Com a estante cheia de livros sobre como lidar com toda espécie de problemas difíceis, por que os pastores só encontram exemplos bem sucedidos nos livros, e não em seu próprio ministério?

O Pastor Roberto Smith acaba de desligar o receptor do telefone. Agora ele está afundado em sua cadeira, olhando inexpressivamente para os livros na parede do lado oposto de seu gabinete. Seus olhos estão enxutos, mas há lágrimas em seu coração. Pela primeira vez adveio-lhe o pensamento de que ingressar no ministério talvez tenha sido um erro.

Cinco anos atrás, recém-egresso do seminário, Roberto Smith iniciara seu ministério com um sentimento de expectativa, levemente mesclado de apreensão. Convicto de seu chamado ao ministério, ele estava certo de que, confiando em Deus e sendo guiado pelo Espírito Santo, dar-se-ia bem na obra do Senhor.

Agora, na metade do terceiro ano de ‘seu segundo pastorado, essa sensação de confiança está sendo suplantada por uma mescla de frustração e desalento que ameaça transformar-se em depressão.

O problema não tem que ver com os aspectos públicos de seu ministério. Roberto sabe que não é um grande pregador, mas percebe que prega razoavelmente bem. Tampouco é presumido. 

Procura esmerar-se em suas pregações, e há indícios de que está melhorando constante, se não espetacularmente.

Seus planos e programas não deparam com maior quantidade de apatia e inércia da parte dos membros do que é usual. Pelas conversas com outros pastores de sua denominação, ele sabe que seus programas encontram a mesma espécie de reação desfavorável, e aproximadamente na mesma medida.

É no âmbito particular de seu trabalho, ao labutar com indivíduos e famílias, que Roberto Smith acha que fracassou.

A recém-concluída conversa telefônica acentuou o problema, e o nó no estômago lhe diz que ele fracassou novamente. Telefonara para Joyce Powell, perguntando se ela lecionaria no departamento do jardim da infância, no próximo ano.

— Sinto muito, pastor, mas não posso. E lhe direi por quê. Guilherme acondicionou suas coisas e partiu hoje cedo. Passamos a maior parte da noite gritando um com o outro. Telefonei para meu advogado, pedindo que ele providenciasse o divórcio.

Essas palavras constituíam severo golpe. Roberto vinha aconselhando o casal Powell há três meses. Na primeira sessão ele avaliara seus problemas matrimoniais como sérios, mas não fatais. O aconselhamento tinha sido penoso. Cada um dos cônjuges achava que era o outro quem devia fazer as necessárias modificações de atitudes e conduta. Recentemente, porém, Roberto ficara um pouco otimista. O casamento dos Powells ainda estava longe de ser ideal, mas julgava ver uma melhora definitiva.

Agora tudo estava acabado; despedaçara-se o sonho da restauração de um lar cristão. As horas de aconselhamento, as pacientes ponderações, primeiro com um e depois com o outro cônjuge, e os períodos de oração — tudo dera em nada!

Para Roberto, este era o último de uma longa série de incidentes similares. Dos casais que ele aconselhara recentemente, um, além dos Powells, se divorciara, um se separara e um parecia estar restabelecendo um lar genuinamente cristão. Os outros ainda estão juntos, mas Roberto sabe que seus problemas estão pouco abaixo da superfície, prestes a explodir em separação ou divórcio a qualquer momento.

Desde o começo de seu ministério, Roberto tem dedicado boa porção de tempo e esforço à visitação de membros afastados e ausentes de sua igreja. Alguns retornaram uma ou duas vezes à igreja antes de desaparecer de novo; um agora freqüenta a igreja regularmente, e outro o faz numa base muito irregular. Roberto não tem conhecimento de outros resultados de suas visitas e orações.

Dez anos atrás, antes mesmo de Roberto começar a estudar para o ministério, duas famílias em sua atual igreja se desavieram. Um pequeno incidente tomou grandes proporções, os sentimentos de ambos os lados se incitaram e foram proferidas certas coisas que deixaram cicatrizes permanentes. Ambas as famílias eram preeminentes na igreja, e Roberto notou imediatamente que a inimizade entre elas estava esfriando o cálido amor cristão que deve existir na igreja.

