O Dom de Línguas Segundo a Bíblia

Em virtude da confusão reinante na atualidade sobre o dom de línguas e do falar línguas nos meios cristãos em geral, e até na mente de muitos adventistas, é necessário recorrer à Palavra de Deus para saber o que ela nos ensina a respeito. Como escreve o apóstolo João, não devemos crer a todo espírito, mas prová-los para saber “se são de Deus”. Assim conhecemos “o espírito da verdade e o espírito do erro”. I S. João 4 : 1-6.

Um exame atento das cinco passagens do Novo Testamento que mencionam o dom de línguas é absolutamente necessário, para quem deseje conhecer o ensino da Bíblia a respeito deste dom e emitir juízo seguro quanto às manifestações extraordinárias do movimento carismático, para o qual o falar línguas constitui prova evidente do batismo do Espírito Santo. Consideremos estes textos na ordem cronológica dos acontecimentos, sem esquecer que a ordem dos escritos que os relatam é diretamente inversa.

  • 1. S. Marcos 16:17. — A primeira menção do dom de línguas remonta a Jesus Cristo, mesmo. Encontra-se entre as promessas feitas aos discípulos depois da ressurreição, quando o Mestre, pouco antes de deixá-los, confia-lhes a missão de evangelizar o mundo. O evangelista Marcos é o único a mencionar esse pormenor: “E estes sinais seguirão aos que crêem: em Meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas. .. .”

É interessante destacar que Jesus é o primeiro a falar do dom de línguas. Fá-lo em forma de promessa. Também é importante sublinhar o contexto: a evangelização do mundo. É com essa finalidade — a pregação do evangelho a toda criatura — que o Senhor concederá o dom de falar “novas línguas”.

O adjetivo “novas” não significa que os discípulos falariam línguas “novas” no sentido de línguas ainda não existentes, como pretendem alguns, mas sim que eles estariam em condições de falar novas para eles, isto é, idiomas estrangeiros que poderiam falar sem havê-los aprendido.

Eis que assim é como explica Ellen G. White: “Era-lhes prometido um novo dom. Os discípulos teriam de pregar entre outras nações, e iam receber a faculdade de falar em outras línguas. Os apóstolos e seus associados eram homens sem letras, mas pelo derramamento do Espírito no dia do Pentecostes, sua linguagem, quer falassem em seu próprio idioma ou em idioma estrangeiro, era pura, simples e exata”. — O Desejado de Todas as Nações, p. 761.

O cumprimento da promessa de Jesus no dia do Pentecostes e o relato que faz Lucas do mesmo, constituem, por outro lado, a maior explicação do significado deste dom.

  • 2. Atos 2:1-13. — Esta é a passagem mais significativa em relação com o dom de línguas. Cabe destacar que Lucas, companheiro de Paulo, é o autor deste passo, e que o relato foi redigido uns dez anos depois da epístola primeira aos Coríntios, na qual Paulo aborda o problema do dom de línguas como se apresentava na igreja de Corinto. (Capítulos 12-14.) A insistência de Lucas em definir claramente o sentido que se deve dar ao dom de línguas, talvez não deixe de ter relação com os ensinos de Paulo tendentes a corrigir os erros dos Coríntios.

Na realidade, nesta passagem Lucas emprega uma única vez a expressão “falar em línguas” (verso 4). O adjetivo que associa é, por si só, explicativo: “Foram todos cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas”. Nos versos 6 e 8 Lucas emprega expressamente um termo diferente, dialektós, em lugar de gloossa, para precisar que se trata de idioma específico de uma nação ou de determinada região. (Compare-se também com Atos 1:19; 21:40; 22: 2; 26:14.) Dezesseis regiões lingüísticas estão, portanto, referidas nos versos 9 e 10, regiões cujos representantes fazem, com razão, a pergunta: “Como, pois, os ouvimos falar em nossas próprias línguas das maravilhas de Deus?” Verso 11. A multidão que acorreu estava confusa, porque cada um os ouvia falar em seu idioma (dialektós). Estavam todos assombrados e surpreendidos, e diziam uns aos outros: “Não são galileus todos estes homens? Como, pois, os ouvimos falar cada um na língua em que somos nascidos?” Versos 6-8.

Não se trata aqui em absoluto de uma língua “desconhecida”, de uma língua “espiritual” ou “celestial”. As línguas faladas pelos discípulos foram, ao contrário, especificamente designadas como línguas humanas conhecidas. O milagre do Pentecostes consistiu nisto: Deus concedeu aos discípulos a faculdade de falar nas línguas maternas dos representantes das diferentes nacionalidades ali presentes e expressamente mencionadas.

