Pergunta 36 (Continuação)

IV. Provisões para Nossa Redenção

Cremos que a Bíblia ensina que ninguém precisa estar perdido para sempre em virtude da queda de Adão, pois mediante a obra redentora de Cristo foi feita provisão para que todos que aceitarem a graça de Deus possam ser libertos do pecado e reintegrados no seio da família celestial. Quando o apóstolo João escreveu de Jesus como sendo “a propiciação pelos nossos pecados,” isto é, os pecados dos crentes, foi feita a declaração de que a expiação de reconciliação, ou propiciação, não o foi sòmente por nossos pecados, mas também pelos pecados de todo o mundo (I S. João 2:2).

O fato trágico, entretanto, é que nem todos aceitarão o sacrifício e receberão a vida eterna. Disse Jesus: E não quereis vir a Mim para terdes vida.” S. João 5:40. Em Seu fervente apêlo disse: “Quantas vêzes quis Eu ajuntar os teus filhos … e tu não o quisestes.” S. Mat. 23:37. E mais tarde Estêvão acusou os fariseus de serem “de dura cerviz” e sempre resistirem ao Espírito Santo (Atos 7:51). Assim, pois, à luz do testemunho bíblico podemos concluir que êles não foram compelidos a resistir ao Espírito Santo, mas escolheram fazê-lo. Concordamos com Armínio quando disse:

5. “Tôdas as pessoas não regeneradas possuem livre vontade e capacidade de resistir ao Espírito Santo, de rejeitar a livre graça de Deus, de desprezar o conselho de Deus em prejuízo de si mesmos, de recusar aceitar o evangelho da graça, e de não abrir a porta do coração Àquele que bate; e tudo isso êles podem na realidade fazer sem qualquer diferença dos eleitos e os reprovados.” — The Writings of James Arminius (Baker, 1956), Vol. 2, pág. 497.

O apóstolo Pedro, falando da longanimidade de nosso Senhor, declarou que Êle não deseja que alguém se perca, “mas que todos venham ao arrependimento.” II S. Ped. 3:9. Esta mensagem não é restrita ao Nôvo Testamento, mas é igualmente real no Velho Testamento. “Vivo Eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se arrependa de seu mau caminho, e viva.” Ezeq. 33:11. Mas quando o ímpio se arrepende se converte de seu caminho ímpio, por êsse próprio ato torna-se filho de Deus e coloca-se onde o Espírito de Deus pode levá-lo a fazer a vontade de Deus. “Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus êsses são filhos de Deus.” Rom. 8:14.

É importante sabermos “qual seja a vontade do Senhor.” Efés. 5:17. Escrevendo aos tessalonicenses Paulo disse: “Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação.” I Tess. 4:3. O evangelho de Cristo representa boas novas, dizendo como Deus pode tomar uma alma perdida, alguém que por natureza é Seu inimigo, e depois de perdoar-lhe os pecados pode mudar-lhe a vida, de maneira que não sòmente seja purificada de tôda contaminação, mas pelo crescimento na graça seja conforme a imagem de seu Senhor.

V. A Graça Divina Tanto Justifica como Santifica

Justificação é a primeira obra da graça. A continuidade da obra da graça na vida é santificação. Alguns que começam a andar no caminho de Deus e se rejubilam ao pensamento de que são justificados, deixam de apropriar-se do imanente poder de Cristo pelo qual a pessoa pode ser santificada. O resultado é que no final são encontrados indignos. Esta a razão por que o apóstolo disse: “Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados.” II Cor. 13:5. Jesus disse: “Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus, mas aquêle que faz a vontade de Meu Pai que está no Céu.” S. Mat. 7:21.

A graça de Deus é dada ao crente a fim de que êle possa pôr de lado cada embaraço, e o pecado que tão de perto o rodeia (Heb. 12:1), e assim possa prosseguir com paciência na carreira da fé que está diante dêle. O poder do Espírito Santo capacita-o a obter a vitória sôbre o pecado agora, e a viver uma vida inteiramente consagrada a Deus. “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo a salvação a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando ao pecado e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente.” Tito 2:11 e 12. Pela graça somos justificados, e pela mesma graça somos “povo peculiar, zeloso de boas obras.” Tito 2:14. E mediante a permanência do Espírito Santo na vida, somos formados à imagem dAquele que nos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz. De nôvo citamos Armínio:

“É a graça que opera na mente, nas afeições, na vontade; que infunde bons pensamentos à mente, inspira bons desejos às afeições e faz a vontade inclinar-se no sentido da execução dêsses bons pensamentos e bons desejos. . .. Ela desvia as tentações, assiste e socorre em meio às tentações, sustém o homem contra a carne, o mundo e Satanás, e neste grande conflito garante ao homem o desfruto da vitória. … Esta graça dá início à salvação, promove-a, e aperfeiçoa-a e consuma-a.” — The Writings of James Arminius, Vol. 2, págs. 472 e 473.

Quando Cristo está vivendo no coração de alguém que é um verdadeiro cidadão do reino de Deus, isto se tornará fartamente evidente, pois cada um de seus atos e palavras estarão sob o controle do Espírito Santo. Isto é o que o Senhor espera de Seu povo, pois “aquêle que diz que está nÊle, também deve andar como Êle andou.” I S. João 2:6. O grande apóstolo diz: “Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nÊle.” Col. 2:6.

João Wesley expressa de maneira muito elegante êste pensamento num de seus sermões:

“Pela justificação somos salvos da culpa do pecado, e reintegrados no favor de Deus; pela santificação somos salvos do poder e da raiz do pecado e restaurados segundo a imagem de Deus.” — Sermons: On Working Out Our Own Salvation.

