Ao escrever este artigo, nosso objetivo é tentar pontualizar certas demandas éticas contemporâneas e o papel que um pastor adventista do sétimo dia poderia desempenhar em uma determinada congregação. Trata-se de um papel fundamentalmente preventivo e altamente espiritual. Tentaremos plantar um contexto sociológico aplicado à Igreja Adventista, definir as áreas éticas mais conflitantes e esboçar um curso de ação ministerial e docente.

Contexto sociológico

O pastor trabalha dentro de um sistema que envolve a Organização Adventista, a família, a igreja local, a escola, hospital, ou clínica. O capítulo dois do livro de Atos fala a respeito de um sistema no qual viveu cada crente nos albores da Igreja cristã. Dentro desse sistema, é possível observar pelo menos três condições que tornaram possível a estabilidade: primeira, a segurança, para preservação. Segunda, a solidariedade, para integração; e terceira, a interdependência, de tipo funcional, para desenvolvimento.

Agora, entretanto, o pastor trabalha num mundo cada vez mais integrado, no qual o elemento tecnológico é cada vez mais importante.

A tecnologia tem produzido tanto soluções quanto problemas. Há problemas no mundo natural. Percebe-se que os recursos da Terra são limitados; a atmosfera é aquecida, águas são contaminadas, espécies são extintas, a camada de ozônio é destruída. Essas idéias e práticas devem mudar.

Que dizer do mundo social? Desenvolve-mo-nos em um mundo cheio de idéias que giram em função de interesses. No século passado, quando a Igreja Adventista surgiu, predominava a idéia de lugar de vida em função de recursos. Tiago White, com sua grande habilidade para “construir” uma organização eclesiástica, teve sucesso mediante a sábia utilização de recursos humanos e financeiros. White é um protótipo da mentalidade daqueles dias.

Ao final do século 20, observa-se que a comunidade da Igreja Adventista também poderia estar orientada princípalmente em função de interesses. Existe uma espécie de latência social que fala em termos de qualidade de vida.

A forma de resumo e síntese, lugar de vida, comunidade de vida e qualidade de vida são os parâmetros existenciais presentes para entender a tecnologia e seu impacto no desenvolvimento social. E a função dos recursos em nossa história denominacional? Era impossível evitar essa etapa, pois era necessária a colocação dos cimentos. Função de interesses? Pode-se evitar ou administrar essa tendência, porque constitui uma escolha. É o resultado de fazer/obedecer mais por tradição do que por profundas convicções bíblicas.

Esse contexto sociológico resumido é o marco no qual o pastor pode servir aos membros que, por sua vez, encaram cada dia os mais variados dilemas éticos. Quais são eles?

Áreas conflitantes

  • 1. O pastor deve induzir à reflexão em contraste com uma tecnologia limitada. Existe uma mentalidade de que, como pastores e médicos, “temos que fazer alguma coisa”, do contrário, nos sentiriamos inúteis. Diante de uma situação terminal, é comum que familiares de um enfermo clamem: “pastor, ou doutor, faça algo!” Não é fácil convencer a um familiar que, em certos ca-sos, o melhor é não fazer nada. Portanto, é necessário ajudar a definir as expectativas do paciente relacionadas à ação do médico e do pastor. Cada um deles é apenas um médico, ou um pastor, que pode se enganar.

Infelizmente, produz-se no recém-formado pastor ou médico algo como uma ilusão de ótica: durante seus anos de estudo, foi ensinado a respeito de coisas para as quais existe tratamento. Obviamente, precisamos saber disso. Inevitavelmente, porém, vai-se formando no aluno a idéia de que pode efetivamente fazer muitas coisas, e a frustração é grande quando ele percebe que, na realidade, existem coisas para as quais não existe terapêutica a ser oferecida. Requer-se uma atitude reflexiva. Que as decisões se-jam técnicas, éticas e saturadas com o espírito de aceitação da vontade divina, tal como ensina a Bíblia.