Em Atos dos Apóstolos, pp. 32, 33, Ellen G. White confirma esta interpretação: “O Espírito Santo, assumindo a forma de línguas de fogo, desceu sobre os discípulos que estavam reunidos. Isto era um emblema do dom então outorgado aos discípulos, o qual os capacitava a falar com fluência línguas com as quais nunca haviam tomado contato. . . . Esta diversidade de línguas teria sido um grande embaraço à proclamação do evangelho; portanto Deus supriu de maneira miraculosa a deficiência dos apóstolos. O Espírito Santo fez por eles o que não teriam podido fazer por si mesmos em toda uma existência. Agora podiam proclamar as verdades do evangelho em toda parte, falando com perfeição a língua daqueles por quem trabalhavam. Este miraculoso dom era para o mundo uma forte evidência de que o trabalho deles levava o sinete do Céu. Daí por diante a linguagem dos discípulos era pura, simples e acura-da, falassem eles no idioma materno ou numa língua estrangeira”. — Atos dos Apóstolos, pp. 39, 40.

  • 3. Atos 10:46. — O terceiro exemplo no falar línguas está mencionado em Atos 10:46, em relação com a conversão do primeiro gentio, Cornélio, o centurião. Todos conhecem as circunstâncias e os pormenores do relato, tais como se encontram referidos nos capítulos 10, 11: “E falando Pedro estas palavras, o Espírito Santo caiu sobre todos os que o ouviam. E os fiéis que eram da circuncisão e que haviam vindo com Pedro ficaram atônitos de que também sobre os gentios se derramasse o dom do Espírito Santo. Por que os ouviam falar em línguas, e engrandecer a Deus” (Versos 44-46).

Uma vez mais parece evidente que as línguas de que se tratam aqui não são de modo algum línguas ininteligíveis, visto que Pedro e seus companheiros “os ouviam .. . engrandecer a Deus”. No cap. 11:15, Pedro declara: “Desceu sobre eles o Espírito Santo como também sobre nós ao princípio”. Desse modo Pedro estabelecia uma comparação entre a experiência de Cornélio e a da igreja de Jerusalém no dia do Pentecostes.

No Pentecostes, o falar línguas foi o meio que Deus usou para anunciar o evangelho aos judeus crentes que vieram a Jerusalém para adorar. Neste caso particular, o fato de Cornélio e sua família haverem falado línguas constitui um “sinal” dirigido a Pedro e à igreja de Jerusalém, a fim de que cressem de uma vez por todas que “Deus não faz acepção de pessoas, mas Se agrada” de qualquer pessoa que em qualquer parte do mundo faz o que é reto e O teme. (10:34, 35.) Deus Se serviu do dom de línguas — o mesmo dom que havia concedido aos discípulos no princípio — como “sinal” para convencer a Pedro e à igreja. Daí o assombro inicial, e logo a conclusão lógica mediante a comparação com o que havia ocorrido no Pentecostes: Se Deus concedera a eles, os gentios, “o mesmo dom” que aos apóstolos, “quem era eu?” Pedro pergunta, “para resistir a Deus?” 11:17. “Pode alguém porventura recusar a água, para que não sejam batizados estes, que também receberam como nós o Espírito Santo?” Atos 10:47.

  • 4. Atos 19:1-6. — Esta é a terceira e última vez que se menciona o dom de línguas no livro de Atos. Está relacionado com a obra missionária de Paulo em Éfeso e na província da Ásia. Novamente aqui, o dom de línguas é um sinal exterior do dom do Espírito Santo. Mas também aqui se trata de falar línguas estrangeiras, como no Pentecostes. Ellen G. White explica que esses homens “receberam … o batismo do Espírito Santo, pelo qual foram capacitados a falar os idiomas de outras nacionalidades e a profetizar” (Id., p. 229). “Profetizar” é precisamente o objetivo de falar línguas de outras nacionalidades, tal como Pedro o sublinha em seu discurso no Pentecostes, ao citar o profeta Joel (Atos 2:17, 18). Por sua vez, Pedro também relacionará ambas as coisas ao mostrar aos Coríntios que “o que profetiza fala aos homens para edificação, exortação e consolação”, de modo que “prostrando-se sobre o seu rosto” o “incrédulo” adorará a Deus, declarando que verdadeiramente Deus está entre vós”. I Cor. 14:3, 24, 25.

Esta é também a experiência dos discípulos de Paulo, tal como está registrada em Atos 19:8-12. “A partir daí a linguagem dos discípulos foi pura, simples e escorreita, falassem eles no idioma materno ou em um idioma estrangeiro”. — Id., p. 40.

É preciso mencionar outro pormenor suplementar como característica do dom de línguas segundo a Bíblia, pois permite estabelecer uma distinção entre o dom verdadeiro e suas falsificações. O verbo “falar”, aqui empregado no tempo imperfeito (Atos 19:6), indica que se trata de uma ação continuada, e não simplesmente de um ato de instante, passageiro, sob o efeito de êxtase. Os que receberam o dom de falar em línguas estrangeiras receberam-no para usarem-no continuamente. Era um dom permanente sem o qual os discípulos de Éfeso não teriam podido evangelizar as nações que os rodeavam. Este é um pormenor importante que Ellen G. White sublinha em cada um dos textos comentados.