Mensagem devocional apresentada no dia 5 de julho, na 57ª Assembléia da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Toronto, Canadá

De acordo com as Escrituras, “Cristo morreu pelos nossos pecados” (I Cor. 15:3). E o fez por amor: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16).

Dar a vida pelos pecados e dar a vida por amor são aspectos que estão bem relacionados entre si. Ele nos amou e deu-Se a Si mesmo por nós, para a remissão dos nossos pecados (Gál. 2:20). Com isso em mente, vamos fazer uma visita imaginária a três lugares muito especiais para os cristãos: o jardim do Getsêmani, o Calvário e a tumba de Jesus.

No Getsêmani

No jardim do Getsêmani, encontramos um homem afogado em angústias. De Seus lábios, ouvimos o sussurrar: “Minha alma está profundamente triste até à morte.” (Mar. 14:34). Ele está enfrentando um momento crítico em Sua experiência terrestre. Por duas vezes pediu a Seus companheiros que velassem em Seu favor: mas estes O tinham deixado solitário. E Ele ficara prostrado ao chão. Experimentava pavor e angústia. Finalmente ajoelha-Se para orar. Levanta-Se e Se dirige aos três discípulos aos quais convidara para estar consigo. Volta e ora de novo. Ergue-Se outra vez e vai aos discípulos, esperando ouvir palavras de encorajamento. Retorna ao lugar de oração transpirando gotas de sangue que respingam no solo. E suplica: “Pai, tudo Te é possível; passa de Mim este cálice; contudo, não seja o que Eu quero, e, sim, o que Tu queres.” (Mar. 14:36).

O que era esse cálice? Seria porventura o sofrimento físico? A angústia mental pela traição, deserção e pelo escárnio? Jesus não temia essas coisas por mais penosas que elas se Lhe afigurassem. Sua coragem moral e disposição física, através de Seu ministério público, tinham sido indômitas. É ingênuo supor que agora Ele temesse o insulto e a morte. O cálice que O assustava era o cálice da ira divina que deveria ser bebido pelo ímpio (Sal. 75:8) ou por alguém que o representasse. Ele não tinha pecado, mas assumira livremente os pecados de toda a humanidade.

O que era esse cálice? Representava os pecados de todos os que até então existiram ou que posteriormente viriam a existir. Seu pecado e meu pecado pesavam sobre Ele, e por essa razão Ele Se sentiu separado do Pai. Ele carregou em Seu corpo os nossos pecados (I Ped. 2:24). Deus “O fez pecado por nós” (II Cor. 5:21). Ele tornou-Se “maldição em nosso lugar” (Gál. 3:13). Tal proximidade com o pecado causou a separação de Deus.

O grito de Jesus no Calvário: “Deus Meu, Deus Meu, porque Me desamparaste?” (Mat. 27:46) foi penosamente carregado em Seu coração e estava preso em Sua garganta. A infinita atração de amor existente entre Pai e Filho foi cruzada por uma igualmente infinita repulsa, porque

Deus odeia o pecado. Não existe parâmetro para descrever tal experiência.

Se o contraste entre a corrente de ar frio e a corrente de ar quente na atmosfera pode perturbar os céus com trovões e relâmpagos, o que poderia ter acontecido na alma de Jesus, onde a suprema santidade de Deus colidiu com a suprema malícia do pecado? Não surpreende que Seus lábios balbuciassem angustiosamente: “Minha alma está profundamente triste até à morte.”

A experiência do Getsêmani encontra seu ponto culminante na frase pronunciada por Jesus: “não seja o que Eu quero e, sim, o que Tu queres.” Mas quem é o “Eu” e quem é o “Tu”, nessa sentença?

Há uma correlação entre o que aconteceu no jardim do Getsêmani e o que aconteceu no jardim do Éden. Se o pecado é um livre ato no qual a vontade humana desobedece a Deus, então a redenção não poderia ocorrer sem que o homem retornasse à perfeita obediência a Deus. Paulo deixa isso claro em Rom. 5:19: “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos.”

Para que tal obediência perfeita possa existir, é necessário que haja alguém que obedeça e alguém a quem se obedeça. Portanto, o “Eu” e o “daquela frase repercutem no próprio Cristo. É o homem Jesus quem obedece a Deus, livremente, por amor! É o novo Adão quem fala em nome de toda humanidade: e, finalmente, diz “sim” a Deus.

No Getsêmani podemos aprender algumas lições para o nosso dia-a-dia. Por exemplo, quando você tiver dificuldade para obedecer, ajoelhe-se ao lado de Cristo e veja-O prostrado. Ele lhe ensinará a obedecer. E obedecerá em você, e por você.