  • 2. O pastor deve cuidar para que o paciente participe nas decisões que o afetarão diretamente. É preciso recuperar a consciência participativa. A postura na qual o paciente é visto como sujeito e a enfermidade como objeto, precisa ser revista. Mais que enfermidades, há enfermos. Espera-se que o paciente participe. O ministro religioso não separará o objeto do sujeito; verá o paciente como um todo.
  • 3. O pastor cuidará para que as ações médicas que afetem um membro, sejam efetuadas com o devido consentimento. Uma base fundamental para essa atitude é a consideração da pessoa humana. Derivadas do item anterior, há quatro razões adicionais: cada pessoa é única, criada por Deus à Sua imagem; então é uma adequada expressão de respeito; o paciente é autônomo, isto é, com direito a participar no processo de tomar decisões relacionadas com a saúde; deve-se lembrar que a técnica está a serviço do homem, não o contrário; a relação satisfatória médico-paciente, baseada no respeito, no conhecimento e na confiança, estimula de algum modo uma recuperação satisfatória em diversas enfermidades.
  • 4. O pastor fomentará uma visão transcendente da vida, em contraste com uma pragmática. Por exemplo, a concepção in vitro é discutível, dado que não se considera importante que o filho encomendado o seja por relação afetiva intensa de um casal. Esse é um produto de uma época niilista, pragmática, carente de transcendência, que, no fundo, não acredita no amor, e vê no ato sexual um mero instante de prazer, como outros instantes ao longo da vida. Outro exemplo é o fato de que, em 1997, as diferenças da moda e uso de vestes têm caráter unissex, ou seja, servem para o homem e para a mulher.Os princípios éticos não admitem exceções. Uma só que seja admitida abre a porta para argúcias e admissão de outras.

Nesse contexto, o sexual converteu-se numa rotina natural e é necessário recorrer à pornografia para lhe dar um forte atrativo. Curiosamente, há escasso erotismo e, Conseqüentemente, uma incapacidade para descobrir o mistério e alma da intimidade sexual. Não é raro, então, que a sexualidade seja realizada sem uma maior transcendência, assumida tal como se come, ou se bebe.

  • 5. O pastor poderá desencorajar certas práticas relacionadas com a reprodução assistida. Caso haja a possibilidade de concepção de gêmeos, reprova-se qualquer tentativa de acolhida de um só óvulo, em detrimento dos outros. Nesse caso se produziría. uma ação perniciosa, através do desejo de matar dois ou três óvulos, simplesmente porque não se quer ter gêmeos.

Por outro lado, também é reprovado o congelamento de embriões excedentes, com a idéia de se encontrar mães adotivas. Outrossim, condena-se o congelamento de embriões, durante meses ou anos, em virtude de que viola o direito à continuidade da existência. A nenhum adulto deveria se congelar contra a sua vontade.

Dessa forma, seriam evitados desejos extravagantes, como o de uma mãe que tivesse filhos aos 18 e desejasse implantar em si mesma embriões dessa época 20 anos mais tarde. Não devemos esquecer de que o óvulo fecundado tem dentro de si o código genético completo, e, portanto, tanto o congelado como o eliminado são seres humanos.

Finalmente, condena-se o argumento de que um embrião é menos importante do que uma criança de um ano. Isso equivale a dizer que uma criança de seis meses ou um ano não é importante porque, comparado com um de dois anos, não pode valer-se por si mesmo.

6. O pastor deve cuidar para que as necessidades do paciente sejam supridas. Tais necessidades podem ser: de tipo físico – um quarto confortável: temperatura agradável, limpo, bem arranjado, pintura adequada, iluminação, ventilação, plantas, velador, etc. De tipo biológico — manter repouso, ou fazer exercício, regime alimentar apropriado, hidratação, eliminação de fezes e urina, sono e vigília adequados. De tipo psicológico – necessidades afetivas, como carinho, ternura, compaixão; o paciente necessita manter diálogo, comunicação de seu interior com os profissionais da saúde e seus queridos. Necessita saber de sua enfermidade, o diagnóstico, tratamento, prognóstico. Necessita participar responsavelmente do processo de tomada de decisões. Precisa ler, manter seu status cultural.

