Entrevista de J. R. SPANGLER, editor de The Ministry, com W. P. BRADLEY, presidente da Comissão de Depositários do Patrimônio Literário de Ellen G. White.
P. Alguém me disse que um dos secretários do Patrimônio Literário de Ellen G. White estava sendo entrevistado por um professor numa reunião de eruditos de além-mar. Ele disse-lhe abruptamente: “Creio que é tão difícil entrar no Patrimônio Literário de Ellen G. White para ter acesso aos escritos da Sra. White como é conseguir uma entrevista com o Papa de Roma”. Há alguma veracidade nessa acusação?
R. Nunca procurei ter uma entrevista com o Papa de Roma, por isso não estou em condições de comentar aquela declaração. De uma coisa, porém, tenho certeza: A pessoa que fez aquela afirmação estava mal informada acerca dos regulamentos que controlam as atividades da Caixa Forte do Patrimônio Literário de Ellen G. White.
P. Quais são esses regulamentos, e quem é responsável por essas atividades? Como funciona realmente o processo de acessibilidade aos documentos de Ellen G. White?
R. Creio que você sabe, Roberto, que o Patrimônio Literário de Ellen G. White, estabelecido pelo testamento da Sra. White de 9 de fevereiro de 1912, tomou-se atuante em Elmshaven, Califórnia, após seu falecimento em 1915. De acordo com o testamento, cinco depositários nomeados por ela assumiram nessa ocasião a custódia de suas obras literárias. Em 1938 toda a coleção de seus escritos, bem como materiais literários relacionados com eles, foi transferida para o Edifício Central da Associação Geral em Washington, D.C. Atualmente, onze depositários, juntamente com o pessoal do escritório do Patrimônio Literário de Ellen G. White, continuam a cumprir as responsabilidades colocadas sobre eles pelo testamento da Sra. White.
P. Quais são essas responsabilidades? E quão estritamente a Comissão de Depositários está cumprindo as condições de seu cargo?
R. Bem, o primeiro dever que nos é imposto consiste em promover a publicação dos livros de Ellen G. White em língua inglesa. O segundo, em estimular a publicação de seus livros em outras línguas; e o terceiro, em exercer o cargo de despenseiros da administração dos arquivos de Ellen G. White. Isto abrange: a) o cuidado e a proteção dos arquivos de manuscritos e cartas; b) a compilação de novos livros dos manuscritos e artigos de Ellen G. White. Freqüentemente os dirigentes da Associação Geral solicitam que compilemos matérias da pena de Ellen G. White sobre assuntos específicos que servirão de orientação em dirigir a obra da igreja.
P. O Patrimônio Literário de Ellen G. White tem sido acusado de suprimir alguns documentos. Certos eruditos insinuam que há um encobrimento, uma espécie de estratégia de ocultação. Alguns têm a impressão de que os depositários estão retendo algo da igreja, e de que há certos livros ou documentos que se fossem divulgados desabonariam a Sra. White e abalariam muitíssimas pessoas. Existe alguma veracidade nessas acusações?
R. Essas acusações não são novas. Os depositários têm tido de enfrentá-las há anos. Da maneira como é a natureza humana, as pessoas são naturalmente curiosas e desconfiadas, e quando lidamos com a tutela e a propriedade desses conselhos inspirados, suponho que temos de esperar que alguns não confiem suficientemente na natureza humana para crer que devido a não ser dado irrestrito acesso a todo documento, há alguma ocultação de importantes instruções da Sra. White.
P. Lembro-me da ocasião em que a Associação Geral estava publicando o livro Questions on Doctrine, no qual eram dadas respostas a perguntas formuladas por determinados dirigentes evangélicos. Um desses dirigentes declarou enfaticamente que seu associado vira um pequeno livro preto escondido na Caixa Forte do Patrimônio Literário de Ellen G. White, o qual continha elementos que, se fossem divulgados, destruiríam a confiança em Ellen G. White. Quando o associado ouviu essa história, ficou chocado e declarou por escrito: “Apraz-me consignar que jamais fiz semelhante declaração, nunca vi tal livro e não sei da existência de tais elementos”. Continuou, porém, a propalar-se que ele vira o livro, o qual representava a supressão de elementos que, se fossem revelados, prejudicariam a igreja.
