Princípios que ajudam a tornar mais atrativa a apresentação de doutrinas

Preocupados com beleza e o conteúdo de suas mensagens, alguns pregadores têm marginalizado a pregação doutrinária, sob a alegação de que é árida e pouco atrativa. Não se pode questionar o fato de que Cristo deve ser levantado no púlpito, em todas as ocasiões. Afinal, Ele é o centro e a razão de todas as coisas e deve ser visto em todos os sermões, incluindo os doutrinários. Que isso é perfeitamente possível é o que a Dra. Marguerite Shuster ensina numa entrevista concedida a Derek Morris, pastor adventista em Calimesa, Califórnia, nos Estados Unidos, e professor adjunto de Homilética na Universidade Adventista do Sul, em Collegedale, Tennessee.

A Dra. Shuster é Ph.D, e também ensina Homilética no Seminário Teológico Fuller, em Pasadena, Califórnia. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Ministério: Tanto em seus escritos como em suas palestras, a senhora tem se revelado uma defensora da pregação doutrinária. Por que existe tanta resistência dos pregadores quanto a pregar sobre doutrinas cristãs?

Dra. Marguerite Shuster: Muitos prega-dores estão trabalhando sob uma visão muito estereotipada do que seja doutrina. Para esses indivíduos, doutrina é um assunto que consideram de natureza abstrata, incompreensível e desconectado da realidade da vida diária. Também acham que, para poder compreender amplamente todas as nuances do assunto a ser discutido, precisariam ter muitos anos de educação graduada. Tão logo esses pregadores ouvem que as pessoas estão ansiosas de que se ressuscite a pregação doutrinária, respondem com ansiedade, temor e fuga.

Ministério: A senhora costuma dizer que todo pregador prega sobre algum tipo de doutrina, conscientemente ou não. Como então a senhora define o tipo de pregação doutrinária que está querendo ouvir?

Dra. Shuster: Bem, em primeiro lugar, deixe-me realçar o fato de que a maioria dos pastores e outros pregadores não evitam ou negligenciam a pregação de doutrinas porque hajam tomado uma decisão consciente nesse sentido. Toda vez que nós abrimos a boca para falar a uma congregação, expressamos, de modo implícito, algum tipo de com-preensão do que seja, por exemplo, nossa visão da liberdade humana contra a soberania divina, ou sobre qual seja a relação entre o amor de Deus e Sua ira. Toda vez que nós dizemos: “confie somente em Jesus”, estamos assumindo que existe alguma coisa particularmente especial sobre Jesus. Senão, por que não apelar para que as pessoas depositem confiança em outra pessoa? Assim, tudo o que nós dizemos reside, finalmente, sobre doutrina. E minha preocupação é que não deixemos isso apenas implícito, mas pelo menos tornemos explícita a nossa afirmação. Quando eu penso em pregação sobre doutrinas cristãs, estou pensando que devemos dar atenção explícita à abordagem do conteúdo, significado e das conseqüências de algum aspecto de uma crença cristã. E que devemos fazer isso tanto de um ponto de vista intelectual, como prático.

Ministério: Mas existe o fato de que, como a senhora mesma diz em seu livro The Trinity: An Interdisciplinary Symposium on the Trinity (A Trindade: Um Simpósio Interdisciplinar Sobre a Trindade), “muitas pessoas são assombrosamente ignorantes dos fundamentos cristãos”. Como enfrentar o desafio de pregar doutrina a pessoas que são iletradas?

