Uma análise da nova teologia da prosperidade.

Periodicamente, emergem no cenário secular novas vertentes de pensamento, práticas e metodologias com a promessa de aprimorar a jornada humana em busca do crescimento pessoal e profissional. Alguns termos como autoajuda, neurociência aplicada e Lei da Atração permeiam as mensagens de “gurus” modernos que ­procuram vender a felicidade e a realização pessoal como se fossem alcançadas por um “passe de mágica”, enquanto eles mesmos lucram exponencialmente com a venda de livros, palestras e cursos on-line.

Só para citar um exemplo, em 2006, Rhonda Byrne tornou-se um fenômeno mundial após o lançamento do seu livro O Segredo, que em poucos meses vendeu mais de 34 milhões de exemplares e foi traduzido para mais de 50 línguas. No prefácio, a autora promete: “Ao aprender o segredo, você descobrirá como pode ter, ser e fazer tudo o que quiser. Descobrirá quem você é de verdade. Descobrirá a verdadeira grandeza que a vida reservou para você.”1 Qual é, afinal, o segredo do livro O Segredo? É simples: “Você pode ter tudo o que deseja, desde que aplique a fórmula pedir+acreditar+receber.”

Infelizmente, essa tendência encharcada de autoajuda também adentrou nas igrejas com uma roupagem denominada teologia coaching. Trata-se de uma filosofia vazia e egocêntrica que promete o ­desenvolvimento pessoal ao mesclar ensinamentos bíblicos com técnicas empresariais. Segundo seus defensores, a teologia coaching consiste em um processo ou conjunto de competências e habilidades voltadas para auxiliar indivíduos a alcançar seus objetivos de vida.2

É importante ressaltar que, de maneira geral, coaching é uma metodologia que utiliza técnicas e conhecimentos de diversas áreas, como administração, gestão de pessoas, neurociência, linguagem ericksoniana, entre outras, com o objetivo de alcançar resultados significativos em um curto período de tempo. No que diz respeito à linguagem ericksoniana, trata-se de uma referência ao psiquiatra americano Milton Erickson, uma das autoridades por trás da programação neurolinguística. Ele desenvolveu a “hipnose consciente”, um processo no qual não há um estado de transe ou entorpecimento, mas o paciente é influenciado por meio de mecanismos linguísticos que o levam à tomada de decisões. Por exemplo, na linguagem ericksoniana, o interlocutor não diz “faça isto”, mas aborda de maneira indireta, como “faz sentido para você isto ou aquilo?” Dessa forma, são plantadas sugestões na mente das pessoas.3

Será que podemos misturar técnicas de coaching com a pregação do evangelho? Quais são os perigos desse modismo para o ministério?

Filosofia coach e o estoicismo

O professor David Fideler, um grande entusiasta moderno do estoicismo, explica que atualmente há um tremendo ressurgimento do interesse popular pelos escritos de Sêneca4 e sua filosofia estoica5. Grande parte desse interesse está relacionada com a preocupação máxima dos estoicos, assim como de outras escolas filosóficas, que era descobrir qual é a melhor maneira de se viver. Segundo a doutrina estoica, a busca pela eudaimonia (a vida que vale a pena ser vivida) passa pelo controle das paixões fortes, aquelas capazes de dominar a personalidade.

O discurso estoico é a base de boa parte dos coaches modernos. Ideias como “viva de acordo com o propósito natural de sua existência” e “busque o autocontrole”, por exemplo, derivam dessa escola. Apesar de ter seu valor na vida prática, é importante observar que, para o pensamento estoico, a felicidade depende unicamente do indivíduo. Cada pessoa é capaz de manter sua eudaimonia em qualquer situação, se for treinada para isso.

Infelizmente, muitos pregadores famosos, impulsionados principalmente pelas redes sociais, abraçaram essa abordagem superficial e antropocêntrica “que trata o homem, seus desejos materiais e/ou carências emocionais como o foco da pregação e do ministério pastoral ao oferecer, por meio de textos bíblicos mal utilizados, uma narrativa divina que centraliza o homem ao dizer que ele é capaz em poder e importante em valor.”6

O problema é que, em vez de aliviar o sofrimento das pessoas, essa pregação tem causado um efeito contrário. De acordo com o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, enfermidades como depressão e Síndrome de Burnout “não são causadas pela negatividade de algo diferente, mas sim pelo excesso de positividade”.7 O desejo e a busca desenfreada por riqueza e sucesso têm levado as pessoas a um estado de esgotamento físico, mental e consequentemente espiritual. Alguns pregadores e igrejas perceberam, corretamente, que pessoas estão doentes pela idolatria do sucesso, desempenho e positividade; entretanto, em vez de oferecerem o bom e tradicional evangelho bíblico, estão alterando a mensagem divina para um outro evangelho, que é emocional e antropocêntrico. Portanto, em vez de os promotores da teologia coaching levarem as pessoas aos “pastos verdejantes e águas tranquilas” do puro evangelho, têm conduzido seus ouvintes a mais preocupação e vazio.

