A alegação de alguns de que o controle de natalidade viola princípios bíblicos, não procede. Na verdade, o planejamento familiar inclui parte da responsabilidade do cristão para com este mundo.

Para acentuar a importância de olharmos para a frente e avaliarmos o custo de nos tomarmos Seus seguidores, Cristo extraiu ilustrações da vida diária (Luc. 14:28-32). Ao assim fazer, realçou Ele a necessidade de planejamento em todos os aspectos da vida cristã. Alguns cristãos, porém, não estão convencidos da moralidade do planejamento familiar ou da paternidade planejada. Vejamos algumas das objeções apresentadas contra este comportamento, e se ele está de acordo com as instruções bíblicas atinentes à vida cristã.

“Multiplicai-vos; enchei a Terra”

Por duas vezes, no alvorecer da história da humanidade, Deus instruiu os seres humanos a serem fecundos, multiplicarem-se e encherem a Terra (Gên. 1:28; ver também Gên. 9:7). À luz destas recomendações, alguns perguntam como pode alguém defender o controle da população. Pensemos no que teria acontecido se o pecado não tivesse surgido e nenhum dos descendentes de Adão e Eva tivesse morrido. Teriam os seres humanos hoje na Terra lugar para ficar de pé? Talvez nessas circunstâncias Deus tivesse limitado a população, esterilizando os homens ou “fechando o ventre” das mulheres.

Neste mundo inferior ao ideal, porém, Deus deixou que fizéssemos por nós mesmos aquilo que Ele teria feito em outras circunstâncias.

Quando Judá estava enfrentando a destruição nacional e o longo exílio, Deus instruiu Jeremias a não se casar nem ter filhos. Primeiramente, a instrução de Deus a Jeremias envolvia uma mensagem que Ele pretendia comunicar ao Seu povo: sua falta de fé resultaria em graves problemas. Mas, em segundo lugar, podemos observar que Suas instruções indicavam que os pais em perspectiva deveriam levar em consideração as circunstâncias quando estivessem pensando em trazer filhos ao mundo.

Num sentido semelhante ao da mensagem que veio a Jeremias, Jesus, prevendo a miséria que ocorreria à cidade de Jerusalém no ano 70 A.D., lamentou: “Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias!” (Mat. 24:19). Na verdade, Lucas 23:29 relata uma declaração ainda mais forte: “Porque dias virão em que se dirá: Bem-aventuradas as estéreis, que não geraram nem amamentaram.”

Podemos não estar enfrentando diretamente os terríveis acontecimentos de que falaram Jeremias e Jesus, mas a lição que devemos tirar certamente se aplica às circunstâncias em consideração em nosso planejamento familiar. A situação econômica do mundo, especialmente no denominado Terceiro Mundo, indica diariamente que a Terra não pode suportar sua explosão demográfica. Em 13 de julho de 1987, o Fundo das Nações Unidas Para Atividades Populacionais (FNUAP) proclamou o bebê Matej Gaspar da cidade nordestina de Zagreb, Iugoslávia, como o cidadão quinto-bilionésimo deste planeta. Matej era apenas um dos considerados 240 bebês por minuto ou 340.000 por dia que haviam nascido naquele ano.1 Outra fonte revela que a quadri-bilionésima criança havia nascido em 1975, e diz que se o índice de crescimento da população atual fosse tão-somente mantido, a criança sexto-bilionária nasceria no ano 2000.2

O tamanho da população da Terra é alarmante, uma vez que três quartos da superfície do planeta são água,3 e os seres humanos dividem o restante com desertos, florestas, montanhas, plantas e animais. Para agravar ainda mais o problema, pesquisa mundial da Organização de Alimento e Agricultura das Nações Unidas constatou que a degradação da terra poderá reduzir a produção de alimentos em cerca de 20%, se não forem tomadas medidas de conservação — cerca de 544 milhões de hectares (2,1 milhões de milhas quadradas) de terras produtivas, se perderiam.4 Assim, a ambição desta organização de proporcionar alimento para todos no ano 2000 parece miragem.

Quando Deus instruiu Adão e Noé a encherem a Terra, no começo da história da humanidade, o problema da época era a falta de pessoas. A instrução não se referia ao nosso tempo, quando o problema é de superpopulação.