No ano passado ele decidiu fazer importante tentativa para harmonizar as duas famílias. Dirigindo-se a uma delas, apelou para que se reconciliassem, e achou-os receptivos. Admitiram que a situação avançara demasiado e que era tempo de olvidar toda a questão.

Cheio de otimismo, Roberto foi ter com a outra família, mas suas esperanças logo se despedaçaram. Eles ouviram friamente seu apelo em favor da unidade, e declararam categoricamente que só um pedido de desculpas da outra família, na presença da congregação, poderia ocasionar a reconciliação. Quando o primeiro grupo soube dessa resposta, sua própria atitude se endureceu.

O resultado líquido do esforço de Roberto é que a ruptura entre essas famílias e seus defensores agora se tornou maior do que era antes.

Pois bem, com as palavras de Joyce Powell ecoando na mente, Roberto pergunta a si mesmo se estava equivocado ao pensar que tinha sido chamado para o ministério. Se o seu chamado era genuíno, por que ele parece ser tão incompetente? Por que há tantas derrotas e tão poucas vitórias?

Roberto Smith sofre de um distúrbio comum entre pastores — a síndrome de que “não devo ter lidado corretamente com a questão”. Seu principal sintoma é a importuna sensação do pastor de que sempre que não consegue resolver um problema, de algum modo ele é pessoalmente responsável pelo fracasso — de que deve haver algum método que teria conduzido a cabal solução, e ele deixou de encontrá-lo.

O raciocínio do pastor comumente é mais ou menos o seguinte: “Sou um ministro do evangelho. Minha arma é a espada do Espírito, a Palavra de Deus (ver Efés. 6:17). Ela é uma arma perfeita; portanto, se não consegue produzir o resultado desejado, a culpa deve ser daquele que a usa; logo, o culpado sou eu.”

Tal raciocínio constitui uma mistura do que é certo e do que é errado. A arma do pastor realmente é a perfeita Palavra de Deus. Não se deve inferir, entretanto, que o pastor necessariamente é culpado se o uso que ele faz desta arma perfeita não conduz a uma solução perfeita. Certamente é possível, mesmo com as melhores intenções, usar a Palavra de Deus inabilmente, pois nenhum pastor é tão proficiente em seu uso como gostaria de ser. Isto não significa, porém, que recai sobre o pastor a responsabilidade por toda a falha quando ele usa a espada do Espírito. O uso de uma arma perfeita, por mais esmeradamente que seja utilizada, não garante resultados perfeitos!

Alguns exemplos estraídos da própria Escritura podem ajudar a ilustrar este ponto.

Nos primeiros tempos da Igreja Cristã, quando surgiu a questão da circuncisão dos conversos gentios, os dirigentes se reuniram num concilio em Jerusalém para resolver o problema. Paulo, Barnabé e Pedro se achavam ali (ver Atos 15:1-11). Quem pode duvidar de que a Palavra de Deus foi manejada com grande poder nesse concilio? E com notável efeito! Encerrou-se uma questão que virtualmente poderia haver detido a disseminação do evangelho entre os gentios — será que realmente foi assim? Algum tempo mais tarde, membros da igreja de Jerusalém chegaram a Antioquia e levantaram novamente a questão. Seus esforços demolidores foram tão bem sucedidos que o amado amigo de Paulo, Barnabé, e o próprio Pedro, que argumentara convincentemente ao lado de Paulo em Jerusalém, se deixaram iludir e desviar pela hipocrisia deles.

Na igreja de Filipos surgiram atritos entre duas mulheres cristãs: Evódia e Síntique, as quais haviam auxiliado diligentemente a Paulo em seus trabalhos naquela região. A situação tornou-se tão grave que o próprio apóstolo teve de instar com elas para que acabassem com as suas divergências (Filip. 4:2 e 3). Somos levados a pensar que ambas as mulheres atenderam a seu apelo, e talvez tenha sido assim; mas não temos nenhuma prova de que o grande apóstolo foi mais bem sucedido nesse caso do que o pastor mediano em situações similares hoje em dia.

