“Pela fé Moisés, já adulto, recusou ser chamado filho da filha do faraó, preferindo ser maltratado com o povo de Deus a desfrutar os prazeres do pecado durante algum tempo”

Se lá estivéssemos em pessoa, provavelmente pensaríamos que estávamos testemunhando uma das mais implacáveis disputas familiares na História. A senhora mais velha, com o queixo empinado numa imagem de determinação real podia ter quase 50 anos naquele tempo. Sendo a próxima na linha do trono, devia ter sido acostumada a ter seus desejos pessoais prontamente atendidos. Mas ali estava um jovem – um príncipe – que resolutamente proferia obstinadas palavras diante dela, sobre uma decisão a ser tomada. Que poderia ela fazer para que ele visse a profunda sabedoria do seu conselho e a suposta falta de sentido da decisão que ele tomava?

A Bíblia nos dá a mais breve descrição daquele emocionante momento. “Pela fé Moisés, já adulto, recusou ser chamado filho da filha do faraó, preferindo ser maltratado com o povo de Deus a desfrutar os prazeres do pecado durante algum tempo. Por amor de Cristo, considerou sua desonra uma riqueza maior do que os tesouros do Egito, porque contemplava a sua recompensa” (Hb 11:24-26).

O que torna extremamente fascinante a decisão de Moisés é a recente publicação de alguns detalhes, até agora desconhecidos. Esses detalhes nos dão nova e empolgante evidência dessa antiga querela familiar e nos permitem obter uma imagem da princesa egípcia que havia adotado Moisés e a quem ele enfrentou. Atualmente, podemos compreender mais plenamente que a decisão de Moisés não apenas afetou sua vida e suas ações futuras, mas também teve profundo efeito sobre o governo do Egito, durante muitas gerações futuras.

Apoio cronológico

Em janeiro de 2012, a edição da Biblical Archaeology Review citou novas informações que localizaram a data do Êxodo como sendo dois séculos mais cedo do que a que os eruditos normalmente criam.1 Isso significa que mesmo eruditos de mentalidade liberal agora podem concordar que o Êxodo deve ter ocorrido próximo ao ano 1445 a.C., como a cronologia bíblica sempre sugeriu. Porém, de que maneira is- so impacta nossa compreensão da experiência de Moisés? A época do Êxodo nos permite agora ter o tempo mais exato para episódios da vida de Moisés, incluindo seu nascimento e sua decisão de renunciar à sua posição na família real. Essa informação nos permite mais facilmente ligar sua vida com os membros da família real que governou o Egito durante sua existência.

Aceitando a data de 1445 a.C. para o Êxodo e reconhecendo que a Bíblia estabelece que Moisés tinha 80 anos naquela ocasião (Êx 7:7), somos levados a concluir que Moisés deve ter nascido em 1524 a.C. Então, se aceitamos que Moisés tinha aproximadamente 30 anos quando atingiu a maioridade, podemos chegar ao ano 1495 a.C., como a época em que ele tornou claro que não mais seria “filho da filha do faraó”. Ao fazer tal declaração, obviamente Moisés renunciava à possibilidade de se tornar o seguinte governador do Egito. Portanto, isso representou uma decisão de grande consequência.

Ambiente familiar

Outro artigo publicado pela National Geographic coloca Moisés no ambiente familiar adequado às famílias reais do Egito.2 Isso nos ajuda a determinar quem eram o faraó e a “a filha do faraó” durante os anos em que Moisés cresceu no palácio e confirmar o ano em que ele tomou a importante decisão.

À luz dos detalhes fornecidos por Brown, a mulher pode ser identificada com a famosa princesa conhecida nos registros do Egito antigo como Hatshepsut, cuja extensão de vida e governo sobre o Egito agora se correlacionam a episódios pertinentes da vida de Moisés. Portanto, parece historicamente claro que a Hatshepsut do artigo de Brown deve ser vista realmente como representando a mesma antiga princesa egípcia que tirou Moisés do rio Nilo. Por exemplo, no artigo, Brown menciona um pequeno detalhe: “Seu mordomo chefe e arquiteto se refere a ela como ‘filha primogênita do rei’, distinção que acentua sua linhagem como herdeira de Tutmosis I, não como esposa de Tutmosis II.”3

De fato, o escritor do livro aos hebreus descreve Moisés como filho adotivo da “filha de faraó”. Obviamente, agora existe uma razão histórica para a referência segundo a qual ele “recusou ser chamado filho da filha do faraó”.

