Sermão proferido no dia 11 de abril de 1998, na cidade de Tremembé, SP, em cerimônia comemorativa do 80° aniversário do Pastor Pedro Apolinário, professor do Salt-IAE, há 55 anos servindo à Causa de Deus

Professor Pedro Apolinário: Comemoramos hoje seus 80 anos de vida. Parabéns, e que Deus o abençoe ricamente. O número 80 não é freqüente na Bíblia. Existem umas onze referências que não chamam muito a atenção, exceto o Salmo 90, que justamente nos fala da idade dos 80 anos.

Em todo o texto sagrado, apenas duas pessoas são mencionadas com essa idade. Uma delas é Barzilai, que saiu ao encontro do rei Davi quando este retornava ao trono, após a rebelião de Absalão (II Sam. 19:32). Mas o ancião se referiu-se que apenas às dificuldades da idade avançada, de forma que não devemos nos demorar nele.

O outro, porém, é uma evidência de que Deus pode se valer de um ancião, e, quando o faz, milagres poderosos acontecem. Basta lembrar que o maior evento do Velho Testamento, o Êxodo, tão grandioso que se tornou um tipo do Calvário, ocorreu com a participação decisiva de um ancião de 80 anos (Êxo. 7:7). Refiro-me a Moisés, o maior legislador que o mundo conheceu.

Moisés escreveu os cinco primeiros livros da Bíblia e nos legou um dos salmos mais significativos, o Salmo 90. No verso dez ele afirma que a idade dos 80 é alcançada em resultado do vigor; de maneira, professor Pedro, que o senhor pertence à classe dos privilegiados, dos que têm saúde e energia. Mais que isso, Moisés é um exemplo de que o significado de uma vida pode estar apenas começando aos 80 anos.

Formoso e famoso

A Bíblia nos diz que Moisés era formoso e famoso (Êxo. 2:2; 11:3). Bem, professor, quanto ao irmão ser formoso, acredito que a Sra. Vanda Apolinário sempre concordou que assim o é, o que explica ser ela a sua esposa. Quanto a ser famoso, não resta dúvida que, pelo ministério de ensino que o irmão cumpriu até agora, principalmente na área teológica, pelos livros que escreveu, não são poucos os que o conhecem e o admiram.

Conhecemos bem a história do nascimento de Moisés e de como a sua mãe o escondeu por três meses. Mas alguém formoso e que está destinado a se tornar famoso não pode ficar no anonimato por muito tempo. Adotado pela princesa egípcia Hatshepsut, filha do faraó Tuthmosis I, Moisés foi devolvido à própria mãe para que Iho criasse. Mas em vez de criá-lo para a princesa egípcia, a mãe o criou para Deus e para o cumprimento de sua importante missão.

Oportunidade para ser um grande faraó não faltou a Moisés. Educado no mais famoso centro de cultura da época, ele, segundo Filo, se tornou proficiente em aritmética, geometria, poesia, música, filosofia e astronomia. Segundo Eupôlemus, foi ele o inventor dos alfabetos fenício e grego. Josefo afirma que, notavelmente sábio e possuindo invejável compleição física, Moisés se destacou em seu preparo militar, tornando-se o comandante-chefe do exército egípcio, e conduzindo vitoriosamente uma expedição militar contra os etíopes.

Mas seu interesse estava voltado para Israel como seu próprio povo. Ele não podia estar feliz enquanto o via escravizado. Por maior que fosse a glória mundana a seus pés e ao seu dispor, seu grande ideal de servir a Deus jamais foi eclipsado. Assim, o ser Moisés formoso e famoso não é para ser entendido meramente em termos de aparência física e proeminência social, mas em termos de pujança espiritual; não apenas o fruto de façanhas mundanas, ainda que sensacionais, mas o resultado incontestável da disposição humana unida ao braço da Onipotência, para a realização de Sua obra.

Fantástica a visão transcendente que impeliu Moisés para o cumprimento de sua tarefa. Aos 40 anos, uma simples intuição, porém suficiente para “contemplar o galardão” e recusar “ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus, a usufruir prazeres transitórios do pecado” (Heb. 11:24 e 26).

Mas só uma intuição era pouco para Moisés. O que ele precisava mesmo era de uma visão. Assim, ele teve que deixar o Egito, e fugir para o deserto onde, por mais 40 anos, foi ensinado por Deus.

A missão e o descanso

É então que, aos 80 anos, Moisés teve a visão necessária para iniciar a grande missão de sua vida, a visão da graça; Deus se manifestando numa simples sarça para lhe revelar Seu grande propósito: “Vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento, por isso desci a fim de livrá-lo… e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e ampla…” (Êxo. 3:7 e 8). Ora. o que Deus fez por Israel naquela ocasião é essencialmente o que fez por nós aqui, para nos resgatar do pecado.