“Os filhos são herança do Senhor”

Um dos textos grandemente usados de maneira incorreta pelos que se opõem ao planejamento da família é Sal. 127:3-5: “Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre Seu galardão. Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade. Feliz o homem que enche deles a sua aljava: não será envergonhado, quando pleitear com os inimigos à porta.”

Ninguém pode refutar a verdade de que os filhos são uma bênção do Senhor. Filhos como Isaque (Gên. 22:1-9), Moisés (Heb. 11:23-39), Timóteo (II Tim. 1:5), Maria (Lucas 1:26-35) e as quatro filhas de Filipe (Atos 21:8 e 9), para citar apenas alguns, foram uma bênção para seus lares e a sociedade.

Mas são todos os filhos uma bênção ou uma recompensa do Senhor? A palavra bênção significa muitas vezes algo que traz felicidade ao recebedor. Que felicidade traz a seus pais uma criança rebelde? De acordo com Deuteronômio 21:18-21,0 filho obstinado, glutão e dado à embriaguez devia ser apedrejado até morrer. Não vejo isto como um caso de “bênção” ou de “felicidade”.

Da mesma forma, eu gostaria que “o fruto do ventre” fosse uma recompensa de Deus, em lugar de um simples resultado natural da operação da lei de causa e efeito. Não creio, porém, que a razão pela qual mulheres como Sara e Isabel foram estéreis a maior parte de sua vida foi o serem tão pecadoras que Deus as não “recompensou” com “o fruto do ventre”. Nem, por outro lado, posso considerar os filhos de prostitutas, adúlteras e fornicadoras (como Tamar, Gên. 38:24; a mãe de Jefté, Juizes 11:1-4; e a esposa de Oséias, Oséias 1:2) como recompensa de Deus.

Em outras palavras, ainda hoje muitas senhoras casadas virtuosas têm orado por um filho, mas receberam um não. E muitas prostitutas, mães solteiras e namoradas que foram enganadas — algumas das quais até oraram para não ficarem grávidas — terminaram com filhos não desejados. Os filhos podem ser, mas não necessariamente, bênção do Senhor.

Nem uma “aljava cheia” torna necessariamente feliz a família. Salomão, a quem se atribui o Salmo 127, por certo sabia por experiência que ter muitos filhos não garante a felicidade e a segurança do lar. Como membro da grande família do rei Davi (I Crôn. 3:1-9), ele viu como a felicidade da família real foi arruinada pela violação de sua meia-irmã Tamar por Amnon, e o conseqüente assassínio deste por Absalão (II Sam. 13:1-13). Salomão testemunhou também a tentativa de Absalão de ocupar o trono de seu pai (II Sam. 15:1-13). Isto custou uma cruel guerra civil e a vida de Absalão, antes que Davi fosse restaurado ao trono. Assim, um lar cheio de filhos não garante a felicidade e a segurança.

É o controle de natalidade assassínio ou infanticídio?          

Algumas pessoas dizem que o controle de natalidade infringe o sexto mandamento: “Não matarás”. O controle não envolve necessariamente a perda da vida humana. Ele pode apenas tentar impedir a formação da vida — e enquanto a vida ainda não está formada, não pode haver homicídio. (Uma vez que o aborto envolve a vida já começada, a igreja adventista geralmente se opõe a essa prática, menos em certos casos.5 Ela não considera o aborto como método aceitável de controle de natalidade.)

Outros sugerem que Deus matou Onã por praticar um dos métodos naturais de controle de natalidade, o “coito interrompido” (Gên. 38:10). Mas os versos 8 e 9 revelam que Deus puniu Onã não por causa do método usado, mas em vista do propósito com que o utilizou — evitar ter um filho que pudesse ser legalmente de seu irmão falecido, de acordo com a lei do levirato (ver Deut. 25:5 e 6). Deus não estava proibindo o controle de natalidade em si.

