O assunto do Armagedom e o Rei do Norte sempre tem sido de especial interêsse para os que estudam a Bíblia. Isto é verdade princípalmente entre os adventistas do sétimo dia. Recentes ocorrências no Oriente Médio trouxeram novamente o assunto à baila. Ê interessante e útil delinear as várias crenças que foram mantidas sôbre êste assunto no transcurso da história de nosso Movimento. O estudo da literatura denominacional revela acentuadas diferenças de opinião. Essas diferenças remontam aos primeiros tempos de nossa igreja, e antes até.
A história do desenvolvimento dêste ensino foi traçada pormenorizadamente numa obra intitulada “Development of Seventh-day Adventist Teaching on Armageddon.” Neste artigo o material foi reduzido para apresentar uma exposição geral do desenvolvimento dêste ensino, sem oferecer provas documentárias para as conclusões a que se chegou.
Quatro Períodos
O desenvolvimento de nosso ensino sôbre o Armagedom e o Rei do Norte, que comumente tem sido relacionado com êle, pode ser considerado como estando dividido imperfeitamente em quatro períodos, com três etapas de transição entre êles.
Durante o primeiro período, que se estendeu mais ou menos de 1846 a 1871, os adventistas do sétimo dia entendiam que o Papado era o rei do Norte e que o Armagedom era a luta culminante entre as fôrças de Cristo e as de Satanás por ocasião do Segundo Advento.
O segundo período começou por volta de 1871 e terminou mais ou menos em 1903. Em 1871 foi apresentada a interpretação de que a Turquia, e não o Papado, era o rei do Norte, e afirmava-se que o Armagedom, o qual foi agora vinculado com êle, era uma peleja das nações reunidas na Palestina contra Cristo, sob a sétima praga. Os anos entre 1871 e 1881 foram anos de transição.
O terceiro período começou aproximadamente em 1903 e terminou por volta de 1952. A principal diferença entre êste período e o que o precedeu consistia na idéia de que o Armagedom era um gigantesco combate militar entre as nações do mundo reunidas na Palestina. A parte de Cristo neste ponto de vista sôbre o Armagedom foi grandemente reduzida. Os anos entre 1886 e 1912 foram anos de transição.
O quarto período começou por volta de 1952 e continua até o presente. Durante êste período tem havido um retôrno parcial a muitos pontos fundamentais do primeiro período. Afirma-se em geral que o Papado é o rei do Norte, e o Armagedom é interpretado como sendo fundamentalmente a luta culminante entre as fôrças de Cristo e as de Satanás, no fim do tempo. Os anos entre 1924 e 1952 foram anos de transição.
Fatôres Influentes
Os adventistas do sétimo dia remontam sua origem ao movimento milerita da década de 1830 e início da década de 1840. Como todo adventista sabe, o ponto especial de ênfase do movimento milerita em suas etapas finais era a vinda literal e visível do Senhor em 22 de outubro de 1844. Esta crença baseava-se na profecia dos 2.300 dias de Daniel 8:14.
O milerismo compunha-se princípalmente de protestantes norte-americanos; por conseguinte, não é de admirar que em questões de menor importância os mileritas adotassem simplesmente o ponto de vista protestante que predominava neste sentido. O Armagedom não era um assunto muito importante. Só entrava em consideração quando se achava que tivesse alguma relação com o Segundo Advento.
A predominante opinião protestante a respeito das sete últimas pragas de Apocalipse 16 era que cinco delas já haviam caído, a sexta estava-se cumprindo e só a sétima se achava ainda no futuro. Quanto aos símbolos de Apocalipse 16: 12-16, a maioria dos comentaristas protestantes asseveravam que o Eufrates representava a Turquia ou o maometismo. Havia pouca unanimidade de opinião acêrca da interpretação dos outros símbolos desta passagem.
Em harmonia com o principal ponto de vista protestante sôbre Apocalipse 16, Guilherme Miller, dirigente do movimento que recebeu o seu nome, ensinava antes de 1840 que cinco
das pragas tinham caído, a sexta estava caindo e a sétima seria derramada por volta de 1840.
Miller pouco tinha a dizer sôbre os reis do Oriente. Quanto aos símbolos restantes de Apocalipse 16:12-16, êle ensinava que ao secar-se (deixar de existir) o Eufrates (o poder turco), três execráveis princípios políticos (os três espíritos imundos) sairiam dos reis da Terra (o dragão), do Papado (a bêsta) e do maometismo (o falso profeta) para congregar tôdas as •nações e todo o povo (os reis da Terra e do mundo todo) para o Armagedom. Êste abrangería tanto o conflito político como o religioso e seria travado princípalmente nos Estados Unidos. Miller parece ter acreditado que enquanto o Armagedom estivesse em andamento, Cristo viria para derrotar Seus inimigos e separar os ímpios e os justos.
