13. Judeus e gentios no reino. – Embora afirmemos que o reino pertence à igreja cristã, com isto não negamos o reino aos judeus. Os herdeiros da promessa abraâmica do reino abrangem tôda a descendência espiritual — todos os que são de Cristo, todos os que são salvos pelo sangue do concêrto eterno — tanto judeus como gentios. Assim sendo, qualquer judeu que crer no Messias pode participar do reino milenial dos santos, bem como do reino eterno de Cristo. Tão sòmente por ser judeu, nenhum indivíduo dessa raça pode aspirar a um reino terrestre, nacional e milenial, baseado nas profecias do reino, feitas no Velho Testamento.

14. A questão do estado israelita. — Desejamos salientar aqui que o fato de os adventistas do sétimo dia rejeitarem a crença amplamente defendida, de um futuro reino judaico divinamente prometido, não justifica a acusação de “anti-semitismo,” ou de cegueira ante a realidade política do nôvo Estado judaico de Israel. Nossa interpretação profética não faz supor nenhuma destas coisas. Segundo já foi demonstrado, cremos que de acôrdo com as Escrituras os antigos judeus foram privados do reino e de sua condição especial como povo escolhido de Deus (ver S. Mat. 21:43; comparar com Jer. 18:6-10). Todavia, baseados nas Escrituras, também cremos que os judeus ocupam posição idêntica à de todos os outros sêres humanos, tendo os mesmos direitos aos benefícios do evangelho da salvação (Rom. 10:12 e 13). Por conseguinte, convidamos a todos, tanto judeus como gentios, a se prepararem conosco para o encontro com o Rei vindouro. É deveras lamentável que até agora relativamente poucos judeus aceitaram a dádiva da salvação por meio de Cristo. Nosso sincero desejo e oração é que muitos mais o façam nestes últimos dias. Causar-nos-ia grande júbilo se todos os judeus existentes aceitassem a Cristo e tivessem assim uma parte no reino prometido, juntamente com os salvos de tôdas as nações.

A existência do moderno Estado de Israel não demonstra que os judeus, como nação, ainda cumprirão as profecias do reino na Palestina, assim como o domínio britânico sôbre êsse país não confirmava a veracidade da interpretação anglo-israelita, a qual alega que os anglo-saxões e povos afins constituem o “verdadeiro Israel,” sendo portanto herdeiros do reino divinamente prometido. E nossa rejeição de ambas essas pretensões não nos faz ser antijudeus ou antibritànicos. Não somos oponentes de qualquer raça ou povo sôbre a Terra. Contudo, cremos que o Estado de Israel não pode reivindicar a posse da Palestina baseado nas promessas bíblicas. A questão de meras pretensões territoriais deve ser determinada pelo direito internacional. Não há razão justificável para misturarmos nossa interpretação profética com semelhante problema político-internacional. Cumpre-nos apresentar a mensagem de Cristo e estender a simpatia e a justiça cristã a todos, imparcialmente. Não devemos permitir que nossa teologia interfira nos direitos dos judeus ou dos cristãos, dos maometanos ou dos pagãos.

Os adventistas do sétimo dia crêem que a missão da igreja cristã é transmitir o “evangelho eterno … a cada nação, e tribo, e língua e povo,” bem como apresentar-lhes o elevado privilégio de fazer parte do reino de Deus.

15. Profecias que afetam a era cristã. — Visto sustentarmos, baseados no Nôvo Testamento, que a igreja é a herdeira do nôvo concêrto e do reino (o que, aliás, tem sido a crença constante da igreja através dos séculos, até os tempos atuais), vemos a continuidade do concêrto, das promessas e profecias na Era Cristã. (No mais, “Nôvo Testamento” significa simplesmente “nôvo concêrto.”) Jesus dirigiu-Se “primeiro aos judeus,” e caso O houvessem aceito, Êle indubitàvelmente teria tornado tôda a nação judaica o núcleo de Seu reino, é não apenas um pequeno número de discípulos. Tal fato, porém, não leva forçosamente à conclusão de que o Sermão da Montanha, a profecia de S. Mateus 24 e a maior parte do; ensinos de Jesus foram dirigidos mais à nação judaica do que à igreja cristã, da qual Êle é a pedra angular. Aceitamos o Nôvo Testamento como um todo harmonioso, em que os Evangelhos, as Epístolas e o Apocalipse são dedicados à igreja cristã, na qual tanto os judeus como os gentios são um.