R. Não, Roberto, nada temos a ocultar ou de que envergonhar-nos. Não receamos deixar brilhar a luz em qualquer aspecto da obra de Ellen G. White. A experiência citada ilustra o caráter inconsistente dos boatos, os quais se desfazem como uma bolha, quando se conhece a verdade. Por que o Patrimônio Literário de Ellen G. White suprimiria certos escritos quando a própria incumbência que dá sentido a sua obra requer que façam bom uso deles? Presentemente temos sessenta e três títulos de livros que levam o nome da Sra. White como autora, mais de 2.000 artigos de sua lavra na Review and Herald, e cerca de 1.400 artigos na revista Signs of the Times, a serem publicados em breve, bem como numerosos panfletos, muitos dos quais tratam de questões locais. E não mencionei o volume 7A da Série do Comentário Bíblico, em que foram colocadas sob a mesma capa todas as citações de Ellen G. White extraídas dos sete volumes de The SDA Bible Commentary. Além disso, publicamos um Index abrangente, de três volumes, que custou mais de 110.000 dólares para a denominação, sem falar dos trabalhos de meia dúzia de pessoas durante um período de seis ou sete anos. Permita-me fazer esta pergunta: Se os depositários White e a igreja não estão desejosos de que os membros tenham fácil acesso aos escritos de Ellen G. White disponíveis em geral, por que gastamos tanto dinheiro e nos esforçamos tanto para prover acesso a seus ensinos em todo setor imaginável de seu vasto cabedal de escritos publicados?
P. Os obreiros que fazem pesquisas são bem-vindos à Caixa Forte para estudar as cartas e os manuscritos não publicados?
R. Sim. Centenas de indivíduos têm tido este privilégio, comumente em seus estudos avançados.
P. Tais pesquisadores têm a liberdade de compulsar os materiais não publicados?
R. Não. Compulsar não é permitido na Caixa Forte do Patrimônio Literário de Ellen G. White. Um membro do quadro de auxiliares sempre acompanha o visitante que quer fazer pesquisas ali. O processo estabelecido é que o pesquisador escreva com antecedência para o secretário do Patrimônio Literário de Ellen G. White, relatando o assunto de seu projetado programa de estudo, e solicite permissão para pesquisar as cartas e os manuscritos. Quando for concedida essa permissão, o pesquisador pode ir ao escritório de Ellen G. White consultar o fichário dos manuscritos e das cartas, e pedir que lhe seja dado acesso a materiais aplicáveis ao caso. O membro do quadro de auxiliares traz os documentos para ele. Naturalmente, a custódia de importantes documentos históricos envolve a proteção e o cuidado no uso que deles é feito. O encargo dos depositários consiste em tudo isso. Os arquivistas reconhecem a natureza sagrada de sua responsabilidade como possuidores de valiosos documentos históricos e confidenciais da pena de pessoas importantes.
P. Talvez seja bom explicar a diferença entre o acesso a materiais e a liberação de matérias para publicação. Os pesquisadores estão livres para copiar e levar embora, à vontade, matérias não publicadas descobertas por eles?
R. Não, a menos que primeiro sejam liberadas. Quando se deseja a liberação de matérias não publicadas até agora e que fazem uma contribuição significativa, é deixado um requerimento com os depositários, e se eles derem a aprovação, a matéria é considerada pela Comissão Permanente do Espírito de Profecia, da Associação Geral; se for aprovada por eles, a publicação e a distribuição da matéria são franqueadas a qualquer escritor.
P. Quão amplo é o acesso dos pesquisadores aos materiais da Caixa Forte? Há algumas restrições ao que eles podem ler? Não me refiro ao ato de conseguir a liberação de certas matérias para publicação.