Dra. Shuster: Isso é uma realidade e ainda existe algo pior: muitas dentre nossas congregações são grandemente transitórias. Desse modo, é muito difícil fazer esse trabalho semana após semana. Se pelo menos você tiver uma audiência com a qual possa contar durante um certo período de tempo, poderá realmente fazer progressos na questão de simplificar o complexo. Mas, reconheço que essa não é a realidade em muitos lugares. O que eu tenho dito aos meus alunos é que eles não necessitam apresentar todo o assunto de uma só vez. Podem desmembrá-lo numa série e, à medida que o apresentarem, descobrirão que o gosto das pessoas pelo tema crescerá. Toda pregação necessita ser o tipo de pregação que é suficientemente clara para que uma pessoa com o mínimo de conhecimento, até mesmo uma criança, a entenda. Mesmo as pessoas com maior nível de escolaridade e inteligência também notarão que existe algo profundo para elas na simplicidade. Na pregação doutrinária, necessitamos deixar claro às pessoas o que nós estamos falando, quer usemos vocabulário técnico ou não. Jamais deveriamos estar preocupados em atirar palavras ao vento, mas, ao contrário, tratar com substância, essência. Dessa maneira, os ouvintes captam o que está sendo dito e se deliciam: “Ah, este é o significado!”

Ministério: Junto com a falta de conhecimento bíblico dos nossos ouvintes, boa parte do vocabulário que nós, pregadores, usamos, quando falamos de assuntos doutrinários, é totalmente estranha ao ouvinte.

Dra. Shuster: Por mais curioso que pareça, a linguagem doutrinária é freqüentemente mais estranha ao pregador do que ao ouvinte. Por exemplo, quando você pede a uma pregador para apresentar um sermão sobre expiação, esse pregador primeiramente tem de saber o que está envolvido na palavra e no conceito de expiação. E eu penso que não há um pregador em vinte que possa articular inteligentemente essa questão. Essa é uma das razões pelas quais os pregadores sentem medo.

Ministério: Isso soa como uma sugestão para muito mais cuidadoso estudo no preparo de um sermão doutrinário. Estou certo?

Dra. Shuster: Eu gostaria que os pregadores avaliassem um pouco mais a qualidade do seu preparo, incluindo o tempo que passaram no seminário estudando teologia sistemática e o tempo gasto, hoje, no estudo pessoal das Escrituras. Para mim, tudo isso deve ser visto na apresentação do sermão. E se eles não estiverem bem fundamentados no terreno da teologia sistemática, enfrentarão tremendas barreiras. Até poderão tirar alguma coisa de algum comentário bíblico, dicionário, e assim por diante; mas tudo resultará superficial. Tais pastores sentirão como se estivessem patinando no gelo ralo.

Ministério: Quais são alguns dos riscos que um pregador enfrenta ao pregar sobre doutrinas?

Dra. Shuster: Uma tentação especial é a de quererem alguma coisa na qual não precisem se aprofundar. Normalmente colocamos muitas demandas sobre os pregadores, e eles sentem as pressões decorrentes de tais demandas; de tal maneira que, para atender a to-das, acabam fazendo tudo muito complacentemente. Na realidade, existem algumas coisas a respeito da nossa fé que são, de alguma forma, simples. Através das Escrituras, Deus pretende tornar-Se conhecido. Ele não está brincando de esconde-esconde. Nós todos cremos que um leitor honesto e sincero pode encontrar na simples leitura da Palavra de Deus o que ele necessita para sua salvação, sem que tenha recebido educação especial ou disponha de instrumentos especiais de pesquisa. Mas isso, que é suficiente, não é exaustivo. E o mistério permanece. Muitos dos caminhos de Deus permanecem escondidos para nós; e esse fato é premente para as pessoas, em especial quando elas se defrontam com o problema do pecado e do mal. Há o pecado em sua vida com o qual elas não

podem tratar efetiva e finalmente. Há o mal em seu redor, que envolve não apenas o sofrimento do inocente, mas também há os males estruturais. Tais coisas não são bem tratadas com qual-quer tipo de abordagem moralista simples. Por outro lado, é fácil dizer que “tudo é um mistério” e lavar as mãos. Ou tratar cada aspecto da questão de maneira tão complexa que dificulte ainda mais o entendimento das pessoas simples, nada deixando em que elas possam se apoiar ou confiar.