Na realidade, o próprio Paulo teve uma desavença com Barnabé, a qual se tornou tão acirrada que esses dois grandes missionários não puderam mais trabalhar juntos (Atos 15:37-39).

Até mesmo o Senhor Jesus Cristo não foi constantemente bem sucedido em Suas relações com os outros. Em vez de aceitar Seu ensino, muitos de Seus ouvintes se afastaram para nunca mais segui-Lo (ver S. João 6:66). Um jovem abastado aproximou-se de Jesus querendo saber o caminho para a vida eterna. O Mestre respondeu a sua pergunta com habilidade divina, mas o jovem “retirou-se triste” (S. Mat. 19:22).

Se os apóstolos e o próprio Senhor não conseguiram encontrar uma solução para todos os problemas, por certo nenhum pastor pode com justiça exprobrar a si mesmo por nem sempre sair-se em.

Uma das causas da perplexidade de Roberto Smith é a infinidade de livros que saem do prelo religioso hoje em dia, dizendo como devem ser dados conselhos pessoais e matrimoniais e manejadas difíceis situações de igreja. Ao alcance do braço de Roberto, onde ele está sentado, há uma estante cheia desses livros. Conquanto muitos deles proporcionem orientações úteis, alguns podem causar mais dano do que bem se o pastor não os usar com cuidado.

Seu principal defeito não é darem maus conselhos, e, sim, o fato de que muitos insinuam que os métodos recomendados por eles não somente são eficazes, mas resistem virtualmente a toda prova. Só há relatos de êxito; os fracassos nunca aparecem nos livros. O pastor freqüentemente tem a impressão de que se ele seguir os métodos delineados no livro, não poderá fracassar. Por isso, quando fracassa, sente-se frustrado e decepcionado, achando que, de algum modo, errou ao lidar com a situação.

Para dizer a verdade, o que acontece comumente é que nem o pastor nem seu método falharam. O que falhou é a pecaminosa natureza humana. O pastor não lida com coisas, mas com pessoas — seres humanos criados à imagem de Deus, tendo porém uma natureza deformada e maculada pelo pecado. Segundo nos lembra o apóstolo Paulo, “o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar” (Rom. 8:7). Até entre cristãos sinceros amiúde resta o suficiente desse pendor carnal para tornar o trabalho do pastor extremamente difícil.

A Palavra de Deus é realmente “viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes” (Heb. 4:12), mas o coração humano pode opor-se a ela. A porta do coração só pode ser aberta do lado de dentro (Apoc. 3:20). Na maioria dos casos em que os esforços do pastor não conseguiram resolver uma situação desditosa, a verdadeira razão do fracasso é que o coração de alguém não se abriu do lado de dentro para permitir que o Espírito Santo entrasse e se apoderasse dele.

Isto, naturalmente, não desculpa o pastor que deixa de estudar os princípios de bem fundada psicologia e do devido uso da Escritura, e de aplicá-los aos problemas de seu trabalho. Cristo mesmo nos disse que devemos ser “prudentes como as serpentes” (S. Mateus 10:16). Deve, porém, reanimar o pastor que às vezes quase fica desesperado ao ver seus melhores esforços falharem repetidamente, a despeito de muita oração e diligência.