Jesus compreendeu a vontade de Deus e disse “sim”. Quão freqüentemente conhecemos a vontade de Deus e preferimos seguir nosso próprio caminho ou a vontade de outros? Na atmosfera do Getsêmani, você sempre dirá “sim” a Deus.

Ellen White nos diz, no livro O Desejado de Todas as Nações, que mesmo depois de Cristo haver dito “sim” a Deus, a tempestade não acalmou, mas Ele foi fortalecido e uma paz celeste cobriu Sua sangrenta face. As tempestades de sua vida não cessam quando você diz “sim” a Deus; mas, em meio às tormentas, sempre haverá paz e equilíbrio em seu coração.

No Calvário

cruz, as divinas misericórdia e justiça foram igualmente expressas e eternamente reconciliadas. O santo amor de Deus foi satisfeito.

Vamos juntos ao monte Calvário. O que vemos ali? “Tomaram eles, pois, a Jesus; e Ele próprio, carregando a Sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, Gólgota em hebraico, onde O crucificaram e com Ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio. Pilatos escreveu também um título e o colocou no cimo da cruz; o que estava escrito era: Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus. Muitos judeus leram este título, porque o lugar em que Jesus fora crucificado era perto da cidade: e estava escrito em hebraico, latim e grego.” (João 19:17-20).

A cruz estava no centro. De acordo com o evangelho, a cruz de Cristo é o lugar no qual Deus expiou nossos pecados. Há uma inevitável colisão entre a perfeição divina e a rebelião humana, entre Deus como Ele é e nós como nós somos. Embora Deus seja amor, devemos lembrar que Seu amor é “santo amor”, que anela salvar pecadores mas não tolera o pecado. Como pode Deus expressar Seu santo amor sem comprometer Sua santidade; e revelar Sua santidade, ao julgar pecadores, sem frustrar Seu amor?

Foi o santo amor revelado na cruz, onde Deus pagou, através de Cristo, a penalidade de nossa desobediência (II Cor. 5:18 e 19). Na

Nós somos perdoados, “justificados pelo Seu sangue” e “reconcilia

dos com Deus mediante a morte do Seu Filho” (Rom. 5:9 e 10). Sem a morte sacrificial de Cristo por nós, a salvação seria impossível. A morte de Cristo possibilitou-nos perdão, justificação e reconciliação. “Mas Deus prova o Seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo Seu sangue, seremos por Ele salvos da ira. Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do Seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela Sua vida.” (Rom. 5:8-10).

Paulo não sugere que fazemos alguma coisa para conseguir reconciliação. Esse é um ato divino. É o modelo divino de reconciliação: o ofendido toma a iniciativa; o ofendido cumpre os requerimentos e paga o preço de modo que o culpado é posto numa posição favorável. Deveríamos imitar esse modelo de reconciliação. Mesmo quando somos a parte ofendida, devemos tomar a iniciativa de reconciliação.

Quando Deus garante reconciliar indivíduos eles são convidados a permitir que a graça, de Deus penetre

neles, transformando-os progressivamente à imagem de Deus. Paulo afirma que Deus nos salvou quando estávamos sob condenação. Agora que Ele nos reconciliou consigo, dá-nos condições para construir nosso caráter, livra-nos do hábito de pecar. Quais são essas condições? Estudo da Bíblia, oração, comunhão e testemunho pessoal.

A reconciliação vertical também assume uma dimensão horizontal no relacionamento com o próximo. Cristo derruba as barreiras que os seres humanos levantam entre si. A cruz nos dá uma nova identidade que transcende nossas outras identidades, tais como raça, cor, educação, sexo, economia, posição social. Os cristãos devem viver na luz dessa nova identidade. É aqui que encontramos a única possibilidade de unidade.

Negar nossa igualdade, teoricamente ou na prática, significa que não entendemos a mensagem da cruz. “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a Sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos.” (I João 3:16). A solidariedade de Jesus com a humanidade deveria ser assumida por todo cristão. Jesus não foi alguém que simplesmente viveu, morreu, ressuscitou e foi exaltado. Ele está vivo e presente em Sua igreja e entre a humanidade, proclamando e chamando indivíduos para que possam viver o amor e a justiça.

Na sepultura

Há outro lugar para visitarmos juntos. Vamos à tumba de Jesus! Um ente celestial trajando longas vestes brancas fala a Maria Madalena e a outras mulheres. Ele diz que Jesus de Nazaré, que foi crucificado, ressuscitou. E lhes ordena ir e avisar Seus discípulos (Mar. 16:5-7). Quão expressivas eram a face, os olhos, a voz e os gestos com que elas comunicaram a boa-nova aos discípulos. Antes que elas falassem, eles perceberam que alguma coisa extraordinária tinha acontecido, e sentiram um frio na espinha.