O nôvo concêrto, primeiramente oferecido pelos profetas da antiguidade em conexão com as promessas do reino, foi mediado por Cristo (Heb. 9:15), ratificado por Seu sangue (Heb. 13:20), tipificado na Ceia do Senhor (S. Luc. 22:16) e reiterado em várias Epístolas. Assim se tornou êle uma realidade na igreja, e o reino do nôvo concêrto existe agora em sua primeira etapa, que comumente é chamada “reino da graça,” até tornar-se, por ocasião do segundo advento, o visível “reino de glória,” que se prolongará depois do milênio como o reino eterno estabelecido sôbre a nova Terra.

Visto distinguirmos uma continuidade no concêrto, na promessa e na profecia, não consideramos a Era Cristã como dispensação intermediária entre as dispensações judaicas do passado e do futuro, ou como interrupção na profecia. Esperamos, portanto, cumprimentos proféticos na época presente; e por causa disto, somos corretamente classificados de historicistas na interpretação profética.

16. A consumação da profecia. — Implicações ainda mais fortes para o ponto de vista contínuo da profecia, são encontradas nos ensinos de Jesus. Êle mencionou eventos a Seus seguidores antes de acontecerem, para que quando ocorressem, Seu povo pudesse crer (S. João 13:19). Ao ser interrogado acêrca da destruição do Templo, e do fim do mundo ou dos séculos (S. Mat. 24:3), Jesus falou a Seus discípulos sôbre o princípio das dores — os falsos cristos, as guerras e calamidades — chegando a equiparar a “abominação da desolação” predita por Daniel, com o cêrco de Jerusalém por exércitos, como sinal de que êles deviam fugir para pôr-se em segurança (S. Mat. 24:15 e 16; comparar com S. Luc. 21:20 e 21). Atendendo a esta advertência (S. Mat. 24:16-18), os cristãos primitivos escaparam, salvando a vida por meio de uma fuga anterior à destruição de Jerusalém, em 70 A. D. Recomendou que Seus discípulos estivessem atentos aos sinais da proximidade de Sua vinda. Tudo isto indica que Jesus esperava estivessem êles constantemente vigilantes sôbre o cumprimento da profecia através da Era Cristã. Isto está em direta oposição ao conceito de que não devia haver cumprimentos antes do alegado arrebatamento e remoção da igreja, para fora da Terra.

Além disso, achamos que as profecias de Daniel 2 e 7, que delineiam os reinos sucessivos, estão em contínuo processo de cumprimento na História, a começar com o tempo da Neobabilônia. De modo análogo, as setenta semanas de anos (Daniel 9) atingem seu pono culminante no tempo de Cristo, o Messias. Ademais, verificamos que os apóstolos aplicavam à igreja cristã de seu tempo, certas profecias do Velho Testamento. Portanto, já que não encontramos razão para separar da Era Cristã as profecias do reino, as profecias gerais e os ensinos de Cristo e dos apóstolos, procuramos e descobrimos cumprimentos históricos através dos séculos. Em outras palavras, somos historicistas pré-milenialistas.

III. Ilações das Profecias do Reino

Nesta seção, ver-se-á que a interpretação das profecias do reino provê a chave não sòmente para as diferenças entre os diversos pontos de vista sôbre o milênio, mas também a outros fatôres que aparentemente não têm conexão entre si.