Moisés voltou ao Egito, e, depois de todas as maravilhas ali operadas, retirou o povo conduzindo-o à terra prometida. Assim, o mesmo Moisés que escreveu em seu salmo que aos 80 anos aguardam pelo homem apenas canseira e enfado, iniciou exatamente aí um ministério que, pelo poder de Deus, se estenderia por mais 40 anos marcados com sinais e prodígios.

Oitenta anos! Que idade singular para permitir que Deus demonstre que o seu poder se aperfeiçoa na fraqueza (II Cor. 12:9)! Por isso Paulo disse: “quando sou fraco, então é que sou forte” (V. 10).

Bem, quando os 40 anos de ministério se passaram e chegara o momento do grande libertador descansar, Deus lhe deu uma derradeira e culminante visão. Como é possível um ancião de 120 anos subir sozinho a montanha de Nebo? Só há uma explicação: o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza. Que energia possuía Moisés! Jamais as pernas cambalearam, os pés não vacilaram, nem as vistas escureceram. Muito ao contrário.

Do cume do Pisga, Deus lhe mostrou toda a terra prometida (Deut. 34:1-3), e mais que isso, os eventos subseqüentes: o Calvário, o desfecho do grande conflito, a volta de Jesus e, finalmente, a Terra renovada, restaurada, sem mais a presença do pecado, o lar eterno que o Senhor está preparando para os que O amam (ver Patriarcas e profetas, págs. 499-503). Se aos 80 anos, Moisés teve a visão da graça, a visão da libertação, e com ela iniciou o seu ministério; aos 120 anos, ele teve a visão da posse de Canaã, a visão da salvação, a visão da consumação final, a visão do reino eterno, a visão da glória, e com ela encerrou o seu ministério.

Deuteronômio 34:10 afirma que “nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés”. Evidentemente, quando essas palavras foram escritas, Jesus ainda não havia nascido, pois Ele é o profeta semelhante a Moisés que deveria vir. Mas a singularidade de Moisés como profeta deveu-se não tanto à obra que realizou, mas à visão que teve. Ou quem sabe, deveríamos afirmar que ele realizou uma grandiosa obra para Deus em virtude da visão que marcou o seu ministério. O texto nos fala de Moisés como alguém com quem Deus tratou face a face. Moisés e seu ministério se nutriram, até o fim, da visão de Deus e de Seus propósitos.

Obediência à visão

Professor Pedro, o senhor chegou aos 80 anos de uma vida profícua e consagrada a Deus. Não sei como foi o começo do seu ministério. Mas estou seguro de que o senhor escolheu o rumo que seguiu, motivado, desde o início, em 1944, por uma intuição do chamado de Deus, intuição que logo se transformou numa visão da graça, do quanto Jesus significa para o irmão, e de que sua melhor resposta ao Seu amor seria uma vida devotada ao bem de Sua obra.

E já que as visões não se destinam apenas à contemplação, sei que a visão da graça o acompanhou, impelindo-o por todos esses 55 longos anos de dedicado labor à Igreja. De que todas as vezes que o irmão escalou o Pisga da meditação e do estudo, da oração e da comunhão com Deus, o senhor contemplou Seus planos e propósitos, que o levaram à ação. De maneira que o senhor pode hoje dizer como Paulo: “Não fui desobediente à visão celestial” (Atos 26:19).

Mais uma vez, que o Senhor o abençoe e o faça ainda frutífero em seu trabalho, pois sei que, embora jubilado, o irmão continua em franca atividade. Que exemplo e inspiração para todos nós! Por mim, e por tantos obreiros que, iguais a mim, muito lhe devem pela formação ministerial que obtiveram, muito obrigado e que Deus o recompense.

Tenho apenas um pedido a lhe fazer: continue contemplando as visões de Deus. Chegamos ao final do século 20, indubitavelmente ao tempo da chuva serôdia e do fim de todas as coisas. As palavras de Joel 2:28 se voltam para nós com significado e força totais: “E acontecerá depois que derramarei o Meu Espírito sobre toda a carne: vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão e vossos jovens terão visões.”

Mais do que nunca, que Deus o sustente com muita saúde, e com a visão do que e de Quem está para chegar. E que no glorioso dia do eterno alvorecer, Deus o coroe com o galardão dos lutadores e vitoriosos em Cristo Jesus.

JOSÉ CARLOS RAMOS, D. Min., diretor do Programa Doutorai e professor do Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, Engenheiro Coelho, SP