Ministério: É aceitável, então, que o pregador levante questões para as quais ele não tem respostas, ou não as encontra facilmente?

Dra. Shuster: É absolutamente aceitável. Se os pregadores não fizerem isso, eles estarão simplesmente ignorando o fato de que tais questões já existem na mente de quase todo mundo na congregação. E podem levar o povo a supor que o pregador vive em um mundo inteiramente diverso, no qual essas questões não ocorrem. Eu sempre suscitarei questões difíceis em um sermão. Aliás, outro perigo que existe é levantar questões difíceis e então simplesmente rejeitá-las como se não tivessem importância. Isso é degradar, desconsiderar e minar a integridade de um ouvinte fiel.

Ministério: Existe alguma diferença entre escrever e pregar sobre doutrina?

Dra. Shuster: Sim. Por exemplo, compare os escritos de Kari Barth e seus sermões. Mesmo quando Barth estava pregando a um grupo universitário, tão oposto a, por exemplo, quando ele pregava a prisioneiros, seus sermões tinham um poder emotivo, uma simplicidade básica e uma afirmação fundamental da esperança cristã. Por isso, poderiam ser amplamente compreendidos – desde a mais primitiva percepção de que existem auxílio e esperança em alguém chamado Jesus, ao razoavelmente sofisticado entendimento de alguém que esteja familiarizado com a profunda teologia de Barth-. Mas seus sermões não soam como seus escritos, ainda que alguém descubra, como eu fiz, grande valor devocional nesses escritos.

Ministério: Quando a senhora fala ou escreve sobre pregação doutrinária, parece diferenciar entre uma abordagem temática, na qual tenta cobrir o que a Bíblia diz sobre determinado assunto em 25 minutos, e uma abordagem em que toma uma porção da Escritura e a direciona para uma doutrina cristã sobre a qual essa porção lança luz. Poderia comentar isso?

Dra. Shuster: Deparei-me pela primeira vez com essa questão, quando o falecido teólogo Paul Jewett estava escrevendo o primeiro volume de sua teologia sistemática (God, Creation, and Revelation: A Neo-Evangelical Theology) e quis incluir sermões doutrinários. Ele achava que há alguma coisa errada com a doutrina que não pode ser pregada. Então pediu-me para cumprir a tarefa de escrever alguns sermões que pudessem, de alguma forma, incorporar temas doutrinários. Achei o pedido desafiador, empolgante e possível de ser atendido. Se o pregador prega um sermão sobre fé, por exemplo, pode terminar não dizendo muita coisa. Mas se toma uma passagem particular que possa estar relacionada com a fé ou a descrença de alguém, pode explorar esse pedaço de tal maneira que o ouvinte dirá: “Ah, isso tem a ver com a minha vida”. Para que isso funcione bem, o pregador necessita primeira-mente tratar com esse pedaço, mas também deve saber onde ele cabe. É por isso que eu sempre digo aos meus alunos que, embora eu deseje que eles baseiem seus sermões na exegese da passagem, também quero que eles consultem obras dogmáticas sobre doutrina, para que o contexto mais amplo que informa a maneira como eles preparam o sermão também seja fiel ao todo.

Ministério: É apropriado extrair outras passagens das Escrituras, ou o pregador deveria permanecer com o texto primário?

Dra. Shuster: Eu acredito que é possível usar textos de apoio, de um modo responsável. Entretanto, a maioria das vezes que ouvimos os pregadores fazerem isso, eles se tornam presos em um texto com o intuito de provar alguma coisa. Não levam em conta o verdadeiro contexto das partes de apoio que estão usando. Ou, se fazem isso, começam fugindo, como se estivessem seguindo as pegadas de um coelho, e acabam pregando sobre outros textos. Eu gostaria que os pregadores estivessem cientes de que podem usar outros textos, dentro do contexto. Isso os livrará de se desviarem para outros assuntos e causar confusão na mente de outras pessoas e em sua própria mente.