Há ainda necessidades do tipo social – que envolve contato com familiares, leitura de cartas de parentes distantes, ver fotografias. Ele precisa ser informado de sua situação profissional, especialmente quando há medo de invalidez. Deve-se contatar a instituição respectiva de trabalho. Finalmente, há necessidades de tipo espiritual, que requerem tempo para orar, ler um livro, ou ser visitado por seu líder espiritual.

7. O pastor Informará conscientemente que a frase “qualidade de vida” é interpretada em diferentes casos. Essa é uma expressão mágica, susceptível de equívocos. Ainda não foi especificado o que se entende por “qualidade de vida”. Nesse contexto, seria legítima a eutanásia em caso de pessoas desenganadas, cancerosos terminais? Por um lado, temos nos recusado prolongar a vida por meios heróicos. Mas agora, o que se discute é apressar artificialmente a morte. Diante disso, a resposta é não. Por quê? Primeiro, porque atropela o direito da inviolabilidade da vida. Os princípios éticos não admitem exceções. Uma só que seja admitida abre a porta para argúcias e admissão de outras.

Segundo, há um conceito de tempo envolvido. O tempo do homem distinto ao da física. No último caso, o presente é um instante fugaz. No primeiro, para que o presente seja tal, deve apoiar-se no passado e no que espera do porvir. Conseqüentemente, no moribundo comatoso, desenganado, está vivo todo um passado de sacrifício e amor dado por ele a outros, e que obriga a estes à devolução do amor. A aceitação da eutanásia, nesse contexto, parece ser um fervente desejo de safar-nos das moléstias, cuidados e atmosfera depressiva que provoca o doente.

8. O pastor ministrará ao paciente, com clara consciência do que sejam mor-te clínica e morte biológica. A morte clínica é a transcendente, a que define que a pessoa desaparece e não continua mais conosco, mesmo quando algumas das suas células e tecidos possam continuar vivos por algum tempo. A morte clínica é deixar de existir como um todo psicobiológico, capaz de abastecer-se a si mesmo e regular-se espontaneamente. Já não existe homeostase, capacidade de assimilar os alimentos, oxigenar os tecidos.

São sinais de morte clínica, cessação da função cardiorrespiratória espontânea, inexistência total da função do encéfalo, incluindo seu tronco. Este último aspecto é verificado através de um encefalograma plano de 30 minutos, que, repetido, seis ou 12 horas depois, permanece igual. Para que o último seja concludente, deve-se observar se não houve intoxicação com barbitúricos, benzodiazepinas, meprobamato, mataqualone ou tricloretileno. Procede-se da mesma forma quando há hipotermias inferiores a 32.2°C, em caso, por exemplo, de uma parada cardíaca.

Nos bebês prematuros ou asfixiados viáveis, é preciso um pouco mais de cautela, e a repetição do EEG deve ser feita 24 horas depois do primeiro exame.

Sabedoria

Tudo o que anteriormente foi dito põe o pastor diante de situações tais que, em anos passados, ele jamais pensou que fosse enfrentar. Sem pretender ser médicos, pode-mos trabalhar com eles, em complementação. Os pacientes demandam isso. Requer-se uma sabedoria médica que transcenda inclusive os limites da ética.

Hoje em dia, a medicina e a biologia levantam uma quantidade de interrogações que são de natureza epistemológica, de natureza antropológica, metafísica. Devemos ensinar de tal maneira que sejam satisfeitas a ansiedade e a inquietude. Hoje, a pessoa quer entender e se fazer entendida.