Elbio Pereyra
A razão deste artigo é a de complementar o anterior com três afirmações básicas. As evidências favorecem a posição de que alguns escritores bíblicos fizeram uso de outras fontes fora da revelação. A originalidade não é prova absoluta de inspiração. O uso de materiais de outros por parte de um profeta ou escritor inspirado é apropriado.
Uso Bíblico de Fontes Adicionais à Revelação
Quando no fim de 1901 e no começo de 1902 se descobriu a esteia de Hamurabe, os eruditos bíblicos ficaram espantados com a semelhança entre algumas leis contidas no referido código e o mosaico.1 O de Moisés é posterior, e, portanto, não se pode asseverar que Hamurabe se apoderou de idéias de Moisés. Abraão possuía um código cujos preceitos haviam sido dados por Deus. Desconhecemos sua extensão, alcance e especificações. Temos somente as breves referências do texto que nos transmitiu a informação.2 Alguns procuram ver no código mosaico algumas idéias tiradas de Hamurabe e de outros códigos vigentes no tempo de Moisés. A explicação seria a que está implícita na Palavra de Deus e é realçada posteriormente por Ellen G. White. Todo o bem que possa surgir do pensamento humano procede, em última instância, do Originador da verdade, que é Deus. 3
Obadias e Jeremias têm palavras e frases idênticas.4 “Alguns trechos são tão parecidos . . . que se afigura que seu autor citou o outro. ”5 O Comentário Bíblico Adventista continua dizendo que é praticamente impossível determinar qual dos dois seria o original e que, provavelmente, tal semelhança se deve à colaboração de ambos. Os dois profetas a incluíram em seus respectivos escritos. Isso requereria aceitar que Jeremias e Obadias eram contemporâneos, do que existem evidências, mas não claras provas bíblicas.
E um fato que alguns escritores bíblicos usaram materiais de outros, não somente de colegas, mas também de autores extrabíblicos. Se bem que se poderia aceitar sem problemas que a semelhança entre os dois profetas mencionados mais acima se deve a que Deus deu a ambos a mesma mensagem, não seria tão apropriado aplicar o mesmo critério às semelhanças que existem entre Jeremias e o Segundo Livro dos Reis.6 Não se trata aqui de profecias, e, sim, de relatos históricos que podiam ser extraídos dos registros oficiais. As evidências do caso nos levam a pensar que um dos autores havia sido protagonista dos fatos e o segundo usou o material daquele para seu livro.
Ellen G. White disse que “no Apocalipse todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem.”7 Poucos livros da Bíblia refletem mais a outros escritores bíblicos do que este. Contém citações e alusões de 28 dos 39 livros do Velho Testamento, o que representa mais de 5(X) referências, citações e alusões, especialmente de Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Zacarias, Joel, Amós e Oséias. Os Salmos e o Pentateuco não estão ausentes.8 Um estudo comparativo do Apocalipse com os capítulos finais de Ezequiel revelará que o primeiro contém muito material do segundo, especial mente em relação com algumas profecias condicionais que não se cumpriram em Israel, mas terão cumprimento final na consumação do conflito entre o bem o mal, ou na Nova Terra.
Quanto aos Evangelhos, diz-se que somente 24 versículos de S. Marcos não têm seus correspondentes em S. Mateus e S. Lucas. S. Marcos e S. Mateus são muitos parecidos. A semelhança dos Evangelhos indica que houve alguma fonte comum. A identidade de palavras não constitui mero acidente. Alguns escritores bíblicos haviam tomado emprestado alguns pensamentos de autores extrabíblicos, ou haviam estado tão familiarizados com eles que os refletem em seus escritos. É o que acontece também com os prega-dores, nos quais a absoluta originalidade quase não existe. Refletimos as fontes de conhecimento próprias de nossa cultura e de nossa educação. As idéias extraídas de comentários, dicionários, dos escritos de Ellen G. White, etc., afloram nos sermões e podem ser detectadas com facilidade. Alguns evangelistas usam os mesmos títulos e idênticas apresentações de outros que, por sua vez, refletem as de terceiros. Um professor do Seminário Teológico costumava dizer que se alguém toma o pensamento de um autor e faz uso dele, dirão que é um plagiador; mas se numa pesquisa, alguém cita 20 autores, considerá-lo-ão erudito.
Paulo reflete a cultura de sua época em seus escritos, bem como em sua própria formação educacional. “As más conversações corrompem os bons costumes , escreveu ele aos coríntios. Trata-se de um pensamento extraído de Thais, obra do comediante grego Menandro, que o precedeu neste mundo por três séculos.9 Não há evidências de inspiração divina no poeta grego, nem de que Paulo recebeu o adágio por revelação divina. O pensa-mento que aparece em Tito1: 12 é do cretense Epimênides, que viveu uns seis séculos antes de Paulo.10 Em Atos 17:28 o apóstolo cita a Arato, poeta do terceiro século antes de Cristo. Como toda a Bíblia é “divinamente inspirada”, essas partes formuladas por pagãos chegaram a sê-lo porque Paulo as citou e Lucas e ele as registraram nas Escrituras. A diferença noutros casos, como as citações de livros apócrifos por parte de Judas e João, reside unicamente no fato de que nesses casos são citados autores religiosos.