É verdade que Margaret Sanger (1883-1966), pioneira das organizações modernas do planejamento da família, fez declarações que indicam estarem seus motivos contagiados de racismo e elitismo. Ela é citada como a dizer: “Mais filhos do planejamento; menos da inaptidão; este é o alvo principal do controle de natalidade”, e “o controle de natalidade, para criar uma raça de puro sangue.”6 Na mente dessa americana de origem irlandesa, os membros incapazes da sociedade eram os negros, os mexicanos- americanos, os judeus, os indianos, os espanhóis e os italiano-americanos, os pobres e os iletrados, os deficientes físicos e os criminosos. Ela dizia que todas estas classes de pessoas deviam ser eliminadas por meio de um programa de esterilização maciço, que ela própria descrevia como “genocídio político” — programa de desumanização que a Alemanha nazista de Hitler adotou posteriormente.7

A desagradável história primitiva do moderno planejamento familiar muito tem contribuído para que grande número de pessoas do Terceiro Mundo suspeite que os países ricos preferem incentivar o controle de nascimento a oferecer fundos para combater a fome das nações mais pobres.8 Mas sejam quais forem os motivos posteriores que possam ter-se insinuado no planejamento familiar, permanece o fato de que as realidades sociais e econômicas prevalecentes em todo o mundo, provam que o esquema é necessário.

“Deus proverá!”

Os opositores do planejamento familiar em geral tentam encerrar a discussão com a breve mas piedosa cláusula: “Deus proverá”. Alguns citam textos como o Salmo 37:25, no qual Davi declara que “jamais viu o justo desamparado, nem a sua descendência a mendigar o pão”; e Mateus 6:27, 31-34, onde Cristo exorta aqueles que estão “ansiosos pelo dia de amanhã”.

Concordo com Davi. Também nunca vi o “justo desamparado, nem sua descendência a mendigar o pão”. Isto, porque a pessoa justa leva a Bíblia a sério e trabalha arduamente para ganhar a vida (Prov. 31:27; I Cor. 4:12; I Tess. 4:11 e 12). De acordo com Provérbios 20:4, é o preguiçoso que pede para viver.

Mas em Mateus 6:27-34 Jesus não estava incentivando Seus seguidores a gastarem o tempo em ociosidade. Ele estava repreendendo aqueles que faziam das riquezas ou do alimento o objeto de suas preocupações ou mesmo o seu deus (ver também I Tim. 6:9 e 10 e Filip. 3:19). É por isso que Jesus concluiu Sua censura, dizendo: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Seu reino e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.”

Assim, nenhum dos textos com que começamos esta seção, sugerem que Deus está pronto a fazer por nós o que podemos fazer por nós mesmos. Eles não incentivam de maneira alguma as pessoas que sabem que não podem cuidar de muitos filhos, a continuarem trazendo-os ao mundo apenas para sofrerem. Ironicamente, algumas das pessoas que defendem a produção em massa de crianças, voltam-se contra Deus por não lhes aliviar o sofrimento.

Quantos filhos?

Não desejo dizer quantos filhos o casal cristão deve ter. A decisão é, antes de mais nada, do casal; e deve basear-se em certos fatores que cada casal considerará antes de ter os filhos. Eu diria que o primeiro fator a con-siderar é a saúde da mãe em potencial e da criança que irá nascer, uma vez que a gestação possui alguns inconvenientes.

Muitas senhoras hoje em dia se tomam muito doentias nos seus últimos anos por gerarem muitos filhos. Geralmente, elas se parecem mais idosas do que o são. Algumas morrem antes de ver seus filhos chegarem à maturidade, enquanto outras têm morte prematura no parto.

Chief A. Fajobi, diretor executivo da Federação da Paternidade Planejada da Nigéria (FPPN), disse: “Do ponto de vista médico, é prejudicial à saúde da mãe e da criança quando o parto é cedo demais (antes dos 18 anos de idade), enquanto o corpo amadurecido demais não está forte o suficiente para suportar o fardo físico do nascimento; quando é muito freqüente (o ideal é dois a três anos de intervalo); quando é em grande número (dois ou três filhos são o ideal); e muito tarde (após os 35 anos de idade), quando o corpo é frágil demais para transportar o peso da criança em gestação.”9

Em seguida, o casal deve levar em consideração se está em condições de atender as necessidades da vida do descendente que trazem ao mundo. Estes cuidados abrangem necessidades físicas — tais como proteção, alimento, agasalho e cuidado da saúde. Ellen White diz que os pais “não têm o direito de trazer filhos ao mundo para sobrecarregar os outros”, acrescentando que, os que assim fazem, “cometem um crime em trazer filhos ao mundo para sofrer a falta do necessário cuidado, do alimento e vestuário.”10

Mas as necessidades da vida envolvem mais: educação, ensino (Prov. 22:6) e a estreita atenção pessoal de que as crianças necessitam. Cada pai não tem senão um tanto de amor para partilhar. Quanto menos filhos, tanto mais fácil distribuir bem este amor.