Mas, na área da cronologia relativa a Moisés, o artigo da National Geographic se torna mais ajudador e informativo. Sem dúvida nenhuma, poderíamos ser justificados por defender que a filha do faraó devia ter aproximadamente 20 anos quando resgatou Moisés do Nilo. Isso colocaria seu nascimento perto do ano 1545 a.C. Porém, de acordo com Brown, Hatshepsut não começou a governar o Egito até 1479 a.C. O período de seu reinado foi de 1479 a.C. até 1458 a.C. Isso significa que a família real deve ter tido pelo menos 15 ou 16 anos para considerar os potenciais efeitos da afirmação de Moisés.

Seguramente teria sido necessária muita súplica para que fosse demovido da decisão tomada. Essa possibilidade é apontada pelo fato de que havia poucos homens herdeiros do trono do Egito naquele tempo. Além de Moisés, havia outro rapaz que remotamente poderia ser considerado, e era filho de uma segunda esposa do faraó anterior. Esse rapaz, que posteriormente recebeu o nome de Tutmosis III, era dez ou vinte anos mais jovem que Moisés.

Os anos restantes de Moisés e de outros atores nos eventos daquele período, agora estão mais fáceis de ser esclarecidos. Depois de tornar pública sua decisão, Moisés permaneceu no Egito apenas pouco mais de dez anos, isto é, até 1485 a.C. Então, depois de ter matado um egípcio, ele fugiu do país (Êx 2:12-15) porque temeu o rei que naquele tempo ainda poderia ter sido Tutmosis II, pai de Hatshepsut.

Seis anos depois da fuga de Moisés, Tutmosis II morreu e Hatshepsut necessitou agir. Obviamente, ela não se sentiria à vontade em casar com o jovem que mais tarde se tornaria Tutmosis III, e não havia nenhum outro homem herdeiro deixado para ela. Consequentemente, em um bizarro capítulo da história antiga, Hatshepsut assumiu corajosamente o comando como se fosse homem e se declarou faraó do Egito.

Hatshepsut governou o Egito como um homem aproximadamente 21 anos. Durante esse tempo, ela teve muitas imagens e estátuas de si mesma, porém sempre apareceu com vestes tipificando um rei – nunca nos trajes de rainha. De fato, ela aparecia com barba artificial para acentuar sua suposta masculinidade. Então, logo depois de assumir o trono, ela promoveu Tutmosis III a segundo faraó com ela. Mas ele sempre foi forçado a aparecer secundariamente, com ela à frente, num papel que o irritava.

Tutmosis III revelou seus verdadeiros sentimentos para com Hatshepsut depois da morte dela em 1458 a.C. Primeiramente, o corpo dela mumificado foi grosseiramente retirado do sarcófago que ela havia preparado, e a múmia foi mesmo jogada de sua câmara funerária para um sala adjacente que havia sido preparada para colocar alguns servos e seus suprimentos para a suposta vida após a morte. Então, em vários lugares através do Egito, suas imagens e estátuas foram sistematicamente mutiladas para mostrar o desprezo que seu sucessor nutria em ralação a ela.

Fazendo a escolha certa

Na verdade, essa história tão dramática possui um poderoso apelo homilético que nos anima a fazer escolhas certas na vida. Cada um de nós pode vir a enfrentar tempos de luta. Corremos o perigo de fazer más escolhas sob promessas de grandes vantagens, à semelhança do trono do Egito para Moisés. Porém, o exemplo do grande legislador deve nos animar a refletir muito cuidadosamente essas escolhas e seguir o caminho certo. Caso contrário, podemos terminar a história de nossa vida como uma interessante peça de museu em algum lugar. Em vez de se interessar por esse papel, a Moisés foi dado o privilégio de ser um dos conselheiros de Jesus no monte da transfiguração. Agora, provavelmente, ele tem a responsabilidade por alguma área administrativa no governo celestial de Deus.

Quão maravilhoso é que ele soube como fazer a escolha certa!

Referência:

  • 1  Hershel Shanks, Biblical Archaeology Review 38, no 1 (2012), p. 62, 67.
  • 2  Chip Brown, National Geographic 215, no 4 (abril 2009), p. 88-111.
  • 3  Ibid.