Então, falando de nosso amor a Deus, êle diz:

“Êsse amor aumenta mais e mais, até crescermos em tudo nAquele que é a cabeça, até alcançarmos a estatura perfeita de Cristo Jesus.” — Ibidem.

Com efeito, na compreensão de Wesley, crescer na graça não era meramente um privilégio, mas um requisito absoluto para a retenção da “grande salvação.”

  • VI. Uma Vez Salvo, o Homem Pode Ainda Apostatar

Jesus disse: “Aquêle que perseverar até o fim, será salvo.” S. Mat. 10:22. Ver também S. Mat. 24:13; S. Mar. 13:13. Não sòmente deve haver um início da vida cristã, mas deve haver também uma continuidade na Palavra de Deus.

Da maneira como o compreendemos, dois caminhos se abrem aos homens: (1) “Aos que, com perseverança em fazer o bem, procuram glória, e honra e incorrupção” (Rom. 2:7), Deus garante a vida eterna, o “dom gratuito de Deus” (Rom. 6:23), mas “aos que são contenciosos, e desobedientes à verdade e obedientes à iniqüidade” (Rom. 2:8), Deus fará sujeitos à “indignação e à ira.”

A salvação é livremente oferecida a todos os homens, mas êles só a recebem pela aceitação de Cristo Jesus como o Senhor. E havendo-a recebido, devem prosseguir “em conhecer ao Senhor.” Oséias 6:3. Isto recebe freqüente ênfase pelos vários “se” em muitos textos. Exemplo: “Mas Cristo, como Filho sôbre a Sua própria casa, a qual casa somos nós, se tão-sòmente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até o fim” (Heb. 3:6); “Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até o fim.” (Verso 14); “Jesus dizia pois aos judeus que criam nÊle: Se vós permanecerdes em Minhas palavras, verdadeiramente sereis Meus discípulos.” (S. João 8:31); “Se vós estiverdes em Mim, e as Minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito” (S. João 15:7); “Se guardardes os Meus mandamentos permanecereis em Meu amor, assim como Eu tenho guardado os mandamentos de Meu Pai, e permaneço no Seu amor” (verso 10). A nós nos parece claro, portanto, que o homem, uma vez salvo, pode ainda voltar para o mundo.

Se não é assim, há vários textos difíceis de serem compreendidos e de se harmonizarem com o ensino geral da Bíblia.

Há assim o texto: “Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado.” I Cor. 9:27. A expressão “reprovado” aí é do grego adokimos, cuja exata tradução é “rejeitado ’ (Heb. 6:8).

Assim comenta Matthew Henry I Cor. 9:27: “Um pregador da salvação pode ainda perder-se. Êle pode conduzir outros ao caminho do Céu e êle mesmo não lograr entrar ali. Para evitar isto, Paulo sofreu tantas dores em subjugar suas inclinações corporais, não acontecesse que êle mesmo, que havia pregado a outros, perdesse a coroa, fôsse desaprovado e rejeitado pelo soberano Juiz. Um santo temor por si mesmo foi necessário para preservar a fidelidade de um apóstolo; e quanto mais necessário o é para nossa preservação! Notai, santo temor por nós mesmos, e não presunçosa confiança, é a melhor garantia contra o afastar-se de Deus com final rejeição por Êle.”

Outro texto que precisa ser considerado é Hebreus 10:28 e 29: “Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquêle que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?”

Sôbre isto o deão Henry Alford comenta com propriedade:

“Existe apenas Um verdadeiro sacrifício pelos pecados: Se um homem, havendo-se beneficiado dêsse sacrifício, lança-o então deliberadamente para trás de si, não há um segundo sacrifício deixado para êle. Deve observar-se que uma coisa não é, nem precisa ser, especificada nesse texto: que êle tenha exaurido a virtude dêsse Único sacrifício; isto não é dito. Mas em proporção à sua voluntária rejeição dêle, êle cessou de operar em seu favor. Tal pessoa, com efeito, fechou a porta do arrependimento atrás de si, pelo próprio fato de estar num permanente estado de disposição de pecar. E isto é tornado ainda mais expressivo quando… a cena da ação é transferida para o grande dia da volta do Senhor, e êle é achado irreparàvelmente nesse estado impenitente.” — The Great Testament (1875), pág. 707.

Um texto mais — Ezequiel 18:20-24: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade do filho. A justiça do justo ficará sôbre êle, e a impiedade do ímpio cairá sôbre êle. Mas se o ímpio se converter de todos os seus pecados que cometeu, e guardar todos os Meus estatutos, e fizer juízo e justiça, certamente viverá; não morrerá. De tôdas as suas transgressões que cometeu não haverá lembrança contra êle; pela sua justiça que praticou, viverá. Desejaria Eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Jeová; não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniqüidade, fazendo conforme tôdas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De tôdas as suas justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, nêles morrerá.”

Nestes versos dois homens são trazidos à cena. Um, o ímpio que se converte de seus pecados e torna-se obediente a Deus. Êle é perdoado; e se andar nos caminhos da justiça, nenhum de seus anteriores pecados será trazido à memória contra êle. O outro, um justo que se desvia dos caminhos de sua justiça, e volta ao pecado. Se êle continua em iniqüidade, nenhuma de suas manifestações anteriores de bondade será lembrada. Êle perde tôdas as bênçãos da salvação e vai para a morte.

O Dr. H. A. Redpath (The Westminster Commentaries, sôbre Ezeq. 18:24), diz:

“Toda a sua (do justo) justiça anterior deixará de ser contada: êle morrerá em seus pecados. … Se, depois de haver escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, êles de nôvo se deixarem prender nelas e forem vencidos, seu derradeiro estado é pior do que o primeiro.”