A ira é um dos sete pecados mortais tradicionais. Paulo a inclui em sua lista de pecados que os cristãos devem evitar (Efés. 4:31; Col. 3:8). Conseqüentemente, muitos cristãos temem irar-se, negando que a sintam e reprimindo-a quando não podem evitá-la.
Mas o ponto de vista bíblico com respeito à ira não é tão simples. A Bíblia descreve o Pai e mesmo a Jesus como sentindo ira (e.g., Núm. 25:3; Mar. 3:5). Aparentemente, nossa capacidade de irar-nos é uma das maneiras em que levamos a imagem de Deus. Se Deus sente ira, não podemos considerá-la como categoricamente pecaminosa.
Curiosamente, no contexto de uma dessas listas de pecados que os cristãos devem evitar, Paulo escreveu: “Irai-vos, e não pequeis” (Efés. 4:26). Toda a passagem tem o que ver com relacionamento interpessoal, e assim, a ira da qual ele fala parece ser da espécie que surge em tal relacionamento; não é apenas uma espécie de “santa indignação”.
A distinção que Paulo faz: “Irai-vos, e não pequeis”, sugere a chave para o enigma. Paulo estava mais interessado na maneira como os cristãos tratam as demais pessoas do que nas emoções que elas experimentam. E irar-se é uma emoção. Como tal, ela é uma reação a algum estímulo. Não é pecado sentir-se irado; as pessoas pecam quando dão vazão a sua ira de maneira imprópria.
A ira é parte natural do relacionamento estreito. Ela desempenha um importante papel nesse relacionamento — indica que há diferenças que precisam ser ajustadas. (Biblicamente, a ira que Deus expressa para com Seu povo, funciona em muitos casos da mesma maneira. Ela é despertada pela infidelidade deste, e Seu intento é trazê-lo de volta à fidelidade a Ele.)
David Mace, autor do proveitoso livro Love and Anger in Marriage (Amor e ódio no casamento), diz que as pessoas em geral lidam com a ira de uma das quatro maneiras seguintes: descarregam-na, reprimem-na, desfazem-na, ou a consideram.1 É descarregando a ira, no sentido de não reprimi-la, e fazendo com que mais alguém “a tenha”, que a ira produz pecado. Essa maneira de lidar com a ira esclarece o problema, mas de maneira que fere a outra pessoa e prejudica o relacionamento, sem resolver o problema.
Reprimir a ira, dirige a força do problema para dentro, em lugar de para fora. Na tentativa de manter o relacionamento, a pessoa poupa a outra e sofre o impacto do problema. O controle pode ser necessário em alguns casos — por exemplo, quando é o patrão que provoca a ira e, procurando negociar o problema, faz ameaça de despedi-lo de um emprego que você não pode dar-se ao luxo de perdê-lo. Mas conter a ira significa ignorar saídas que podem ser vitais para o relacionamento e, finalmente, o faz distanciar-se da outra pessoa. Se você reprimir habitualmente sua ira, perderá a capacidade da cordialidade e da bondade.
Acalma-se a ira, distanciando-se deliberadamente da pessoa que provocou a ira. O resultado pode ou não ser francamente reconhecido. De novo, esta forma de lidar com a ira pode ser necessária em algumas circunstâncias — Paulo e Barnabé interromperam o seu relacionamento na ocasião em que discordaram a respeito de João Marcos. Mas enquanto esta maneira de tratar a ira pode, em alguns casos, ser necessária, se agir com respeito a sua ira sempre se distanciando da outra pessoa, você acabará sendo uma pessoa solitária — alguém que não possui relacionamento íntimo.
Só quando a pessoa analisa os motivos que despertaram a ira no relacionamento, pode este crescer e aprofundar-se. Mace apresenta três princípios úteis de análise da ira: Em primeiro lugar, comunicar o fato de que você está irado. A ira não é um erro em si mesma; é um sentimento admissível — é permitido ficar irado. (Embora, dependendo das circunstâncias, você possa expressar seus sentimentos em termos menos fortes, dizendo que está abalado ou que está inconformado com alguma coisa que está ocorrendo.)
De acordo com o princípio seguinte, quando estiver com raiva, não agrida a outra pessoa. Dessa maneira, a outra pessoa não precisará ser cautelosa ou defender-se. Se é grande a sua ira, não discuta a causa que a está despertando, até que você se acalme e possa discuti-la racionalmente e sem provocar a outra pessoa.
O passo seguinte recomenda que em relacionamentos muito estreitos e prolongados, como o do casamento, procure-se um entendimento com a outra parte, para que ambos admitam e discutam a causa da ira que está ameaçando o relacionamento. Deve-se considerar esta ira não como evidência de fraqueza daquele que está irado, mas como uma função do relacionamento completo. Aqui, os relacionamentos mais íntimos diferem dos mais distantes, onde a pessoa pode ter que admitir e analisar a ira da gente e a própria.2
A ira se presta a uma função positiva. Ela põe em foco áreas nas quais as situações podem ser melhoradas, e desenvolvidos os relacionamentos, enquanto é oferecida a motivação para fazer isso. Ao entenderem a função da ira, podem os pastores melhorar o relacionamento em suas igrejas e em seus próprios lares, e podem vir a entender-se e se aceitarem mais completamente. – David C. James