R. Há cartas sensíveis de Ellen G. White escritas a indivíduos em particular. Achamos que sensíveis elementos biográficos nos quais aparecem os nomes de pessoas distintas não devem tornar-se objeto de discussões e críticas em público. Os membros vivos das famílias desses indivíduos se ofenderiam com a publicação e a divulgação geral de certos pormenores de sua vida particular. Tal procedimento não somente macula a pessoa envolvida, mas pode trazer opróbrio a parentes ou descendentes que ainda vivem.
Em grande parte da obra de Ellen G. White houve e há um aspecto de confidencialidade que não existe na obra de escritores seculares ordinários. Ela mesma reconhecia que seu trabalho espiritual por outros abrangia a vida interior das pessoas, e recusava expor essas questões a outros, mesmo na igreja. Em 1867 ela falou sobre essa questão da maneira como se apresentou em Battle Creek:
“Tem-me sido designado o desagradável trabalho de censurar pecados particulares. Se para evitar suspeitas e inveja eu desse cabal explicação de meu procedimento, tornando público o que deveria ser mantido em segredo, pecaria contra Deus e prejudicaria os indivíduos. Tenho de guardar para mim mesma, encerradas em meu próprio peito, as reprovações particulares de erros particulares. Julguem os outros o que quiserem, jamais trairei a confiança depositada em mim pelos errantes e arrependidos, nem revelarei a outros aquilo que só deve ser exposto àqueles que são culpados”. — Life Sketches, p. 177.
Isto nos traz à lembrança o comentário de Ellen G. White sobre a relação confidencial de Jesus com os que se dirigiam a Ele em busca de auxílio espiritual: “Aqueles a quem assim ajudava convenciam-se de que havia Alguém em quem podiam confiar plenamente. Ele não trairia os segredos que Lhe desafogassem nos compassivos ouvidos”. — O Desejado de Todas as Nações, p. 64.
No caso de um dirigente da igreja cuja vida e trabalho eram defeituosos, Ellen G. White procurava ampará-lo no que fosse possível em seus deveres oficiais, dando-lhe ao mesmo tempo conselhos do Senhor para corrigir os seus erros e fortalecer a sua liderança. Enquanto pudesse ser ajudado, ela abstinha-se de minar abertamente a sua liderança e destruir a sua influência.
No caso do Dr. Kellogg, quando seu afastamento teológico da verdade se tomou evidente, ela não hesitou em desvendar o engano envolvido em seus ensinos (ver Mensagens Escolhidas, livro 1, pp. 193-200).
A mesma coisa sucedeu em Indiana, onde o presidente da associação e diversos outros obreiros estavam ensinando que os crentes poderiam atingir a experiência da carne santa (ver Mensagens Escolhidas, livro 2, pp. 31-39).
P. E as declarações de Ellen G. White referentes aos acontecimentos e ocorrências dos últimos dias? Não tendes alguns documentos que estais retendo e que deveriam ser liberados por representarem profecias que agora estão encontrando seu cumprimento?
R. As profecias feitas anos atrás por Ellen G. White, no tocante a acontecimentos no mundo e na igreja, estão nas mãos de nosso povo nos livros em circulação e nos artigos publicados. Algumas dessas profecias são um pouco ambíguas; mesmo assim, o Patrimônio Literário de Ellen G. White tem partilhado algumas delas com nosso povo. Por exemplo: “Quando se assentar o juízo e se abrirem os livros, … então as tábuas de pedra, escondidas por Deus até esse dia, serão apresentadas perante o mundo como a norma de justiça”. — Review and Herald, 28 janeiro de 1909. O exato significado desta profecia não é claro; apesar disso, a declaração é geralmente tomada acessível à igreja como se relacionando aos acontecimentos dos últimos dias, deixando os depositários a aplicação ou interpretação a cargo de cada leitor.
P. Essa é uma boa ilustração. Percebo que há algumas coisas que Ellen G. White disse no âmbito da profecia, cujo significado ainda não é completamente claro neste tempo.