1. O parecer da igreja sôbre o reino. — Notemos em primeiro lugar as conseqüências da premissa que geralmente tem sido mantida na igreja cristã através dos séculos, a saber, que quando os judeus rejeitaram a Cristo, foram rejeitados como nação, e que desde então o verdadeiro povo escolhido do concêrto e da promessa — os santos, a “nação santa” — é a igreja, constituída de todos os genuínos cristãos, tanto judeus como gentios. (Ver Atos 15:13-18; I S. Ped. 2:9.)

Aquêles que defendem a veracidade desta premissa, para ser coerentes, também devem defender os dez corolários seguintes:

  • (1) Os “santos” perseguidos pelo anticristo não são a raça judaica, mas os cristãos, tanto judeus como gentios. Destarte, o anticristo deve aparecer durante a Era Cristã, ou “época da igreja,” e não depois.
  • (2) A igreja cristã está presente na Terra durante a tribulação imposta pelo anticristo; portanto não pode haver um “arrebatamento” dos santos antes da tribulação.
  • (3) Não há um período futuro destinado à nação judaica como povo escolhido de Deus; assim o cumprimento da setuagésima semana não pode ser um período judaico ainda futuro, assinalado pela terminação dos sacrifícios do Templo restaurado; por conseguinte, ela deve ter-se cumprido no passado, de maneira mais apropriada na morte de Cristo. Ver a Pergunta 26.
  • (4) O futuro reino sôbre a Terra não pode pertencer sòmente ao povo judeu, mas aos santos cristãos, tanto judeus como gentios, o verdadeiro povo escolhido; assim, o atual retorno dos judeus à Palestina não constitui um presságio do reino predito.
  • (5) O cumprimento das profecias do Velho Testamento acêrca do reino não deve ser aguardado de maneira exata e literal, em todos os seus pormenores, na igreja cristã ou Israel espiritual, como teria sucedido com os judeus dos tempos antigos, caso não houvessem perdido sua posição especial.
  • (6) A era da igreja não pode ser considerada meramente como “solução de continuidade” entra duas épocas judaicas — um período em que “o relógio profético deixou de tiquetaquear”; portanto, continuamente podem ser aguardados cumprimentos proféticos através de toda a história cristã.
  • (7) Os cumprimentos simbolizados pela “ponta pequena” do quarto animal mencionado por Daniel, têm de ser procurados dentro da Era Cristã, e não depois de longa interrupção na profecia; destarte não há razão para prolongado intervalo entre o império romano e o surgimento da ponta pequena.
  • (8) O cumprimento da “apostasia,” e de assentar-se o “homem do pecado” no “templo de Deus” (II Tess. 2:3 e 4), não pode ser relacionado corretamente com o Templo judaico; por êste motivo, deve referir-se à igreja cristã. Conseqüentemente, aplica-se à apostasia na igreja cristã e ao anticristo que se levantaria na igreja.
  • (9) Os ensinos de Jesus referentes ao “reino,” bem como os das outras partes do Nôvo Testamento, dizem respeito à igreja, não aos judeus (S. Mat. 5-7; 24; etc.)
  • (10) A igreja é a herdeira do nôvo concêrto, sob o qual a lei de Deus deve ser escrita no coração, pelo Espírito Santo. Não a lei nacional e cerimonial dos judeus, que expirou na cruz; mas sim a lei moral, que, segundo declara a Confissão de Westminster, está “sucintamente contida nos Dez Mandamentos.”

2. Explicação do conceito adventista. — Esta apresentação revela as diferenças fundamentais entre o conceito histórico e pré-milenialista dos adventistas do sétimo dia, e o dos amilenialistas, pós-milenialistas e pré-milenialistas futuristas. Ver-se-á que a chave da questão está na própria idéia que se tem da interpretação profética, princípalmente na maneira de encarar as chamadas profecias do reino.

