Ao aceitar dialogar com outras denominações cristãs, a Igreja Adventista jamais teve o propósito de buscar unidade a qualquer custo

A Igreja Adventista do Sétimo Dia não existe para viver isolada de outras comunidades cristãs. As tendências sociais e religiosas do mundo cristão exercem impacto sobre nós; elas nos forçam a decidir como deveríamos nos relacionar com elas mesmas e com seus desafios. A preocupação cristã a respeito da unidade da Igreja, apregoada particularmente através do Conselho Mundial de Igrejas, exige de nós uma posição definida nesse importante assunto. Certamente, “nenhum adventista pode se opor à unidade pela qual Cristo orou”.1

Como Igreja, temos conversado com outras comunidades cristãs e até participado com elas em atividades específicas, tais como a promoção de liberdade religiosa através do mundo. Embora compreendamos a sua necessidade, utilidade e importância, temos entrado nesse diálogo com alguma apreensão. Estamos preocupados com a natureza da unidade perseguida e quanto aos métodos empregados na tentativa de consegui-la.2

Há muito debate no movimento ecumênico sobre a unidade da Igreja. Tradicionalmente essa unidade tem sido compreendida como “concordância na confissão de fé, mutualidade nos sacramentos e no ministério eclesiástico, modelo comum de culto, testemunho e serviço à comunidade, habilidade para falar e agir em conjunto diante de tarefas e desafios concretos, dimensão local e universal da unidade eclesiástica, unidade bem como diversidade”?

Essa compreensão de unidade eclesiástica é incompatível com o nosso pensamento, especialmente porque nos consideramos chamados a ser um movimento reformador, dentro de uma moldura profética. O tipo de unidade expresso nessa declaração ignora o dano que a apostasia causou ao cristianismo e não tenta remediá-lo.

Portanto, os adventistas são relutantes no que tange a envolvimento oficial com o movimento ecumênico organizado.

Modelos de unidade

Nos círculos ecumênicos, são propostos três modelos específicos de unidade:4

O primeiro é o Modelo Corporativo-Federativo. É considerado o tipo mais elementar, no sentido de que não trata de comunhão de fé, sacramentos, culto e ministério. Esses são temas de grande preocupação no movimento ecumênico; de modo que, por isso, esse não pode ser considerado um modelo de unidade cristã?

Esse modelo consiste no desenvolvimento de uma confederação ou aliança de igrejas, objetivando um trabalho conjunto em favor de interesses comuns. A identidade e a autonomia de cada Igreja são preservadas e respeitadas. Os adventistas têm permanecido abertos a um possível envolvimento com uma tal federação, porque ela não ameaça a missão nem a mensagem da Igreja. Particularmente esse é o caso da França, com nossa participação na Federação Protestante Francesa.

O segundo modelo é chamado Modelo de Reconhecimento Mútuo. Uma das metas principais do diálogo ecumênico é a compreensão, por parte das igrejas participantes, de que todas elas são uma expressão genuína da única igreja de Cristo em sua plenitude.6

Entre os católicos a situação é muito diferente. Na teologia católica, a única igreja de Cristo subsiste em sua plenitude apenas na Igreja Católica: “A única igreja de Jesus Cristo está concretamente real e presente na Igreja Católica Romana, na comunhão com o papa e com os bispos em comunhão com ele. Nessa afirmação reside o nervo do diálogo ecumênico.”7

De acordo com a teologia adventista, a única igreja de Cristo não subsiste em qualquer Igreja ou denominação em particular. Essa postura eclesiástica fundamental toma praticamente impossível nos tomarmos parceiros em qualquer diálogo que tenha em vista a unidade com outro organismo cristão. Cremos que a única igreja de Cristo é fundamentalmente invisível, difundida através dos diferentes segmentos cristãos. Embora entendamos que a igreja apostólica era plenamente visível, também reconhecemos que ela logo se tomou largamente invisível como resultado da apostasia.