O texto do primeiro livro de Enoque, citado por Judas, sem crédito, diz o seguinte:
“Eis que Ele vem com dez milhares de Seus santos para executar juízo sobre todos e para destruir a todos os ímpios, e para convencer toda carne no tocante a todas as suas obras de impiedade cometidas, e de todas as coisas duras que os pecadores ímpios proferiram contra Ele.””
Essa declaração de um livro não canônico passou a ser inspirada porque o apóstolo a incluiu em seu livro inspirado.
Palavras, idéias, expressões e figuras do Livro de Enoque, por exemplo, são refletidas no Novo Testamento mais do que poderia imaginar-se, particularmente nos Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Coríntios, Efésios, Colossenses, Timóteo e Hebreus. Quando se chega ao Apocalipse, as semelhanças são muito mais comuns. Notemos alguns exemplos:
1. Apoc. 1:14: “A Sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os olhos, co-mo chama de fogo. ” Enoque 106: 10; 46:1: “A cor de Seu corpo é branca como neve . . . e o cabelo de Sua cabeça é branco como lã branca, e Seus olhos são como os raios do Sol. ” (O contexto é totalmente diferente.)
2. Apoc. 7:9: “Depois destas coisas vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, . . . em pé diante do trono. ” Enoque 40:1: “Depois destas coisas olhei, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar …, em pé diante do Senhor dos Espíritos.
3. Apoc. 17:14: “O Senhor dos senhores e o Rei dos reis. Enoque 9:4: “O Senhor dos senhores, Deus de deuses e Rei de Reis.
4. Apoc. 21:1: “Vi novo céu e nova Terra, pois o primeiro céu e a primeira Terra passaram. Enoque 91:6: “E o primeiro céu passará, e não será mais, e aparecerá novo céu.”
Notai a semelhança entre as Idéias de algumas declarações de Paulo e as do livro epócrifo, Sabedoria de Salomão. A seqüência é a seguinte: Deus Se revela na Natureza, os homens O rejeitaram e adoraram ídolos tirados da Natureza, e essa rejeição os levou a toda espécie de pecados. (Ver Pág. 18)
Não apresentamos estes exemplos para afirmar que Paulo usou as idéias de outros. Estas semelhanças podem ser simples coincidências, reminiscências de materiais lidos ou recebidos de seus professores, senso comum manifestado numa mente iluminada, esclarecimento ou iluminação do Espírito.
Ellen G. White usou mate-riais de outros autores; isto é evidente nalgumas de suas obras. As razões poderiam ser as seguintes;
1. Sua escassa preparação acadêmica de apenas uns três anos de instrução primária que terminou aos nove anos de idade. Ela revela em mais de uma ocasião que não se sentia bem por carecer de melhor instrução, educação e capacidade para transmitir as mensagens recebidas.
“Oh, quão ineficiente, quão incapaz me sinto para expressar o que arde em minha alma em relação com a missão de Cristo! . . . Não sei como exprimir ou traçar com a pena o grande assunto do sacrifício expiatório. Não sei como apresentar os assuntos com o vivido poder com que me são apresentados. Estremeço diante do receio de reduzir com palavras deficientes o grandioso plano de salvação. 13
2. Sua admiração pela maneira como outros escreviam sobre os mesmos assuntos, e outras razões práticas.
“Ela considerava que era tanto um prazer como uma vantagem e uma economia de tempo usar a linguagem deles, em sua totalidade ou em parte [Refere-se a Fleetwood, Farrar, Geike, Andrews], ao apresentar o que ela sabia por revelação e que queria transmitir a seus leitores. 14
3. A necessidade de preencher as lacunas produzidas entre os assuntos básicos que lhe haviam sido revelados e os fatos de conhecimento geral contidos em boas obras de renomados autores sobre História, em especial, e outros assuntos.
A originalidade, pois, não é uma condição indispensável na inspiração. Os autores bíblicos utilizaram materiais de seus colegas, de outros autores religiosos e, como notamos em Paulo, até de escritores seculares. A Bíblia contém muito material que é pura revelação. O homem jamais poderia haver chegado a conhecer muita coisa do que agora conhece se Deus não lho houvesse revelado.
Mas a Bíblia contém muito material que não chegou até nós, necessariamente, por revelação. Nela figuram uma porção de fatos históricos para ensinar-nos lições práticas.15 Nalguns deles percebemos claramente a intervenção divina. Os autores os deixaram escritos porque Deus o quis. Transmitiram-nos com suas próprias palavras e, quando necessário, recorreram a fontes conhecidas para documentar ou reforçar seus escritos. Os estudantes da Bíblia estão familiarizados com a expressão “economia de milagres”. A idéia implícita é a seguinte: Deus não revela ao homem o que ele pode conhecer por si mesmo, pois isso, na verdade, não é revelação.
