As promessas da restauração estavam relacionadas com a volta do exílio. Até que ponto se cumpriram estas predições, após o cativeiro babilônico? Ciro concedeu o privilégio do regresso a “todo o seu povo” (Esdras 1:3), o que também incluía todos os adoradores de Jeová entre as tribos do Norte. E sob êsse decreto e os posteriores, vários grupos de exilados voltaram. Reconstruíram o Templo e reorganizaram a nação judaica em conformidade com sua própria lei (Esdras 6:14 e 15; 7:11-26) — sujeita à Pérsia, naturalmente. Mas os livros de Esdras, Neemias, Ageu, Zacarias e Malaquias mostram como êles não atingiram o objetivo da restauração apresentada sob o nôvo concêrto.

Em vez de levá-los a buscar o Espírito de Deus, seu zêlo pela lei redundou em legalismo e exclusividade. A promessa do retorno cumpriu-se; mas êsse retôrno foi restrito. Mesmo o Templo que êles construíram era apenas um edifício modesto em comparação com o que existira antes. O glorioso reino não se realizou na condição semi-independente sob o Império Persa e sob o domínio macedônico, nem no breve intervalo de independência sob os governadores macabeus. Finalmente veio a sujeição a Roma.

Melhor ficaria se o dicionarista se limitasse exclusivamente ao significado básico dos verbêtes hebraicos, sem deformá-los às vêzes com interpretações nefelibatas.

Êstes senões, no entanto, não desmerecem o valor da obra no seu sentido lexicográfico, e será muito valiosa para os estudiosos do Sephat ebêr.

9. O reino do messias é oferecido e rejeitado. — Então chegou o Messias. O Carpinteiro de Nazaré começou a pregar: “O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo.” S. Mar. 1:15. O que Jesus oferecia era a bênção do nôvo concêrto, do coração renovado em que habitasse o Espírito. Isto, porém, parecia um desapontamento para os judeus. Durante tanto tempo haviam pôsto o coração nos aspectos materiais das profecias do reino, que olvidaram o espiritual. Desejavam independência de Roma — até vingança — mas não queriam que a lei do amor lhes fôsse escrita no coração. Almejavam conquistar os gentios, porém não se interessavam em ser uma fonte de bênção para tôdas as nações. Lembravam-se do rei que devia assentar-se no trono de Davi, mas esqueciam-se do Servo Sofredor. Conseqüentemente, ao vir o Messias, não puderam reconhecê-Lo, e não quiseram o Seu reino quando êste lhes foi oferecido por Êle.

Se os judeus tivessem aceitado o nôvo concêrto e o reino que o Messias apresentava; se em vez do pequeno número de seguidores que Jesus enviou ao mundo para transmitir Sua mensagem, pudesse Êle contar com tôda a nação, regenerada e consagrada, para usá-la na evangelização do mundo, que vitórias, que bênçãos, que recompensas poderiam advir-lhes sob a liderança do Filho de Deus! O Senhor ainda estava disposto a usar Seu povo escolhido como instrumentos de bênção, tal qual sucedera nos dias dos profetas da antiguidade. Êles, porém, não o quiseram.

10. O Israel literal substituído pela igreja cristã. — Jerusalém não conheceu o tempo de sua visitação, por isso sua casa ficaria “deserta” (S. Mat. 23:38), e o rejeitado Senhor chorou pelo que sucederia a ela. Embora a destruição demorasse quarenta anos a vir, não houve arrependimento para evitar a ruína da nação. Não foi feita qualquer afirmativa, como antes (Jer. 5:10 e 18), de que a destruição seria apenas temporária. Os servos que reiteradas vêzes maltrataram os profetas, acabaram crucificando o Filho do Proprietário da vinha, sendo portanto desapossados. O próprio Filho proferira a sentença sôbre êles: “O reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que Lhe produza os respectivos frutos.” S. Mat. 21:43. Muitos viriam do Oriente e do Ocidente, para assentar-se com Abraão, Isaque e Jacó, em lugar dos rejeitados filhos do reino (S. Mat. 8:11 e 12). Êstes proviríam dentre os gentios e demonstrariam ser mais autênticos “filhos de Abraão,” do que os judeus, pois praticariam “as obras de Abraão” (S. João 8:39).