No pensamento adventista, o alvo do verdadeiro ecumenismo é a restauração das verdades bíblicas rejeitadas ou ignoradas por diversos organismos cristãos. Conseqüentemente, os adventistas se vêem como um movimento de reforma, destinado a chamar os cristãos de volta às Escrituras como o único fundamento de fé e prática, e à restauração da verdadeira fé apocalíptica. Poderíamos sugerir que os adventistas consideram sua missão “ecumênica” como um instrumento para tornar novamente visível a igreja invisível, antes da volta de Jesus, no desfecho do conflito cósmico na Terra.

O terceiro modelo de unidade eclesiástica é o Modelo de Unidade Orgânica. Embora ele seja possivelmente o alvo final do diálogo ecumênico, parece ser um ideal que nunca será completamente atingido.

“Em contraste com os modelos cooperativo-federativo e reconhecimento mútuo, o modelo de unidade orgânica exclui estritamente a possibilidade de independência institucional, confessional, de forma e identidade dentro da unidade cumprida. Esse é o aspecto patético deste modelo. Quando as igrejas que vivem no mesmo território entrarem numa união orgânica, elas cessam de existir como entidades institucionalmente identificáveis. O que surge é uma única igreja com sua própria identidade. A lealdade de seus membros pertence agora a essa única igreja, e não às respectivas igrejas de onde eles vieram e pelas quais a união foi formada.”8

Aí está um modelo de unidade problemático para a maioria das comunidades cristãs, considerando que ele requer mudanças radicais e a perda, em grande parte, da identidade eclesiástica. Na verdade, ele é incompatível com a mensagem e a missão da Igreja Adventista. Ao lado disso, não parece ser prevalecente entre os círculos ecumênicos, mesmo apresentado como um ideal. Tem sido largamente substituído pela busca por “unidade visível”.

Igreja solidária

Existe agora um interesse no que pode ser chamado de Modelo de Igreja Solidária, baseado no modelo de reconhecimento mútuo.9 Igrejas possuindo diferentes confissões poderiam desfrutar a unidade solidária com ou sem unidade orgânica. De acordo com esse modelo, a identidade confessional não precisa ser renunciada, mas reconhecida e aceita como uma expressão da fé apostólica e vida da igreja. O que deve ser eliminado são a “perspicácia e profundidade divisória”.10

O conceito de solidariedade embutido nesse modelo está fundamentado sobre “uma compreensão comum do evangelho e sua correta transmissão na proclamação da Palavra e dos sacramentos”. Trata-se de um conceito muito similar ao conceito católico de comunhão, com a visão ecumênica.12 Os católicos têm notado que seu diálogo bilateral usualmente “define a unidade visível de todos os cristãos como uma unidade de comunhão, e concordam em compreendê-la não como uniformidade, mas como unidade na diversidade e diversidade na unidade”.13

Mas ainda consideramos inaceitável esse modelo. Há pensamentos que são distorções da fé apostólica. No pensamento adventista é praticamente impossível separar a compreensão do evangelho de outras afirmações doutrinárias. As doutrinas adventistas não são unidades independentes, mas um corpo que expressa um sistema completo de verdades centralizadas em Jesus. Quando as doutrinas são vistas como uma totalidade, elas transmitem uma teologia que é muito maior que suas partes.

Riscos

O envolvimento adventista em conversações interdenominacionais jamais teve o propósito de buscar unidade a qualquer custo com outras igrejas. Temos usado tais oportunidades com o objetivo de partilhar nossa verdadeira identidade e nossa missão, e como um meio de eliminar incompreensões e preconceitos contra nós. Nessa tarefa, o Conselho de Relacionamento Inter-confessional da Associação Geral desempenha um significativo papel. Na verdade, ele tem se mostrado de grande valor para a Igreja e a tem representado com dignidade e respeito.

Todas as conversas, formais ou informais, contêm riscos e benefícios. Enumeramos abaixo alguns riscos:

Comprometimento da unidade eclesiástica. Vivemos em uma época de suspeita e medo de conspirações. E alguns membros na igreja vêem conspiração em tudo o que os nossos líderes e teólogos fazem. Geralmente ouvem que a Igreja está conversando com outra denominação e logo suspeitam de que nossas crenças estão sendo alteradas ou comprometidas.