Paulo e os estoicos

Em Filipenses 4:10 a 13, o apóstolo Paulo parece ecoar o pensamento estoico quando diz: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação” (v. 11). Ele chega a dizer que sabe o que é passar necessidade e sabe também o que é ser rico. Nada abalava sua fé. No entanto, àqueles que relacionam Paulo aos estoicos, o verso 13 encerra o argumento ao declarar explicitamente que, se ele conseguiu manter-se fiel na pobreza e íntegro na riqueza, tudo foi graças à força que Jesus Cristo lhe concedeu. Este era o segredo de Paulo: “Tudo posso Naquele que me forta­lece” (v. 13).

Sem dúvida, esse é um dos textos mais mal utilizados de toda a Bíblia. Muitas vezes, esse trecho é interpretado de forma triunfalista para afirmar que podemos fazer qualquer coisa porque Deus nos fortalece. Mas será que isso é realmente o que Paulo quis dizer? Será que podemos comprar um carro novo porque Deus nos fortalece? É possível ficarmos ricos buscando a força divina? Ou ainda, podemos mudar nosso mindset por que Deus nos fortalece?

O segredo da vitória de Paulo sobre as mais diversas e adversas circunstâncias não foi resultado de um treinamento que o habilitou a controlar emoções e paixões extremas. Paulo não fez um curso de teologia coaching. Ele não alcançou sua eudaimonia pelos próprios ­méritos, ­pensamentos ou capacidades, mas reconheceu que sua força vinha de Deus. Isso mostra que o foco da pregação paulina não estava na sabedoria humana, mas no poder do Senhor.8 Sua mensagem não era uma palestra motivacional voltada para o bem-estar das pessoas, mas uma exposição do verdadeiro evangelho bíblico, que inclui ensino, santificação, renúncia, correção e, principalmente, a cruz de Cristo (2Tm 3:16; 1Co 2:1-5).

A explicação de Paulo aos filipenses atinge vários grupos que nutrem visões equivocadas da fé e do próprio Deus. Como uma extensão da teologia da prosperidade, a teologia coaching se conecta, surpreendentemente, com pessoas de inclinação legalista (que representa uma distorção da fé) e, ao mesmo tempo, também comunica às pessoas que procuram um Deus adaptável, flexível, que assume a forma que cada indivíduo deseja (uma distorção do caráter de Deus).

Espiritualidade deformada

Uma das ênfases mais fortes da teologia coaching é a ideia de desenvolvimento pessoal, que serve como elo entre as retóricas religiosa e empresarial. A junção dessas retóricas é uma expressão modernizada da antiga teologia da prosperidade, que associa o sucesso financeiro e profissional com a aprovação divina.

A teologia coaching herdou de sua “mãe” – a teologia da prosperidade – a visão dicromática do legalismo, que resume o processo de santificação em fazer ou não determinadas coisas. A lógica legalista compreende que “a relação do homem com Deus se fundamenta na lei, o homem procura conquistar justiça diante de Deus e produzir em si mesmo aquela qualidade religiosa capaz de ganhar o favor de Deus e ser por Ele aceitável.”9 O foco do pensamento legalista é o desenvolvimento espiritual a partir de práticas específicas, uma cartilha de procedimentos que, ser for seguida fielmente, levará o praticante à perfeição moral. Essa mesma lógica funciona quando os pregadores coaching ensinam os passos necessários para uma vida bem-sucedida.

Embora tenha sido criada por Essek William Kenyon na década de 1930, Kenneth Hagin se tornou o grande expoente da teologia da prosperidade. Ele “afirmou que teve uma revelação, na qual Jesus lhe falou: ‘Qualquer pessoa, em qualquer lugar, que der estes passos ou colocar em prática estes três princípios (diga, receba e conte), essa pessoa sempre receberá o que quiser de Mim ou de Deus, o Pai’”.10

Vale destacar que, em nenhum momento, a Bíblia desvaloriza o esforço humano. Pelo contrário, Paulo afirma: “Esforçando-me o mais possível, segundo o poder de Cristo que opera poderosamente em mim” (Cl 1:29). Isso significa que há lugar para a prática de boas obras na vida cristã. No entanto, o apóstolo deixa claro que nem todas as obras são boas, especialmente “as obras da carne (Rm 8:3-10), que são desdobramentos da natureza humana pecaminosa e as obras da lei (Rm 3:28; Gl 2:16; Ef 2:9), que são realizadas na esperança de ganhar a salvação”.11 Portanto, a ideia de que podemos fazer coisas (ou deixar de fazer) para receber benefícios de Deus (financeiros ou o sucesso, como propaga a teologia coaching), em uma espécie de barganha, não é bíblica.