Discordamos do conceito dos pós-milenialistas e amilenialistas, de que a profecia — como é aplicada às profecias do reino e ao milênio — é inteiramente figurada. Semelhante interpretação despoja as predições de seu significado específico. Divergimos igualmente da opinião futurista, que parece insinuar que há irrevogável determinação na profecia, excluindo ou pelo menos reduzindo ao mínimo qualquer profecia condicional, e reclamando rigoroso cumprimento para o Israel literal, no futuro, se não no passado. Esta idéia constitui a base do futurismo, pré-tribulacionismo e dispensacionalismo. Os adventistas do sétimo dia têm pouca coisa em comum com os pós-milenialistas, mas se encontram entre os amilenialistas e os futuristas, concordando parcialmente com ambos.

Os adventistas, embora às vêzes acusados de não estabelecer correta distinção entre os judeus e a igreja, procuram evitar os dois extremos da interpretação excessivamente figurada e da que é demasiado literal, por meio de um ponto de vista que achamos basear-se numa “correta distinção” entre as diversas espécies de profecia. Apegando-nos à “segura palavra profética,” rejeitamos a definição “fatalista” e o conceito literalista da predição em geral. Descobrimos nas Escrituras que algumas mensagens proféticas — como as profecias do reino — dadas originalmente sob um aspecto local e mais imediato, podem cumprir-se apenas parcial mente ou não cumprir-se de maneira alguma em seu contexto inicial, cumprindo-se todavia num tempo remoto, sob circunstâncias diferentes e de maneira diversa. Em especial, as profecias do reino, referentes a Israel, pertencem a uma categoria separada das outras predições fatalistas ou de presciência, pois dependiam das ações humanas. Havia alternativas de bênção ou castigo para Israel. Como os judeus perderam o direito à bênção, receberam a outra alternativa, encontrando-se hoje espalhados entre as nações.

Em contraposição aos amilenialistas, os adventistas não tornam as recompensas para Israel figuradas, e literais as punições. Da mesma maneira que os futuristas, sustentamos que as promessas feitas a Israel eram tão literais como as advertências. Tôdas as promessas ter-se-iam cumprido literalmente, se pela desobediência os judeus não houvessem sido privados delas. Contudo, cumprir-se-ão finalmente em princípio no verdadeiro Israel, pois o fracasso do Israel antigo como nação não pôde invalidar os propósitos de Deus. Em lugar dos “ramos” judaicos que foram cortados, foram enxertados os conversos gentios, juntamente com os ramos naturais que aceitaram o Messias (Rom. 11: 24). Assim os filhos espirituais de Abraão, tanto judeus como gentios, se tornaram “herdeiros segundo a promessa” (Gál. 3:29). Não nos sentimos autorizados a fazer aplicações figuradas; devemos limitar essas aplicações às que nos foram dadas por inspiração. Onde as profecias do Velho Testamento são explicadas no Nôvo, certamente temos o direito de fazer a aplicação, pois ali encontramos o cumprimento definitivo das profecias do reino.

Segundo a opinião geral, os adventistas do sétimo dia escrevem e pregam menos sôbre as profecias do reino do que sobre as profecias gerais de Daniel e Apocalipse, e com muita razão. As últimas apresentam muitas predições específicas e minuciosas que achamos serem vistas cumprir-se na História, ou estar em processo de cumprimento nos nossos dias. Os cumprimentos passados fortalecem a fé na inspiração divina da Palavra. E os cumprimentos que se desdobram diante de nossos olhos são necessários para nos defender contra os enganos e as provações dos últimos dias.

O ensino de que os judeus como nação não constituem mais o povo escolhido de Deus, e que a igreja cristã é agora a herdeira das promessas, a nosso ver é sólida doutrina escriturística, boa teologia e interpretação histórico-protestante, bem como ensinamento-padrão dos adventistas.

Achamos ser menos proveitoso apresentar ao homem comum as profecias do reino com tôdas as suas múltiplas incertezas, do que apresentar a Cristo e Êle crucificado, e advertir o pecador contra os enganos fatais dêstes últimos dias.

A pregação da profecia tem o único objetivo de enaltecer a Cristo, que é o Centro de tôda a profecia, e sob a influência do Espírito de Deus preparar pessoas para Sua gloriosa vinda como Rei dos reis e Senhor dos senhores. — Questions on Doctrine, págs. 234-243