Devemos buscar o poder do Consolador, na certeza de que Deus no-Lo enviará, pois assim prometeu

Quando eu era jovem, assisti a um culto carismático em uma igreja no subúrbio de minha cidade. Tendo crescido em uma denominação protestante conservadora, suspeitei que a experiência poderia ser muito diferente do que eu estava acostumado, mas eu estava pronto para uma nova aventura.

O culto era muito barulhento e transcorria livremente. Pareceu-me desordenado, limitando com o sacrílego. Lembrei-me de que estava ali para observar e aprender, e não para criticar. Pessoas espalhadas por todo o santuário oravam fervorosamente pelo Espírito Santo. Algumas oravam em pé, outras caminhando agitadamente, algumas oravam sentadas ou mesmo deitadas no chão. Também havia quem falasse línguas estranhas. O líder do culto era o mais barulhento, aproximando-se das pessoas e colocando uma das mãos sobre elas, tocando-as levemente, enquanto segurava uma Bíblia com a outra mão. Eventualmente, tendo voltado à calma, cantávamos um hino e eu saía com muitas perguntas na mente.

Anos depois, tive oportunidade de fazer estudos pessoais e acadêmicos sobre o trabalho do Espírito Santo em nossa vida. No mundo cristão, há uma grande ansiedade por receber o Espírito e Seu poder. Hoje, o moderno movimento pentecostal/carismático está em sua terceira onda, ou fase,1 e tem mais de 600 milhões de adeptos no mundo. Em apenas um século, ele tem crescido em velocidade mais rápida do que a igreja primitiva do Novo Testamento. As igrejas pentecostais ou carismáticas respondem por praticamente 90% de crescimento da igreja cristã no terceiro mundo, hoje.

Existem muitas importantes perguntas sobre o movimento carismático, tais como: Quando o Espírito vem ou como Se manifesta na vida do crente? Porém, eu gostaria de considerar outra pergunta: Quais são as condições que a Bíblia apresenta para que alguém receba o Espírito? Embora a lista possa variar em número, encontrei sete condições no Novo Testamento, quatro das quais serão analisadas nesta que constitui a primeira de duas partes deste artigo.

Arrependimento

“Ouvindo eles estas coisas, compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2:37, 38).

O arrependimento é a primeira condição, porque sem ele, nenhuma outra importaria, mesmo que fosse completamente preenchida. A palavra utilizada na Bíblia implica “mudança radical, moral e integral da pessoa, deixando o pecado e se voltando para Deus”.2 Isso não significa simplesmente mudar nossa mente em relação à direção em que estamos indo, conforme compreendem muitos cristãos, mas é uma renúncia radical do que somos e fazemos.

Não se trata, por exemplo, de um garoto de oito anos ajoelhado com a mãe, junto à cama antes de dormir, orando: “Papai do Céu, me perdoe por todos os meus pecados”, sem a noção de quais são esses pecados. O contexto do sermão de Pedro é claro: os ouvintes necessitavam se arrepender do ato de haver rejeitado e crucificado o Salvador (v. 22, 23). Isso é arrependimento da descrença naquilo que Jesus é capaz de fazer por nós, e que foi a razão de Sua pregação: “Arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1:15). O arrependimento aqui referido significa total despojamento de quem nós somos em vista do que Jesus é, de Seu grande amor e Seu sofrimento por nós, apesar de nosso pecado.

A Bíblia nos fala sobre o que produzirá o arrependimento transformador da vida: exposição ao amoroso e bondoso caráter de Deus. “Ou desprezas a riqueza de Sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento”
(Rm 2:4). Por isso, é absolutamente imperativo que contemplemos Jesus todos os dias. Devemos nos assentar aos Seus pés e meditar em Seu amor e bondade para conosco. Unicamente essa experiência nos levará ao genuíno arrependimento, aquele que leva uma pessoa a se entregar inteiramente. O tipo de arrependimento que nos leva à renúncia de nós mesmos e nos conduz aos braços de Deus, sabendo muito bem que não merecemos nada do que Ele fez por nós. Então, somos reduzidos a nada, diante desse amor.