Quando a grande corporação da declarada descendência de Abraão — a corporação oficial — rejeitou seu Rei, o Mediador do nôvo concêrto, êles inevitàvelmente se separaram do reino messiânico e do concêrto. Os únicos judeus que conservaram estas relações, foram os remanescentes (Rom. 11:5), aquêles que aceitaram o Messias e se tornaram o núcleo da igreja cristã; êstes eram os verdadeiros filhos de Israel. A êles juntaram-se os conversos gentios, os ramos da “oliveira brava” que foram enxertados no tronco original, em lugar dos ramos naturais que se haviam quebrado (Rom. 11:16-24).

Assim, a rejeição da nação de Israel não invalidou as profecias ou interrompeu a linha do povo escolhido de Deus. “Não . . . que a Palavra de Deus haja falhado,” mas os “filhos da carne” foram substituídos pelos “filhos da promessa” (Rom. 9:6 e 8)—a descendência espiritual de Abraão.

11. Aplicações do Novo Testamento às promessas do reino. – A partir de então, os que são filhos de Abraão pela fé — todos os que são de Cristo, tanto judeus como gentios — têm sido herdeiros das antigas promessas (Gál. 3:7, 8, 16 e 29). Ambas as classes da descendência de Abraão, judeus e gentios, hão de receber as promessas abraâmicas. Paulo não declara que as promessas do reino terrestre, feitas a Israel, pertencem aos judeus, e que as promessas do reino celestial pertencem aos cristãos, antes fala da herança do mundo por tôda a descendência:

“Não foi por intermédio da lei que a Abraão, ou a sua descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo; e, sim, mediante a justiça da fé. … Essa é a razão por que provém da fé, . . . a fim de que seja firme a promessa, para tôda a descendência, não sòmente ao que está no regime da lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de todos nós …” Rom. 4:13 e 16.

Além disso, o cristão pertence ao reino de Cristo (Col. 1:13; S. Tia. 2:5; Apoc. 1:6). Jesus Cristo foi prometido como o Rei davidiano relativo ao concêrto nôvo ou eterno (Ezeq. 37: 21-28; S. Luc. 1:32 e 33; comparar com Zac. 9:9-11; S. Mat. 21:4-9). Mediante Seu sacrifício, tornou-Se Êle o mediador dêsse concêrto (Heb. 8:6-13; 12:24; 13:20; comparar com S. Mat. 26:28; S. Mar. 14:24; S. Luc. 22:20). É óbvio, portanto, que os cristãos são herdeiros das profecias do nôvo concêrto bem como do reino do nôvo concêrto.

Que a igreja é agora o povo do concêrto, o povo escolhido, é indicado claramente pela aplicação que dois escritores do Nôvo Testamento fazem da promessa original aos filhos de Israel, no Sinai. Pedro, dirigindo-se aos “cristãos”, como começavam êles a ser chamados, disse:

“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus.” I S. Ped. 2:9. Escrevendo aos cristãos gentios (ver o verso 10), êle cita quase literalmente Êxodo 19:5 e 6 (Pedro emprega as mesmas palavras gregas para “sacerdócio real” que ocorrem na Versão dos Setenta para a expressão hebraica “reino de sacerdotes”). João escreve aos cristãos da Ásia Menor acêrca de Jesus, que “nos constituiu reino, sacerdotes para o Seu Deus e Pai.” Apoc. 1:6. Além disso, descreve êle o cântico dos remidos no Céu como sendo: “Digno és”, pois nos “constituíste reino e sacerdotes.” Apoc. 5:9 e 10. Ambos os escritores, portanto, aplicam à igreja cristã — e não especificamente aos cristãos judeus — a promessa do concêrto feita a Israel, uma promessa condicional a que a nação de Israel deixou de fazer jus, devido a haver rejeitado o Messias.

Por que aplicam êstes escritores inspirados as profecias do reino de Israel aos cristãos não israelitas? Acaso não será por que o verdadeiro Israel não é mais a nação judaica, mas sim a igreja cristã? O fato de que Paulo se refere ao “Israel segundo a carne” (I Cor. 10:18) indica que existe um Israel que não é segundo a carne. Em diversas passagens, torna êle claro o que quer dizer quando faz alusão ao verdadeiro Israel. Em primeiro lugar, menciona que nem todos os judeus pertencem a Israel — “Nem todos os de Israel são de fato israelitas.” Rom. 9:6. Noutro lugar dá esta definição do verdadeiro judeu: “Não é judeu quem o é apenas exteriormente,” mas antes “aquêle que o é interiormente, e circuncisão a que é do coração.” Rom. 2:28 e 29.