R. Não é a responsabilidade dos depositários ou do quadro de auxiliares interpretar as declarações proféticas ou outras afirmações de Ellen G. White, embora às vezes pareça ser conveniente acrescentar notas de material histórico ou explicativo que ajudem o leitor a compreender o sentido de suas declarações. Uma responsabilidade que têm os depositários é a de ver que ela seja citada corretamente em livros e periódicos, e no devido contexto. Com freqüência também nos é solicitado que verifiquemos ou indiquemos a fonte de certas citações. Deve estar lembrado de que no volume 3 do Index, páginas 3.189-3.192, há uma coleção de citações apócrifas atribuídas a Ellen G. White, abrangendo todas as espécies: As que dependem da memória incerta de um indivíduo, as que parecem ser deduções lógicas, bem como algumas que são pura ficção.
P. Já tivestes de rejeitar algum requerente que desejava fazer pesquisas nos escritórios do Patrimônio Literário de Ellen G. White?
R. Ao lidar com os requerentes temos de apoiar-nos nos antecedentes a fim de ser completamente imparciais. Em diversas ocasiões temos ficado em dúvida quanto às intenções de certos pesquisadores cujos antecedentes parecem revelar um espírito de crítica e deslealdade. Tais pessoas, desde que ainda estivessem empregadas em instituições denominacionais, receberam permissão para fazer pesquisas em nossa Caixa Forte, assegurando-nos que usariam as liberações solicitadas de maneira responsável, mas infelizmente isso nem sempre teve bom resultado. Embora quase todos os pesquisadores tenham manuseado os materiais de modo responsável, vários usaram-nos deturpando-lhes o sentido fora do contexto, ou desprezando declarações equilibrantes, numa sutil tentativa de atacar a igreja, denegrir a missão profética de Ellen G. White e destruir a confiança nas visões. Tais indivíduos são freqüentemente os originadores do boato: “O Patrimônio Literário de Ellen G. White é culpado de supressão”.
Talvez seja demasiado esperar que a obra da igreja, seus fundadores e dirigentes estejam livres dos ataques dos que empreendem uma cruzada de críticas. Escreveu Ellen G. White: “Todo o progresso feito por aqueles a quem Deus chamou para tomar parte na direção de Sua obra, tem provocado suspeita; cada um de seus atos tem sido desvirtuado pelos que são ciosos e críticos”. — Patriarcas e Profetas, p. 425.
P. Qual é sua opinião acerca de como surgiram essas idéias de supressão?
R. Penso que a acusação de supressão está no próprio ar que respiramos hoje em dia. É dirigida contra dirigentes do governo e contra dirigentes da igreja, bem como contra o Patrimônio Literário de Ellen G. White. Quando as pessoas têm poder e influência à sua disposição, tomam-se imediatamente suspeitas. Isso é um problema que continuará a existir enquanto houver comissões, conselhos, presidentes, secretários e líderes em posições de responsabilidade. O importante é que aqueles a quem foram delegados poderes procurem usá-los de maneira sensata e altruísta. A Comissão de Depositários do Patrimônio Literário de Ellen G. White se esforça por fazer isto conscienciosamente e no temor de Deus.
No tempo presente é considerado meritório expor todas as atividades à inspeção pública. Isto muitas vezes é insensato. No tocante aos interesses da igreja e a revelação de seus segredos ao mundo, advertiu Ellen G. White: “Devemos ser soldados verdadeiros e leais no exército de Jesus Cristo. Todos os Seus seguidores devem acompanhar o passo de seu Líder. Nunca devem eles revelar seus segredos aos inimigos de Jesus Cristo ou torná-los seus confidentes em relação a seus movimentos ou ao que pretendem fazer em sua linha de ação, pois é uma traição aos sagrados depósitos e dá ao inimigo toda a vantagem. E o conselho do povo de Deus seja dentro do seu próprio grupo”. — Testemunhos Para Ministros, p. 269.
“Sejam os cristãos cautelosos, e não transmitam segredo algum aos descrentes. Não devem confiar-lhes nenhum segredo que desacredite o povo de Deus”. — Conselhos Sobre Saúde, p. 341.
Meus agradecimentos pelo tempo que me dispensou e por ser tão claro e franco em suas respostas. Pessoalmente, minha confiança foi grandemente fortalecida na obra do Patrimônio Literário de Ellen G. White e dos responsáveis por esse trabalho.