Em outros casos, eles talvez percebam o envolvimento da Igreja em qualquer diálogo interconfessional como uma ameaça à nossa missão, particularmente no contexto dos últimos acontecimentos. O risco poderia ser minimizado se houvesse melhor comunicação entre os líderes e os membros sobre as razões de tais encontros.

Comprometimento doutrinário. Os que estão dialogando com outras denominações podem ser tentados a não enfatizar muito as diferenças e enfatizar as semelhanças. Na verdade, isso parece ser parte da psicologia do diálogo interdenominacinal envolvendo o Conselho Mundial de Igrejas.

Sempre existe o risco de dar pouco destaque às diferenças, com o objetivo de tomá-las mais palatáveis ao parceiro da conversação. Portanto, é muito importante para a Igreja que as pessoas escolhidas para dialogar conheçam bem o que cremos, estejam pessoalmente comprometidas com nossa mensagem e não se envergonhem dela. Tais indivíduos não deveriam ir às reuniões para comprometer nossas crenças, mas para nos representar com o melhor de suas habilidades.

Comprometimento evangelístico. O fato de nos aproximarmos de outras igrejas poderia dificultar nossa missão em relação a elas. É tentador concluir que uma vez que os crentes dessas comunidades são bons cristãos, temos pouco ou nada para lhes oferecer. Por que deveríamos convidá-los a se tomarem adventistas? Porventura nos sentiríamos livres para falar aos membros daquelas igrejas que o evangelho e a lei não estão em oposição mútua, ou que o ensinamento dos seus pastores a respeito do sábado e da volta de Jesus é falso?

Portanto, é importante que enfatizemos não apenas nossas doutrinas e mensagem, mas também nossa missão. Os demais cristãos têm de compreender que temos um papel específico a desempenhar no mundo religioso, e que nosso alvo não é uma comunidade particular, mas todo o mundo. Nossa missão é levar a mensagem a todo povo, língua e nação. Deveríamos deixar claro que proselitismo não é errado, mas um aspecto intrínseco da liberdade com a qual Deus contemplou a raça humana, e uma forma saudável de conservar o equilíbrio na diversidade que é crítica para a busca da verdade.

Benefícios

Apesar dos perigos potenciais, os encontros com outros cristãos também possibilitam benefícios:

Partilhar a mensagem adventista. Ao nos aproximarmos de outras pessoas fora do nosso círculo denominacional, deveríamos fazê-lo como parte de nosso trabalho missionário, partilhando as nossas crenças. É nossa responsabilidade informar o mundo cristão sobre as razões pelas quais existimos como uma Igreja.

A ênfase que damos aos temas relacionados com o fim dos tempos requer que nossa mensagem seja bem conhecida pelo mundo cristão. Temos que aproveitar toda oportunidade para apresentar a outros o que proclamamos como verdades para este tempo.

Apresentar a verdade de forma atrativa. Um dos principais benefícios da conversa com outros cristãos é que somos desafiados a examinar nossos ensinamentos e buscar maneiras para expressá-los de um modo simpático. Tudo o que vamos oferecer deve ser cuidadosamente examinado e avaliado, para que resulte persuasivo e convincente.

A confrontação de idéias diferentes e irreconciliáveis às vezes é inevitável; mas elas devem ser apresentadas de modo atraente. A proclamação de qualquer verdade particular deve ter como propósito fazer amigos, não inimigos. Isso não significa que devemos sacrificar a verdade pela amizade, mas que todo esforço deve ser feito para apresentá-la numa embalagem atrativa. Ou seja, devemos apresentar a mensagem de tal modo que ela seja compreendida facilmente, levando as pessoas a concluírem que, embora discordem da nossa posição, o que falamos faz sentido e tem uma base bíblica.