O sinal do verdadeiro israelita, portanto, é um coração circuncidado. Que isto não se refere só aos judeus de coração circuncidado, evidencia-se pelo verso 26: “Se, pois, a incircuncisão observa os preceitos da lei, não será ela, porventura, considerada como circuncisão?” Assim, o cristão gentio pode ser considerado como verdadeiro israelita, se bem que não literal. Legalismo? Como pode ser, se Deus enviou Seu Filho “para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” Rom. 8:4)? Aos filipenses, explica êle o que significa a verdadeira circuncisão: “Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne.” Filip. 3:3. Olhando para o contexto desta frase, vê-se claramente que Paulo está definindo a verdadeira circuncisão.

As declarações anteriores revelam distintamente que Paulo ensinava que o verdadeiro Israel — não o Israel segundo a carne, mas o Israel segundo o Espírito — compõe-se tanto de judeus como de gentios, não sòmente dos filhos da carne mas também os da promessa, circuncidados não na carne mas no coração (Rom. 9:8).

Ademais, Paulo dirige-se aos cristãos que outrora eram gentios, a quem os judeus segundo a carne ainda chamavam de “incircuncisão” (Efés. 2:11). Antigamente êstes cristãos estavam “separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa” (verso 12). Agora, porém, em Cristo, por meio do qual tinham acesso a Deus pelo Espírito, não eram mais “estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos”, e membros “da família de Deus” (verso 19). Em outras palavras, tornando-se cristãos, deixaram os gentios de ser estranhos e ficaram concidadãos dos santos e herdeiros das alianças da promessa. Por conseguinte, os cristãos colhidos dentre os judeus e gentios, pertencem à verdadeira comunidade de Israel. É assim que “todo o Israel será salvo” (Rom. 11:26).

12. Cumprimento das profecias do reino. — Nauralmente, surge a pergunta: Se a igreja cristã é herdeira das promessas e dos concertos, onde se deve esperar o cumprimento das profecias que não se realizaram no Israel literal? Na igreja primitiva, na igreja atual ou na igreja do futuro?

Onde quer que as profecias do reino sejam definitivamente aplicadas pelos escritores do Nôvo Testamento a certas ocorrências na igreja, é evidente que estaremos seguros em seguir-lhes as interpretações inspiradas. Pedro observa que a predição de Joel referente a visões, sonhos e prodígios entre o remanescente de Israel cumpriu-se, pelo menos parcialmente, nas maravilhas da igreja primitiva, sob o derramamento do Espírito (Atos 2:16-21; comparar com Joel 2: 28-32).

Ao mencionar a decisão do concilio realizado em Jerusalém, Tiago cita uma profecia de Amós concernente à restauração de Israel, aplicando-a aos primeiros gentios convertidos à igreja:

“Expôs Simão (Pedro) como Deus primeiro visitou os gentios, a fim de constituir dentre êles um povo para o Seu nome. Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito: Cumpridas estas coisas, voltarei e re-edificarei o tabernáculo caído de Davi; e, levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei. Para que os demais homens busquem o Senhor, e todos os gentios sôbre os quais tem sido invocado o Meu nome, diz o Senhor.” Atos 15:14-17; (Comparar com Amós 9:11 e 12).

Em outras palavras, declara Tiago: A predição de Amós referente ao que ocorrería quando fôssem “cumpridas estas coisas” * (quer dizer, depois do tempo de Amós), começou a cumprir-se na conversão dos gentios, no tempo do apóstolo Pedro. Isto é, a profecia da restauração da casa de Davi e de os gentios buscarem o Senhor, está-se cumprindo agora na expansão da igreja para abranger os gentios. O texto de Amós é citado como uma profecia da restauração do reino de Davi e da incorporação dos “gentios” nesse reino (Amós 9:11 e 12); é óbvio porém que Tiago a aplica figuradamente ao desenvolvimento da igreja de Cristo, o Filho de Davi.