Miller não relacionou a profecia de Apocalipse 16:12-16 com a profecia de Daniel 11:45 a respeito do fim do rei do Norte, pois êle entendia que o rei do Norte era o Papado, ao passo que o Eufrates de Apocalipse 16 era o poder otomano.
Miller modificou pelo menos duas vêzes seu ponto de vista quanto ao Armagedom: uma em 1840 e outra em 1844. Entretanto, parece que a maioria de seus seguidores manteve o ponto de vista original, pelo motivo de que talvez recebesse mais publicidade do que os seus pontos de vista posteriores.
Não obstante, nem todos os mileritas acompanharam a Miller em sua interpretação de Apocalipse 16. O mais ilustre entre os que diferiam dêle era Josias Litch, o qual afirmava que tôdas as sete últimas pragas seriam derramadas após o Segundo Advento. Êle acreditava que na Segunda Vinda os santos seriam levados para o mar de vidro em que Cristo organizaria Seu reino. Enquanto isso, as sete últimas pragas estariam caindo sôbre os ímpios. Sob a sexta praga, o Eufrates secar-se-ia literalmente a fim de preparar o caminho para os reis do mundo oriental. Depois disto, as hostes de Satanás (os reis da Terra e do mundo todo) seriam reunidos em Jerusalém e na Palestina pelos três espíritos imundos — procedentes do maometismo (o dragão), do Papado (a bêsta) e do ateísmo (o falso profeta) — com o objetivo de batalhar contra o Rei dos reis e Senhor dos senhores. Neste ponto Cristo viria com todos os Seus santos para expulsar de Jerusalém os ímpios.
Quando passou o dia 22 de outubro de 1844 e Cristo não voltou, conforme esperavam os mileritas, o movimento se fragmentou em diversas partes. Um dos menores fragmentos transformou se mais tarde na Igreja Adventista do Sétimo Dia.
O assunto do Armagedom não tinha capital importância para os primeiros dirigentes adventistas do sétimo dia; êles preocupavam-se mais com o delineamento das pragas. No início de 1846, provàvelmente como resultado das visões de Ellen Harmon, Tiago White adotou o ponto de vista de que tôdas as sete últimas pragas estavam no futuro, mas ocorreríam antes do Segundo Advento. Esta opinião diferia consideràvelmente das idéias defendidas por Miller e Litch. Os adventistas do sétimo dia têm-se apegado a êste ponto de vista através dos anos, sem levar em conta as suas idéias peculiares quanto ao Armagedom e o rei do Norte.
Em março de 1848 ocorreu algo tendente a influenciar nosso ensino sôbre o Armagedom. Foi o despontar do espiritismo moderno em Hydesville, Nova York. Aproximadamente um ano depois que o espiritismo fêz sua estréia moderna, foi mostrado a Ellen G. White, numa visão, que as misteriosas batidas em Nova York eram de origem satânica e se tornariam cada vez mais comuns. Não muito depois disto, Jorge W. Holt, um ex-ministro milerita de Connecticut que se tornara adventista do sétimo dia, identificou os espíritos do espiritismo como sendo os espíritos de demônios de Apocalipse 16: 13-16.
Mas surgiu então a pergunta: Se os espíritos do espiritismo estão cumprindo agora os eventos da sexta praga, como se poderá dizer que as pragas se acham tôdas no futuro? Urias Smith, então um jovem ligado à publicação da Review and Herald, deu a resposta que se tornaria nossa réplica-padrão a êsse ponto. Êle declarou que a obra atual do espiritismo é preparatória, e que antes de os espíritos de demônios alcançarem tão absoluto poder sôbre os ímpios que cheguem a induzi-los a batalhar contra Deus, êles terão de avançar entre as nações.
O Período Inicial
Nos primeiros anos de nosso movimento a maioria dos adventistas do sétimo dia acreditavam evidentemente que o Eufrates de Apocalipse 16:12 referia-se ao rio literal com êsse nome. Êles criam que aquêle rio secar-se-ia literalmente por ocasião da sexta praga. Esta, naturalmente, era a opinião de Litch. Em 1857 Urias Smith expôs o conceito de que o Eufrates representa o país em que corre êsse rio, que naquele tempo era o Império Otomano. Parece que êste ponto de vista logo foi aceito pela maioria dos adventistas do sétimo dia, se não por todos êles. Êle introduziu também nessa ocasião a idéia de que as nações se reuniríam na Palestina sob a sexta praga, após a posse da Terra Santa; mas, ao que parece, êle não foi acompanhado naquele tempo por todos os adventistas do sétimo dia, neste ponto de vista particular.