As mulheres tentavam falar todas ao mesmo tempo. Estavam tão entusiasmadas que os discípulos provavelmente lhes pediram para ficar calmas, respirar, e falar claramente. Tudo o que podiam ver e ouvir até então eram gesticulações e exclamações desconexas. “Vazia! Vazia! A tumba está vazia! Anjos! Anjos! Nós vimos anjos! Ele vive! Ele vive! O Mestre está vivo!”

Na sexta-feira anterior, os discípulos e outros seguidores de Jesus ficaram perplexos e desorientados, com Sua crucifixão e morte. Em virtude dos sinais observados durante Seu ministério, aquele trágico desfecho foi escandaloso e frustrante. O sentimento de decepção dos discípulos é apresentado por Lucas, ao relatar o episódio envolvendo os dois discípulos no caminho de Emaús: “Ora, nós esperávamos que fosse Ele quem havia de redimir a Israel: mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.” (Luc. 24:21). Tinham chegado a um impasse em sua fé. Mas agora a boa-nova ecoa: “Ele ressuscitou!”

Na cruz, a justiça e a missericórdia de Deus foram expressas e reconciliadas. O santo amor foi satisfeito.

“Ele verdadeiramente ressuscitou”, disseram os apóstolos aos dois discípulos de Emaús, antes mesmo de ouvir sua experiência. Ele ressuscitou, “verdadeiramente”, “realmente”. Alguns cristãos orientais transformaram essa frase em sua saudação pascal: “O Senhor ressuscitou”, diz alguém, enquanto o que recebe o cumprimento responde: “Ele verdadeiramente ressuscitou.”

Nas ruas e praças eles proclamaram as boas-novas do Jesus ressuscitado (Atos 2:32 e 36). Estabeleceram igrejas em nome de Jesus. Realizaram milagres em nome de Jesus. Testemunharam diante de autoridades governamentais em nome de Jesus. Enfrentaram perigos e perseguições em nome de Jesus. Permitiram-se ser aprisionados, açoitados e mortos em nome de Jesus. Por quê? Eles mesmos respondem: “Ele ressuscitou!”

A ressurreição demonstra a autenticidade de Jesus. Ele mesmo a indicou como um sinal de Sua divindade: “Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei.” (João 2:19). Os discípulos e outros tinham imaginado que o Pai havia retirado a autoridade de Cristo quando Ele clamou em angústia: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Agora eles percebem que o Pai estava identificado com Ele, fazendo-O Senhor e Cristo. “O qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação.” (Rom. 4:25). A versão inglesa enfatiza a idéia de que essa foi uma entrega deliberada.

Paulo constrói todo o edifício da fé, o processo de justificação e salvação sobre a ressurreição (I Cor. 15:17). Com entusiasmo, ele declara: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã a vossa fé.” (I Cor. 15:14). “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” (Rom. 10:9).

Ele vive

Esse é o Cristo do Getsêmani. Esse é o Cristo do monte Calvário. Esse é o Cristo do sepulcro vazio. Esse é o Cristo que está vindo, quase podendo ser visto já na última curva da estrada, e logo chegará. Esse Cristo, que depois da Sua ressurreição entrou nas sinagogas através das portas fechadas, quer penetrar em todas as culturas, cidades e vilas, em todos os países e ilhas, guetos e arrabaldes que ainda se encontram fechados ao evangelho. Ele pode! Ele pode fazer isso através de você, seus talentos, sua vida. Ele quer que você O contemple, medite nEle. Faça isso, agora. Deseja que você receba o mesmo poder que Ele encontrou na comunhão com o Pai. Busque isso, agora.

Retornando de um congresso na cidade de Gramados, RS, lá pelos anos 70, muitos jovens perderam a vida num trágico acidente. Vários deles pertenciam à igreja central paulistana, onde foi realizado um funeral coletivo. Depois de assistir à cerimônia, um jornalista publicou a reportagem no jornal onde trabalhava sob o seguinte título: “Cerimônia religiosa conforta membros de igreja e converte um jornalista ateu.” E escreveu: “Cristo existe. Era eu quem não existia. Ele desceu da cruz para abraçar-me, perdoar-me, aceitar-me. Ele está vivo.”

Sim, Ele está vivo. Superou a angústia do Getsêmani, suportou vitorioso a cruz, rompeu as cadeias da morte e do sepulcro. E também quer abraçá-lo, hoje. Permita que Ele o envolva num abraço de amor. ☆

JOSÉ M. VIANA, Th.D., diretor de Evangelismo da União Central-Brasileira da IASD