Alguns anos atrás, quando eu ensinava em uma universidade cristã, certa manhã bem cedo, fui ao meu escritório para pesquisar. Casualmente, meus olhos pousaram em um parágrafo do bem conhecido clássico sobre a vida de Jesus, O Desejado de Todas as Nações. O texto fala do sacrifício de Jesus por mim; do brutal abuso que Ele sofreu por mim: Sua cabeça, Suas mãos e Seus pés feridos. Menciona “a indizível angústia” que encheu a alma de Cristo “ao ocultar-se dEle a face do Pai”, por causa do meu pecado. Então, no crescendo de uma realidade dolorosa, apontava o dedo literário para mim: “É por ti que o Filho de Deus consentiu em carregar esse fardo de culpa; por ti Ele destruiu o domínio da morte, e abriu as portas do Paraíso.”3

Não me foi possível terminar a leitura. Comecei a chorar muito. Tentei terminar de ler, mas não podia ver as letras. Meus olhos se transformaram no leito de um rio de tristeza e dor mescladas com alívio. Caí de joelhos, e orei em voz alta: “Por que, Senhor, por que o Senhor me ama tanto? Quem sou eu, para que o Senhor Se entregasse por mim?” Naquela manhã, chorei copiosamente. O amor do meu Salvador, Mestre e Senhor me foi apresentado de maneira que eu nunca havia compreendido antes. Durante anos, eu havia sido pastor e professor de Bíblia. Cresci em um lar cristão, exposto ao trabalho de Cristo em favor dos pecadores. Levei centenas de pessoas aos pés da cruz. De fato, eu já tinha lido aquele parágrafo algumas vezes; mas, naquela manhã, as janelas do Céu foram abertas deixando passar um intenso fluxo de luz sobre a graça de Deus, como eu jamais havia percebido.

Naquele chão, permaneci quase uma hora, chorando por haver causado Sua morte, por ter vivido tanto tempo sem ter apreciado plenamente o que Ele fez em meu favor; por haver brincado com o pecado, sem avaliar o que este Lhe causou. Como poderia o Deus do Céu, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, a quem devemos todas as coisas, desde nossa primeira respiração até a vida eterna, ter entregado Sua vida, Seu tudo, por mim?

Como você pode imaginar, minha entrega a tal amor foi inevitável. Meu arrependimento foi profundo, porque o amor de Deus foi profundamente percebido. O Espírito de Deus invadiu meu coração naquela manhã de maneira forte demais para ser esquecida

Confiança implícita

“Para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido” (Gl 3:14).

Há diferença entre crer e confiar. Enquanto confiar está relacionado com avançar fundamentados na certeza das convicções, crença é apenas assentimento intelectual. Uma pessoa pode necessitar ir ao supermercado à meia-noite e crer que ele provavelmente esteja aberto. Mas, a fé nessa crença somente se torna confiança quando ela toma o carro e dirige até o local. Então, a pessoa está fazendo alguma coisa sobre a crença.

Na Bíblia, fé é sempre confiança; jamais é simples assentimento intelectual. Quando minha filha tinha três anos, caminhávamos por uma trilha e eu resolvi colocá-la sobre uma árvore à altura dos meus ombros. Então, abri os braços e disse: “Stefani, abra seus braços, não olhe para você e caia sem dobrar os joelhos. Papai vai pegar você.” Ela fez tudo isso em um segundo, sem hesitar. E mais: gostou tanto que resolveu repetir a experiência. Isso é confiança.

Confiança é uma condição para recebermos o Espírito de Deus em nossa vida. Muito frequentemente, as pessoas procuram sinais e maravilhas, alguma coisa superpoderosa e sobrenatural, indicadora de que, finalmente, o Espírito Santo chegou. Porém, simplesmente devemos crer que Deus enviará o Espírito, porque essa é a promessa que Ele fez. Confiança é nos prendermos ao que Deus disse, mesmo quando somos incapazes de perceber qualquer evidência externa dos fatos.

Oswald Chambers, autor de Tudo Para Ele, era professor de filosofia quando ouviu F. B. Meyer falar sobre o Espírito Santo. Daquele dia em diante, Chambers buscou zelosamente, durante quase quatro anos, o derramamento do Espírito Santo em sua vida. Entretanto, sentia-se frustrado porque aparentemente nada extraordinário acontecia. “Eu estava ficando muito desesperado”, ele escreveu, “sabia que ninguém tinha o que eu queria.” Até que, certo dia, enquanto lia o texto de Lucas 11:13, ele decidiu tomar Deus pela palavra, clamou muitas vezes o dom do Espírito para a vida dele.4

Recebemos o Espírito, pela fé, sem a necessidade de esperar qualquer manifestação sobrenatural. Assim, enquanto você reúne as várias condições apontadas na Escritura, clame pela promessa do Espírito em sua vida. Agradeça a Jesus Cristo o dom do Espírito e a boa vontade do Céu para encher você com a abundância do Seu amor, Sua graça e Seu poder. Então, ajoelhe-se dizendo para você mesmo que, neste dia, o Espírito Santo está no controle de sua vida, não porque você sinta algo fora do comum a respeito disso, mas porque Ele disse que é assim.

Obediência

“Nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que Lhe obedecem” (At 5:32).

Na Bíblia, fé e obediência andam de mãos dadas. