A expectativa de que o pastor seja o único conquistador de pessoas para a igreja é antibíblica

Poucos anos atrás, experimentei um período crítico no ministério. Eu estava empenhado em evangelismo, conduzindo um programa após outro, na cidade de Auckland. Tive o privilégio de realizar palestras em diferentes comunidades. Embora o programa fosse recompensador, consumia muito tempo. Depois de realizar três campanhas, uma após outra, emendei uma campanha em uma cidade vizinha. Isso significou ter que viajar aproximadamente durante um mês, saindo de casa mais ou menos às 16h30 e voltando às 22h.

Mesmo com todo esse trabalho, tentei dedicar tempo à minha esposa e meus filhos. Minha esposa nunca se queixou dessa correria, reconhecendo que eu estava “trabalhando para o Senhor”. Entretanto, tornei-me tão absorto no ministério que meu tempo com eles acabou sendo prejudicado. Fiquei exausto e minha disposição não era mais a mesma. À medida que aquele ano começou a desacelerar, certo dia minha esposa e eu fizemos um balanço de nossa vida em uma conversa casual que nos abriu os olhos. O tempo com a família e com nossos queridos realmente nos importava, mas não tínhamos visto nossos familiares naquele ano, porque eu estive muito ocupado. Eu nem mesmo separei um dia especial para ela naquele ano.

Frequentemente os pastores assumem o papel do “cavaleiro solitário”. Pensam que a igreja não andará sem eles. Embora rodeados pelas pessoas, ministramos isoladamente. Assim, não apenas a igreja se torna dependente do pastor, mas frequentemente os pastores dependem da igreja para seu próprio senso de cumprimento do trabalho. Naquele ano, falhei em meu papel de capacitador.

Na verdade, uma das mais importantes funções do pastor é a de capacitador – katartismos. Essa palavra grega aparece apenas em Efésios 4:12, sendo traduzida muitas vezes como “equipar”, aperfeiçoar” ou “preparar”.1 “E Ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (Ef 4:11-13).2

Neste artigo, analisaremos o uso dessa palavra nas Escrituras, a fim de compreendermos mais plenamente seu significado e extrair suas implicações para o pastor.

Mandado bíblico

O verbo katartizó, encontrado 17 vezes na Septuaginta, pode significar “estabelecer” (Sl 74:16); “equipar ou restaurar” (Sl 68:9); e “completar e terminar” (Ed 4:12, 13). Aparece 13 vezes no Novo Testamento e pode significar “restaurar ou consertar” redes de pesca (Mt 4:21); “restaurar um irmão caído” (Gl 6:1); “preparar” (Rm 9:22; Hb 10:5); e “colocar em ordem”, “completar”, “prover” (1Ts 3:10; 1Co 1:10). A palavra sugere fazer alguma coisa funcionar da maneira para a qual foi designada; tirar algo da ineficácia e levá-lo à efetividade.3

O profundo e complexo conceito de katartismos sugere que os pastores são incapazes de realizar sozinhos tudo o que é requerido para cumprir sua função. Toda a igreja deve cumprir esse ideal, mas o pastor deve liderar, motivar, exemplificar, capacitar a congregação, desenvolver e aprimorar um ministério de capacitação na igreja local.4 Quando o pastor cumpre esse papel, o corpo de Cristo é mobilizado por meio do poder do Espírito, e a igreja se torna agente de capacitação.

O pastor, que é o líder para transformação sob a guia do Espírito, necessita de uma visão do que Deus pode fazer na igreja e por meio dela. Ele não deveria trabalhar como um “cavaleiro solitário” ou administrador, mas como um pastor capacitador. O pastor que trabalha segundo o modelo “cavaleiro solitário”, ou gerenciador, não será capaz de prover a visão e liderança voltadas para o crescimento da igreja local. O modelo katartismos tem sua base não apenas no ministério de Jesus e Paulo, mas também na experiência de Moisés (Êxodo 18) designando líderes para grupos de dez, cem, mil. A ideia por trás desse conceito é simples: pastores apascentam a ovelha individualmente, enquanto pastores capacitadores cuidam daqueles que apascentam as ovelhas.5

Embora isso seja verdade, devemos nos lembrar de que Jesus não participou do ministério individual sem a presença de Seus discípulos. Assim, haverá ocasiões em que o pastor estará engajado no ministério individual. Entretanto, a mentalidade prevalecente em muitas igrejas é que o pastor deve cumprir sozinho as obrigações do ministério, especialmente visitação e estudos bíblicos. A expectativa de que o pastor seja o único conquistador de pessoas para a igreja é antibíblica e contraproducente. Porém, essa mentalidade está profundamente enraizada. Enquanto o pastor leva as ovelhas aos pastos verdejantes, uma ovelha deve ajudar outra ovelha.

Quando o pastor capacita os membros, a igreja se torna um centro de treinamento para o ministério.6 Desse modo, eles serão efetivos em favor dos membros do corpo de Cristo, utilizando seus dons espirituais e levando-os à maturidade (Ef 4:14), espiritualidade (v. 15) e unidade (v. 16).

A visão, capacidade missionária e efetividade evangelística da congregação crescem ou diminuem de acordo com a liderança. Líderes ineficientes são iguais a ministérios ineficientes. Em duas igrejas que pastoreei, havia anciãos que tinham estado na liderança durante muitos anos. Eles eram homens bons, cujas ideias tinham acabado. Dei-lhes oportunidade, confiei neles e valorizei a liderança deles, mas percebi que necessitava formar novos líderes. Assim, a comissão de nomeações indicou dois novos anciãos. Eram jovens que amavam o Senhor e Sua causa. Reuni-me regularmente com eles durante alguns meses, treinei-os e designei a eles funções nas quais eles cuidariam de novos ministérios.

Multiplicando ministérios

A Bíblia é um “livro de mensagem” e um “livro de método”.7 Ao investir Sua vida em doze discípulos, especialmente em três deles (Pedro, Tiago e João), Jesus nos deu o método de produzir um ministério frutífero.8

Assim, pastores katartismos reúnem algumas pessoas, ensinam e treinam essas pessoas, durante um ano, a fim de que se tornem obreiros efetivos para o Senhor. Também podem ter um grupo de liderança e discipulado ao qual podem treinar. Com oração, o pastor seleciona o grupo de discipulado, depois de consultar anciãos e membros da comissão da igreja. Muitos desses podem participar do treinamento desse grupo.

Semanalmente, o pastor se reúne com o grupo, para orar, estudar a Bíblia, desfrutar comunhão e compartilhar claramente a visão do discipulado. Depois de um ano, cada pessoa do grupo se unirá a outras duas pessoas, formando uma tríade no discipulado. Depois de dois anos, aqueles que foram treinados continuam estabelecendo novas tríades. O pastor supervisiona todas as tríades; continua a se reunir com o grupo original, talvez trimestralmente. Então, o grupo aumenta à medida que as tríades ou grupos de discipulado se alteram em três ou quatro anos.9

O propósito desses grupos ou tríades é a transformação da igreja em uma eficaz agência de capacitação missionária, inspirá-la e motivá-la a cumprir a ordem do Mestre: “Vão e façam discípulos” (Mt 28:19).

Além disso, nessa estrutura de discipulado, a grande comissão e o grande privilégio serão cumpridos. A grande comissão é a ordem de Cristo: “Vão e façam discípulos.” O grande privilégio é Seu mandado para cuidar das ovelhas: “Pastoreie as Minhas ovelhas” (Jo 21:16). A grande comissão nos chama a fazer discípulos. O privilégio nos chama a cuidar dos discípulos.10 Ambos devem ser conduzidos no contexto de viver, experimentar e proclamar o evangelho eterno (Ap 14:6-12).

Colhemos o que semeamos. Se apenas semeamos métodos que resultam em instrução, mas não em transformação, veremos pobres resultados entre nosso povo. Capacitar é algo mais que pregar cada sábado e ensinar a Bíblia durante a semana. Inclui a aplicação do que pregamos e ensinamos, bem como transformação, à nossa vida e na vida das pessoas entre as quais ministramos.

Como pastores, devemos deixar de ministrar sozinhos. O ministério pertence a todo o povo de Deus.

Referência:

  • 1 Francis Foulkes, Ephesians, Tyndale New Testament Commentaries (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1989), p. 128.
  • 2 De acordo com muitos eruditos, esse é um locus classicus que aponta a coerência da origem, ordem e destino da igreja.
  • 3 H. W. Hoehner, Ephesians: An Exegetical Commentary, (Grand Rapids, MI, Baker, 2002), p. 547-551.
  • 4 Martin Kitchen, Ephesians: New Testament Readings (Londres: Routledge, 1994), p. 119.
  • 5 Joel Comiskey, Leadership Explosion (Houston: Touch Publications, 2000), p. 106.
  • 6 Russell Burrill, Revolution in the Church: Unleashing the Awesome Power of Lay Ministry (Falbrook, CA: Hart Research Center, 1993), p. 29.
  • 7 Greg Ogden, Transforming Discipleship: Make Disciples a Few at Time (Downers Grove, Il: InterVarsity Press, 2003), p. 60.
  • 8 Robert Coleman, The Master Plan of Discipleship (Old Tappan, NJ: Revell, 1963), p. 117.
  • 9 Greg Odgen, Op. Cit.
  • 10 Melvin J. Steinbron, The Lai Driven Church (Ventura, CA: Reagl, 1997), p. 67.