Finalmente, o casal deve considerar não apenas as próprias circunstâncias, mas também as da sociedade da qual faz parte. A escolha que fazem os pais, do número de filhos que devem nascer, não é assunto pessoal apenas; sua escolha afeta também a sociedade. Um perito disse com acerto que “quando muitos casais resolvem ter grandes famílias, mesmo países ricos como os Estados Unidos, não podem acompanhar com rapidez as necessidades crescentes dos serviços públicos.”11

Ironicamente, de ordinário são os indivíduos pobres de cada país e os países pobres do mundo, que se deleitam com a produção em massa de crianças. De certo modo, isto é lamentável, uma vez que se informa perfazerem estes países pobres, encontrados na Ásia, África e América Latina, 75% da população do mundo, mas produzirem apenas 50% do alimento mundial.12

Se estas famílias mais pobres e países menos abastados não desejam morrer de fome ou pedir ajuda às famílias e países mais ricos, deveriam então aceitar os ideais do planejamento familiar.13 A paternidade planejada permite que o casal tenha o número de filhos que tem, sem coerção — seja natural ou oficial. (A população da China, de um bilhão, forçou aquela nação a criar uma lei que responsabiliza criminalmente todo casal chinês que tenha mais de dois filhos.)14

Concluindo, a educação e cuidado de nossos filhos é uma obrigação sagrada. Atinge nossa própria alma, bem como a de nossos filhos. Daí, a necessidade de planejamento adequado. A seriedade do assunto é acentuada em I Tim. 5:8, como segue: “Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos de sua própria casa, tem negado a fé, e é pior do que o descrente.”

Luka Tambaya Daniel, secretário da União-Missão Nigeriana de Lagos, Nigéria

Referências:

1. “World’s 5 Billionth Baby Born in Zagreb”, National Concord (Nigéria), 13 de julho de 1987, pág. 12.

2. Winthrop P. Carty, “Sustainable Development”, New African, janeiro de 1989, pág. 39.

3. Mitchell Beazley, Anatomy of the Earth (Londres: Mitchell Beazley Encyclopaedia Limited, 1980), pág. 90.

4. Carty, pág. 29.

5. Myron Widmer, “The Church on Abortion: Current Suggested Guidelines”, Adventist Review, 25 de setembro de 1986, págs. 14 e 15.

6. Michael Golden, All Kinds of Family Planning (Ibadan, Nigéria: African Universities Press, 1981), pág. 79.

7. Idem, págs. 79 e 80.

8. Idem, pág. 125.

9. “Getting Babies by Choice, Times lntemational (Nigéria), 27 de maio de 1985, pág. 9.

10. Ellen G. White, O Lar Adventista, págs. 164 e 165.

11. “Planned Parenthood”, Family Health Guide and Medicai Encyclopaedia (Pleasantville, N. Y.: Reader´s Digest Association, Inc., 1970), pág. 776.

12. Adetayo Ogunkoya, “Nigeria Just Must Fight Down Population Pressure”, Sunday Times (Nigéria), 23 de março de 1986, pág. 5.

13. Para maiores informações sobre planejamento familiar e métodos de controle de natalidade, os interessados podem telefonar para um centro de planejamento da família.

14. Ogunkoya.

“A situação econômica do mundo, especialmente no denominado Terceiro Mundo, indica diariamente que a Terra não pode suportar sua explosão demográfica. ”

A experiência de mulheres piedosas que nunca tiveram filhos, e a de algumas menos piedosas que foram mães, mostram que nem sempre o argumento de que “os filhos são herança do Senhor” é seguro para não se planejar a família.