Quanto aos outros ensinos relacionados com o Armagedom e o rei do Norte, parece ter havido geral unanimidade de opinião durante o período inicial. Assim, a bem dizer todos os adventistas do sétimo dia admitiam que o dragão representava o paganismo; a bêsta, o catolicismo; o falso profeta, o protestantismo apostatado. Asseverava-se que a batalha do grande dia do Deus todo-poderoso, ou o Armagedom, era o choque culminante entre as fôrças do bem e as do mal, ou entre Cristo e Satanás, no Segundo Advento. No tocante à identidade do rei do Norte, a idéia corrente era que êle representava o Papado.
A Primeira Transição
Em 1867 foi publicado o livro de Urias Smith, Thoughts, Criticai and Practical, on the Book of Revelation. Êste livro divulgou entre os adventistas do sétimo dia o ponto de vista sôbre o Armagedom que Smith enunciara pela primeira vez em 1857. No início de 1869 êle começou uma série de artigos na Review and Herald, que posteriormente se transformaram no livro Thoughts, Criticai and Practical, on the Book of Daniel. No fim de 1870 e início de 1871, enquanto Smith evidentemente estudava e preparava seus artigos sôbre o décimo primeiro capítulo de Daniel, êle começou a revelar certa ambivalência no tocante à identificação do último poder dêsse capítulo — o rei do Norte. Seus escritos revelam incerteza a respeito de se êsse poder é o Papado, como êle afirmara antes, ou a Turquia. A partir dêsse tempo, segundo suas próprias palavras, Smith começou a “procurar eventos significativos nessa região,” e a fazer predições no sentido de que o fim da Turquia estava iminente. Junto com isso êle ensinava que quando a Turquia chegasse ao fim, Miguel Se levantaria; isto e, fechar-se-ia a porta da graça e Cristo viria logo após.
Estas predições inquietaram a Tiago White. Parece que devido a haver passado pelo desapontamento de 1844, êle era cauteloso com a questão de fazer predições minuciosas de eventos futuros baseados em profecias ainda não cumpridas, e recomendava que os outros também agissem com cautela. Quando Smith continuou a fazer predições a respeito do iminente fim da Turquia, tornou-se inevitável um choque entre os dois líderes.
Divergência Quanto ao Rei do Norte
Em 1877 rebentou a guerra entre a Turquia é a Rússia. No fim do verão daquele ano Smith pregou sôbre a questão oriental numa’ reunião freqüentada por Tiago e Ellen White. Talvez como resultado dêste sermão, Tiago White escreveu um editorial no número de 15 de novembro de 1877 da revista Signs of the Times (reimpresso na Review and Herald de 27 de novembro de 1877), no qual êle outra vez recomendava cautela por parte dos que manifestavam tanta positividade acêrca da questão oriental. Mas Smith continuou a fazer predições concernentes à proximidade do fim da Turquia, e em junho de 1878 chegou até a expressar a opinião de que “atingimos os movimentos preliminares da grande batalha do Armagedom” (Review and Herald, 6 de junho de 1878, pág. 180). O choque inevitável entre os dois líderes ocorreu durante a reunião campal que precedeu à assembléia da Associação Geral realizada em Battle Creek, Michigão.
Conforme testemunhas presentes à reunião campal, Urias Smith falou numa das sessões iniciais sôbre a questão oriental, expressando outra vez a opinião de que a guerra entre a Rússia e a Turquia, que então estava em andamento, poderia transformar-se no Armagedom. Quando Smith terminou seu discurso, Tiago White falou durante setenta minutos, refutando públicamente o ponto de vista de Smith. A essência da argumentação do Pastor White era a seguinte: Se Daniel 2, 7 e 8 terminam com a destruição de Roma pagã e papal, e a primeira parte de Daniel 11 recapitula os capítulos 2, 7 e 8, então o último poder de Daniel 11 deve ser Roma pagã e papal, e não a Turquia.
A primeira parte da refutação de Tiago White apareceu na Review and Herald de 3 de outubro de 1878, e devia ter continuado, mas parou por ali. Por quê? W. C. White, filho de Tiago e Ellen White, menciona que um dia ou dois após a reunião em que Smith e White falaram, Ellen G. White teve uma visão na qual lhe foi mostrado que seu marido errou em discordar pùblicamente de Urias Smith. Depois da visão ela relatou ao espôso o que lhe fôra mostrado. Tiago White aceitou a repreensão e interrompeu sua série de artigos. Ao censurar seu marido, a Sr.a White não tentou resolver a questão da identidade do rei do Norte. Na verdade o assunto não é esclarecido de forma alguma em seus escritos.
(Continuará no próximo número.)