Ministério: A senhora acha necessário usar ilustrações na pregação doutrinária?

Dra. Shuster: Acho absolutamente necessário. Você não está apresentando um sermão, a menos que tenha algum material que ligue o coração e a mente. Evidentemente, a proporção desse material deve variar em diferentes tipos de sermões. Mas qual-quer sermão que não faça uma ligação contemporânea não faz mais do que preencher um horário reservado para se fazer alguma coisa. Agora, quando eu estou falando de ilustração, não estou necessariamente me referindo a anedotas. Existem muitos recursos que fornecem o apoio necessário para tornar o sermão uma peça de relevância contemporânea. Mas não estou descartando as histórias, nem quero limitar as formas pelas quais nós ilustramos a mensagem.

Ministério: Na sua opinião, quão im-portante é a tarefa de escrever o texto de um sermão durante o preparo de uma pre-gação doutrinária?

Dra. Shuster: Kari Barth acreditava que escrever o texto de um sermão simplesmente era parte da disciplina da pregação. O pregador não deve necessariamente levar esse texto escrito ao púlpito quando for apresentar a mensagem. O processo apenas faz parte da sua disciplina. Muitos outros eruditos como, por exemplo, Martin Marty, têm dito que pelo menos durante os primeiros dez anos do seu ministério eles consideravam que o ato de escreverem o sermão era essencial para que a mensagem tivesse coerência, integridade, e tudo o mais que queremos e sabemos que um sermão deve possuir. Mas a cuidadosa preparação que inclui o escrever o sermão não obriga necessariamente o pregador a depender do texto, enquanto estiver pregando. Apesar disso, também reconheço que diferentes pregadores têm o direito de escolher e agir diferentemente a esse respeito.

Ministério: Quais as suas recomendações a respeito das particularidades do formato de um sermão quando um pastor aceita pregar sobre doutrina?

Dra. Shuster: Eu tenho três normas subjacentes para um sermão e acredito que elas são válidas para qualquer tipo de sermão. Ele necessita ser bíblico, deve ser interessante, e necessita fazer sentido. Se o sermão não for bíblico, não é um sermão, mas um discurso qualquer. Se não for interessante, não conseguirá ninguém para ouvi-lo. E se não for algo que tenha sentido, não será seguido ou praticado pelos ouvintes.

Ministério: Como a senhora respondería à crítica generalizada de que as pessoas de mentalidade secular, os pós-modernistas, não estão interessadas em doutrina cristã?

Dra. Shuster: Bem, em primeiro lugar, a primeira pessoa que deve acreditar na relevância da doutrina cristã é o pregador. Então, ele necessita mostrar, através de maneiras muito concretas, como o que nós cremos se relaciona, desafia e subverte as hipóteses ordinárias a respeito da vida humana; como o que nós cremos confronta-nos em nossas mais profundas angústias; como nossas crenças desanuviam nossos mais escuros temores;, como adicionam novos temores e preocupações em relação aos quais não sabíamos que pudéssemos ficar ansiosos. A pregação pode suscitar ansiedades bem como aliviá-las. Imagine que nós estivéssemos dizendo que Jesus tem alguma coisa a oferecer. Por que Jesus? Você não pode responder essa pergunta sem doutrina. Assim, como você expressa o que você acredita sobre Jesus, de uma forma que realmente O liga às mais profundas necessidades das pessoas? Uma pessoa que está ameaçada pelos rigores da seca pode não experimentar a mesma necessidade experimentarda por alguém que está preocupado em dirigir no meio de um tiroteio. Como você pode observar, a maneira como você elabora o assunto obviamente depende do seu contexto. Mas, se nós cremos que Jesus Cristo é a boa nova para todas as pessoas, então parece que estamos incumbidos de encontrar maneiras de falar a respeito dEle, que é uma pessoa real, para as pessoas reais às quais nós nos dirigimos.