Referências
1. The SDA Bible Commentary, vol. 1 págs. 616-619. (Em castelhano, págs. 628-631.)
2. Gênesis 26:5.
3. S. Tiago 1:17; EGW, MS 25, 1890; Educação, págs. 13 e 14. As declarações de Ellen G. White aparecem no artigo anterior.
4. – Jer. 49:7 e Obadias 8; Jer. 49:9 e 10 e Obadias 5-6; Jer. 49; 14:16 e Obadias 1-4. Ver também Ezeq. 25:12-14.
5. The SDA Bible Commentary, vol. 4, pág. 519.
6. Jer. 52:1-27 e II Reis 24:18-20; Jer. 52:31-34 e II Reis 25:27-30.
7. Atos dos Apóstolos, pág. 584.
8. The SDA Bible Commentary, vol. 7, págs. 724 e 725; T. H. Jemison, A Prophet Among You, págs. 6-11; Taylor Bunch, Signs of the Times, 28 de maio de 1946.
9. 1. Cor. 15:33. Ver The SDA Bible Commentary, vol. 6, pág. 808; Bruce M. Metzger, The Apocrypha, pág. 171.
10. The SDA Bible Commentary, vol. 6, pág. 354; Metzger, op. cit.
11. Judas 14 e 15 e I Enoque 1:9; The SDA Bible Commentary, vol. 7, pág. 708.
12. Ver Rom. 9:20-22 e Sabedoria 12: 12; 15:7; 12:20; Efés. 6:13 e 14-17, e Sabedoria 5:17, 18 e 20; II Cor. 5:1 e 4 e Sabedoria 9:15.
13. Carta 67, 1894.
14. W. C. White, Carta a L. E. Froom, em 8 de Janeiro de 1928; Selected Messages, livro 3, pág. 460.
15. Rom. 15:4; I Cor. 10:1-12; S. João 21:24 e 25; 20:30 e 31; S. João 5:39.
Romanos
(A Bíblia na Linguagem de Hoje)
“Desde que Deus criou o mundo, Suas qualidades invisíveis, tanto Seu poder eterno como Sua natureza divina, têm sido claramente vistos. E os homens podem ver tudo isso no que Deus tem feito. Por isso eles não têm desculpa nenhuma. Cap. 1.20.
“Embora conheçam a Deus, não Lhe dão a honra que merece, e não são agradecidos a Ele. Ao contrário, seus pensamentos se tornaram absurdos, e suas mentes vazias estão cheias de escuridão. ” Cap. 1:21.
“Dizem que são sábios, mas são loucos. Em vez de adorarem o Deus imortal, adoram imagens que se parecem com homens, ou com pássaros, ou com animais, ou com bichos que se arrastam. ” Vs. 22 e 23.
“Por causa do que esses homens fazem, Deus os entregou às paixões vergonhosas.
V. 26.
“Estão cheios de perversidade, maldade, avareza, vícios, ciúmes, crimes, lutas, mentiras, e malícia. Difamam e falam mal uns dos outros. Odeiam a Deus e são atrevidos, orgulhosos e vaidosos. Inventam muitas maneiras de fazer o mal. Desobedecem aos pais, são imorais, não cumprem a palavra, são malvados e não têm pena dos outros. Vs. 29, 30 e 31.
Sabedoria de Salomão
(Versão de Matos Soares)
“Porque pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente chegar ao conhecimento do seu Criador.” Cap. 13:5.
“Mas, por outra parte, nem eles merecem perdão. Porque, se chegaram a ter luz bastante para poderem fazer uma idéia do Universo, como não descobriram mais facilmente o Senhor dele?” Cap. 13:8 e 9.
“São vaidade todos os homens em que não se acha a ciência de Deus, e que pelos bens visíveis não chegaram a conhecer Aquele que é, nem, considerando as Suas obras, reconheceram quem era o Artífice. ” Cap. 13:1.
“Porque andaram largo tempo vagabundos, no caminho do erro, tendo por deuses os mais vis dentre os animais, vivendo à maneira de meninos sem razão. Cap. 12:24.
“Não conservam puros nem o seu proceder, nem os seus matrimônios, mas um mata o outro por inveja ou o ultraja com o adultério. Cap. 14:24.
“E todos os crimes se acham de mistura, o sangue, o homicídio, o furto e o engano, a corrupção e a infidelidade, a turbação e o perjúrio, a perseguição dos bons, o esquecimento de Deus, a contaminação das almas, os crimes contra a natureza, a inconstância dos matrimônios, as desordens do adultério e da impudicícia. Porque o culto dos ídolos abomináveis é a causa, o princípio e o fim de todo o mal. Vs. 25, 26 e 27.12