Pedro encontra na “pedra angular” de Isaías 28:16 uma predição de Jesus como a principal Pedra angular (I S. Ped. 2:6) da “casa espiritual” em que os cristãos são edificados como “pedras que vivem” e como “sacerdócio santo”, a fim de oferecer “sacrifícios espirituais” (verso 5).

Num breve trecho (II Cor. 6:16-18), Paulo cita várias profecias relacionadas com o nôvo concêrto e a restauração prometida ao antigo Israel — frases tiradas de Jer. 31:33 (comparar com Jer. 32:38; Ezeq. 11:19 e 20; 37:27); Isa. 52: 11; e Jer. 31:9.

As aplicações à igreja da época presente, naturalmente são figuradas. Muitas das profecias que não se realizaram nos tempos do Velho Testamento, cumprir-se-ão, algumas delas literalmente, em conexão com a segunda vinda de Cristo, ou depois dela. Mas o fato de que escritores inspirados fizeram aplicações figuradas demonstra que não podemos exigir um cumprimento literal em todos os pormenores.

A igreja cristã, portanto, é uma “nação santa”, não constituída de uma única raça ou nacionalidade, mas de todos os indivíduos que voluntariamente se põem sob a relação do nôvo concêrto com o seu Senhor. Destarte, suas bênçãos não consistem em prosperidade nacional, conquistas territoriais, ou vitórias sôbre invasores. A promessa de Ezequiel acêrca do livramento do Israel pós-exílico das hostes de Gogue, não se cumpriu literalmente, mas no Apocalipse é ela aplicada à destruição final dos inimigos de Deus e de Seu povo, após o milênio.

O glorioso Templo descrito por Ezequiel, não pode encontrar o seu cumprimento na igreja, pois os tipos e sombras sacrificais cessaram no sacrifício antitípico de Cristo na cruz do Calvário. Em lugar dêle temos o ministério sacerdotal do Filho de Deus no santuário “não feito por mãos”, no próprio Céu.

Outrossim, a promessa de que a descendência de Abraão herdaria o mundo, bem como as profecias da abundância e paz do Éden restaurado, encontrarão seu verdadeiro cumprimento quando os santos herdarem a Terra renovada.

A igreja cristã, formada por indivíduos provenientes de tôdas as nações, e não só da nação judaica, é agora o veículo para transmitir a bênção divina ao mundo. Seu dirigente é Cristo, o Filho de Davi, que domina agora no coração de Seu povo, e que um dia dominará pessoalmente no Seu reino eterno. Ela é “o reino de Deus . . . dentro em vós” (S. Luc. 17:21), que não vem “com visível aparência” [“aparência exterior” — trad, de Almeida antiga] (verso 20), mas cresce como o grão de mostarda (S. Mat. – 13:31 e 32). Êste é o reino espiritual ao qual devemos pertencer agora, se quisermos desfrutar as bênçãos do futuro reino de glória.

De maneira que as profecias do reino cumprir-se-ão finalmente, não em face de pecado e arrependimento, de nascimento e morte, de guerra e calamidade, mas na nova Terra. E o cumprimento final no reino eterno de Cristo superará tudo o que foi prometido ao Israel de tempos antigos. — Questions on Doctrine, págs. 225-234.

* É interessante notar que as palavras “cumpridas estas coisas” e “voltarei e” não se encontram no texto hebraico de Amós 9:11, que começa assim: “Naquele dia levantarei o tabernáculo caído de Davi.” A expressão de Tiago, “voltarei e reedificarei”, ou é citada de um texto original diferente do livro de Amós, ou é uma paráfrase, exatamente semelhante ao idioma hebraico comum, em que o verbo “voltar” (shub: “tornar atrás”) amiúde é usado para expressar uma reversão de atitude ou uma simples repetição. Isto é, “voltar e fazer” algo, pode apenas significar fazê-lo outra vez. Esta expressão às vêzes é traduzida literalmente, como: “Voltei, e considerei todas as opressões” (Ecl. 4:1; comparar com o cap. 4:7 e 9:11 — King James Version); “Voltarei, e terei compaixão” (Jer. 12:15 — KJV); “Quem sabe se não se voltará e se arrependerá …? (Joel 2:14). Muitas vêzes “voltar e” é simplesmente traduzido por “tornar a”, por exemplo: “Tornou a edificar (heb. “voltou e edificou”) os altos que Ezequias, seu pai, havia derribado” (II Crôn. 33:3).