Aproveitar a informalidade para esclarecer questões. A parte da apresentação de estudos e materiais de pesquisas sobre nossa mensagem e missão, sempre há oportunidades para conversa informal. Esses momentos importantes nos dão a chance de falar mais livremente do que em um encontro formal. Normalmente nossos parceiros têm muitos tópicos sobre os quais se sentem livres para questionar apenas enquanto caminhamos juntos durante o intervalo, ou participamos de uma refeição.

Em tais reuniões, nós nos conhecemos melhor e, ocasionalmente, as questões sensíveis são levantadas atrás das cenas, entre amigos. Aqui, o testemunho toma a sua dimensão pessoal, num momento em que a confrontação está em seu ponto mais baixo.

Eliminar preconceitos. O diálogo inter-confessional também é útil para darmos informações que ajudarão a eliminar preconceitos contra a Igreja. Em alguns casos, o preconceito é tão forte que se toma difícil para nossos interlocutores aceitar o que dizemos sobre nossa verdadeira posição diante de um assunto teológico em particular. Idéias preconcebidas não lhes permitem ouvir-nos.

Por outro lado, como adventistas, podemos também ter informações falsas ou imprecisas a respeito de outras igrejas. Só a verdade é mais efetiva no tratamento com outros. Falsos estereótipos e falta de informação correta enfraquecem o testemunho. O propósito da conversação é precisamente criar um ambiente no qual haja boa vontade das duas partes para se ouvirem mutuamente, dentro de um espírito de amor e cordialidade.

Oportunidade missionária

Os adventistas do sétimo dia não se isolam do mundo cristão em sua busca por unidade. Temos nos envolvido, de maneira seletiva, em conversações com outras comunidades religiosas, não porque desejamos ou aceitamos a unidade nos termos em que elas apresentam, mas porque queremos ser conhecidos e eliminar incompreensões.

É importante, para nós como teólogos e pastores, termos em mente que ao nos envolvermos em atividades com representantes de outros grupos religiosos, somos chamados a representar a visão da Igreja à qual servimos; não a nossa visão particular. O entendimento que temos a respeito da nossa missão toma impossível entrarmos em um diálogo ecumênico segundo as linhas resumidas pelo Conselho Mundial de Igreja e pela Igreja Católica Romana.

Apesar de tudo, devemos aproveitar a vantagem do espírito ecumênico para tomar melhor conhecidas e mais efetivas nossa Igreja e nossa missão.

A missão ecumênica da Igreja Adventista é restaurar as verdades bíblicas ignoradas ou rejeitadas pela cristandade.

Devemos aproveitar todas as oportunidades para tornar melhor conhecidas e efetivas nossa Igreja e nossa missão.

Referências:

1 Walter Raymond Beach e Bert Beverly Beach, Pattem for Progress: The Role and Function of Church Organizatíon (Hagerstown, Md: Review and Herald Publishing Association, 1985), pág. 100.

2 Ver, por exemplo: Vatican II; Bridging the Abyss (Washington, D.C.: Review &. Herald, 1968), págs. 259-266;

3 Harding Meyer, That All May Be One: Perceptions and Models of Ecumenicity (Grand Rapids, Mi: Eerdmans, 1999), pág. 43.

4 Ibidem, págs. 81-100.

5 Ibidem, págs. 83-86.

6 Official Report of the Seventh Assembly of the World Council of Churches (Geneva: Conselho Mundial de Igrejas, 1971), pág. 173.

7 Walter Kasper, The Catholic Church in Ecumenical Dialogue 2000: Articles by Members of the Pontificai Council for Promoting Christian Unity (Washington D.C.: Associação dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, 2002), pág. 9.

8 Harding Meyer, Op. Cit., pág. 97.

9 Ibidem, págs. 107 e 108.

10 Ibidem, pág. 109. ” Ibidem, pág. 111.

12 Walter Kasper, na obra já citada, à pág. 11, considera “plena comunhão no sentido pleno… apenas uma esperança escatológica”.

13 Ibidem, pág. 6.

Angel Manuel Rodríguez, Th.D., diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral da IASD