínuo” no livro de Daniel (caps. 8:11-13 e 11: 31), assinala os serviços diários, ou contínuos, do “santuário,” porquanto o vocábulo tamid aparece em conexão com o santuário. Achamos, portanto, que o “santuário” de Daniel 8:11-14 deve abranger tanto o santuário terrestre como o celestial. Semelhantemente, o “contínuo” deve representar os serviços diários, regulares, ou “contínuos,” de ambos os santuários. De modo análogo, a “transgressão assoladora” certamente representa as atividades tanto de Roma pagã como papal, que tornam êsses serviços inoperantes ou ineficazes. Assim sendo, a pergunta “Até quando?” (do verso 13), e a resposta “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs” (no verso 14), òbviamente inclui ambos. E por igualdade de raciocínio, o “exército” deve incluir tanto judeus como cristãos, durante as partes respectivas dos 2.300 dias proféticos, em que cada santuário está em funcionamento.

3. Dupla remoção do contínuo. — É evidente que as atividades de Roma pagã relacionavam-se primordialmente com o santuário terrestre, ou Templo judaico, ao passo que as de Roma papal devem dizer respeito ao santuário celestial. O próprio Cristo aplica a “abominação desoladora,” de Daniel 11:31, à devastação do Templo terrestre pelos exércitos romanos, em 70 A. D. (S. Mat. 24:1-3 e 15-20; S. Luc. 21:20). Mas Daniel 11:31 é deveras semelhante a Daniel 8:11 e 13, pois ambas essas passagens referem-se ao santuário e sua desolação, e ao “contínuo,” bem como à sua remoção. Dêste modo, Cristo em parte aplica Daniel 8:13 e 14 ao Templo em Jerusalém.

Por conseguinte, cremos, em primeiro lugar, que a remoção do “contínuo” por Roma pagã representa a desolação do Templo em 70 A. D., com a cessação permanente de seus serviços (ver Dan. 8:11 e 13; 11:31; comparar com S. Mat. 24:1-3 e 15-30; S. Luc. 21:20); e em segundo lugar, que a remoção do “contínuo” por Roma papal representa a introdução de inovações papais, como o sacerdócio mediador, o sacrifício da missa, o confessionário e a adoração de Maria, pelas quais ela com êxito afastou o conhecimento do contínuo ministério de Cristo no santuário celestial, e a confiança nêle, tornando também ineficaz êsse ministério na vida de milhões de cristãos professos. (Ver Heb. 7:25; 8:1-5; 9:24; etc.)

4. Roma cumpre outras especificações. — Esta aplicação da ponta “muito forte” a Roma é confirmada ainda mais pelo fato de que Roma cumpriu exatamente as outras especificações de Daniel 8. Por exemplo, Roma “pisou” sôbre o povo de Deus (Dan. 8:10), perseguindo-o implacàvelmente através dos séculos — nos tempos pagãos através de tiranos, como Nero, Domiciano e Dioclesiano; e realmente de modo bem trágico sob a sucessiva fase papal. Além disso, Roma pagã levantou-se contra o Príncipe dos príncipes (verso 25), que cremos ser Cristo (comparar com Atos 3:15 e Apoc. 1:5), pois foi um governador romano que condenou Jesus, e soldados romanos que O crucificaram e Lhe traspassaram o lado e colocaram um sêlo romano sôbre Seu sepulcro.

Ademais, Roma em sua forma papal calcou a pés e profanou as provisões do santuário de Deus no Céu, removendo o conhecimento e a dependência do “contínuo” ministério de Cristo, como Sumo sacerdote no santuário celestial (Heb. 7:25; I S. João 2:1). Ela tem invalidado a confiança no verdadeiro sacrifício expiatório de Cristo no Calvário, feito de uma vez para sempre e de modo todo-suficiente, repetindo os sacrifícios diários da missa em milhares de altares terrestres. Dêste modo ela obscureceu e mutilou o verdadeiro culto a Deus, substituindo a voluntária e genuína unidade de todos os crentes em Cristo — Seu corpo místico ou igreja — pela autoridade compulsória e unidade forçada de uma igreja visível. E ela impôs a autoridade do papa visível em lugar de Cristo, que guia e dirige Sua igreja pelo próprio substituto ou representante que designou, o Espírito Santo (S. João 14:16 e 17; 16:7 e 13).

Além disso, como já foi indicado, o Papado interpôs a barreira de um sacerdócio humano entre o adorador e Cristo, em vez do acesso direto de todos ao nosso grande Sumo sacerdote. Instituiu e estabeleceu também um sistema de salvação pelas obras humanas em lugar da salvação exclusivamente pela fé em Jesus Cristo, substituindo a confissão dos pecados diretamente a Cristo em Seu santuário no Céu, por um confessionário terrestre.

Desta maneira as verdades concernentes às maravilhosas provisões de redenção, centralizadas na cruz e tornadas eficazes mediante o ministério de nosso Senhor no santuário celestial, foram “lançadas por terra” ao acumular o Papado a verdade de tradições e obscurecê-la pela deturpação, introduzindo um sistema que privou a humanidade dos benefícios diretos do sacrifício expiatório e do ministério sacerdotal de Cristo. “Fêz isso, e prosperou.” — em seus afastamentos e enganos, em seus projetos corruptos e aumento de poder.

5. “Tarde e manhã” — um dia completo. — Em sentido original e literal, a expressão “tarde e manhã” evidentemente designava um dia de 24 horas, pois de acôrdo com a contagem bíblica, cada dia de 24 horas começa ao pôr do Sol e termina no pôr do Sol seguinte (Gênesis 1). Assim a parte escura do dia, chamada “tarde,” sempre precede a parte luminosa do dia, chamada “manhã.” E o próprio fato de que em Daniel 8:14 a palavra “tarde” precede o vocábulo “manhã,” essencialmente indica a mesma seqüência de noite e dia, e portanto um dia completo de 24 horas, não metade de um dia, como alguns calculam (fazendo assim os 2.300 dias valer 1.150 dias).

Se, então, as 2.300 tardes e manhãs significam 2.300 dias, êste período — caso seja computado como tempo simbólico nesta profecia simbólica — equivalería a 2.300 anos literais. — Questions on Doctrine, págs. 252 a 259.