As seguintes diretrizes podem ajudar o pastor desalentado ao procurar estabelecer a ordem cristã em meio ao caos que o pecado amiúde suscita até mesmo na Igreja cristã:

  • 1. Acercai-vos de toda situação difícil com muita oração pelo derramamento do Espírito Santo. Cristo prometeu o Espírito Santo a todos os que O pedirem (S. Lucas 11:13). A vontade de Deus é que a harmonia e o amor predominem entre os membros (ver I S. João 4:7-11) e que os lares cristãos sejam preservados (ver S. Mar. 10:9). Portanto, podeis estar certos de que vosso objetivo e o do Espírito Santo são os mesmos.
  • 2. Mantende uma atitude de amor cristão para com todas as partes envolvidas. Todos são filhos de Deus, mesmo que muitos deles não procedam assim.
  • 3. Mantende vossa objetividade. Isto nem sempre é fácil. Às vezes, ao procurardes deslindar uma situação complicada, sereis levados a ter a forte sensação de que algumas das pessoas envolvidas estão “certas” e outras estão “erradas”. Lembrai-vos de que não estais do lado de quem quer que seja. Vosso desígnio não é culpar ou responsabilizar. Vosso propósito é restaurar a harmonia e o amor cristão.
  • 4. Reconhecei que é impossível obrigar as pessoas a crer nos princípios da Escritura ou a conduzir-se de acordo com eles. O Espírito Santo não faz isso, e vós não o podeis fazer. Se, depois de envidar o máximo esforço com amor cristão, notardes que não podeis resolver um problema, aceitai o fato e não culpeis a vós mesmos. Não digais a vós mesmos que se houvésseis usado uma passagem bíblica diferente, ou explicado a situação com mais clareza ou apresentado o caso de maneira mais convincente, teríeis sido bem sucedidos. É muito improvável que isso seja verdade. “Não por força nem por poder, mas pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos.” Zac. 4:6. A Palavra de Deus tem sua própria força e poder. Se procurastes sinceramente usar a Palavra para realizar os propósitos de Deus, fizestes o que estava ao vosso alcance. A falha não é vossa; ela pertence àqueles que recusaram submeter-se ao controle do Espírito Santo.
  • 5. Antes de procurar resolver algum problema, perguntai a vós mesmos se realmente tendes essa responsabilidade. Um dos mais breves encontros da vida terrestre de Jesus é relatado em

S. Luc. 12:13 e 14. Um homem solicitou a ajuda do Senhor para obter o que ele considerava seu legítimo quinhão de uma herança. A breve resposta de Jesus foi decisiva: “Homem, quem Me constituiu juiz ou partidor entre vós?” Sem entrar no acerto ou desacerto do caso, Jesus recusou-Se terminantemente a envolver-Se nele. Os pastores hoje em dia fariam bem em seguir-Lhe o exemplo. Não é incomum que membros de igreja solicitem a ajuda do pastor em questões que não são de sua alçada. Se isto acontecer com vossa pessoa, lembrai-vos da atitude de Cristo. Talvez queirais dar uma resposta mais suave, mas ela não deve ser menos decisiva que a de Jesus. O pastor que ao enfrentar um problema toma um momento para perguntar a si mesmo se essa questão realmente está dentro do âmbito de suas responsabilidades pastorais, amiúde pode livrar-se de desnecessária frustração (e talvez de muitas dificuldades dispensáveis).

  • 6. Reconhecei que algumas situações, embora estejam dentro do âmbito das responsabilidades do pastor, não podem ser manejadas sem que se tornem piores. Não compreender isso foi o erro de Roberto Smith ao procurar reconciliar as duas famílias desavindas. Problemas antigos, especialmente se pastores precedentes não foram bem sucedidos ao lidar com eles, com freqüência se enquadram nessa categoria. Lembrai-vos de que alguns de vossos problemas de igreja terão de ser solucionados pelo agente funerário.

Aprender a viver com problemas não solucionados ou solucionados de modo incompleto faz parte da vida de cada pessoa, e os pastores não constituem uma exceção. Com efeito, eles provavelmente consideram esse aprendizado uma parte mais importante de sua vida do que a maioria das pessoas. É uma parte decepcionante, mas inevitável. A clara compreensão deste fato e a avaliação realista do que se pode razoavelmente esperar realizar ao lidar com seres humanos que são livres agentes morais auxiliarão o pastor a evitar a depressão e a auto-acusação quando as derrotas, como acontece freqüentemente, parecem ser mais numerosas do que as vitórias.