O outro lado dessa moeda é a maneira como a teologia coaching flexibiliza os padrões morais de Deus. O liberalismo se reflete no pensamento empresarial que permeia a espiritualidade coaching, dando a entender que é possível customizar Deus ao gosto de cada indivíduo. Nessa abordagem, Deus é quem precisa Se encaixar à realidade das pessoas – seus prazeres, seus hábitos, suas preferências – em vez de elas aceitarem a transformação que Ele precisa operar. No centro da espiritualidade do coaching não está o Deus trino, mas o ser humano.

Uma vez que Deus e Sua Palavra deixam de ser o centro, abre-se espaço para o humanismo cristão, uma forma de cristianismo no qual tudo orbita em torno do ser humano. Nesse contexto, a mensagem do evangelho, que “é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16), dá lugar ao discurso terapêutico de autoajuda. Tomar a cruz de Cristo e segui-Lo torna-se uma mensagem impopular. Obediência e juízo são alegorizados; o importante mesmo, segundo essa lógica, é ser uma pessoa boa, que pratica boas ações. O liberalismo teológico, portanto, está no coração da teologia coaching, pois ela depende de uma leitura distorcida da doutrina do pecado para sustentar uma ética não bíblica.

Conclusão

A teologia coaching prega o oposto de Paulo e é por isso que precisamos tomar cuidado com esse modismo que perverte as Escrituras, o qual ensina que a força vem de nós, que somos campeões, o centro, o ponto fraco de Deus. Em realidade, somos pecadores que necessitam desesperadamente da graça divina e do sangue remidor do Cordeiro. O poder vem do alto, não da autoajuda. Ellen White escreveu: “Em Deus existe força para todos vocês. Mas nunca sentirão necessidade dessa força que unicamente pode salvá-los, a não ser que reconheçam sua fraqueza e pecaminosidade.”12

Não somos coaches, somos pregadores do evangelho. Nossos membros não são clientes, são ovelhas que precisam ser pastoreadas. O conteúdo de nossa mensagem não é para entreter as pessoas ou torná-las melhores, mas para conduzi-las à transformação ao pé da cruz. Paulo escreveu: “Porque decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e Este, crucificado” (1Co 2:2). Eu oro para que tenhamos a coragem de praticar esse “segredo” de Paulo.

Fabrício Mello, capelão em Padre Miguel, RJ

Referência

Rhonda Byrne, O Segredo (Rio de Janeiro: Sextante, 2015), p. 7.

Citado por Valmir N. M Santos, “A Teologia Coaching e Seus Perigos”, Jornal Mensageiro da Paz 1638 (2021), p. 16.

Alan R. Alexandrino, “Teologia do Coaching”, Teologia Brasileira, disponível em <link.cpb.com.br/48bf4e>, acesso em 10/4/2024.

Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio são os três escritores estoicos mais conhecidos.

David Fideler, Estoicismo e a Arte da Felicidade (Capão Bonito, SP: Nascente, 2022), p. 9.

Yago Martins, Pedro Pamplona e Guilherme Nunes, Você é o Ponto Fraco de Deus (São Paulo: Mundo Cristão, 2023), p. 26.

7 Byung-Chul Hang, Sociedade do Cansaço (Petrópolis, RJ: Vozes, 2015), p. 3.

Ao exaltar o poder de Deus e Sua sabedoria em 1 Coríntios 2:1 a 5, Paulo se opõe ao estoicismo, uma das principais linhas filosóficas de sua época, uma vez que os estoicos têm por finalidade justamente a sabedoria.

Gustaf Aulen, A Fé Cristã (São Paulo: Aste, 1965), p. 252.

10 Kenneth E. Hagin, citado por Luis A. S. Rossi, Origem do Sofrimento do Pobre: Teologia e Anti-teologia no Livro de Jó (São Paulo: Paulus, 2017), p. 54.

11 George W. Knight, Eu Costumava Ser Perfeito (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2016), p. 50.

12 Ellen G. White. Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2024), v. 1, p. 232.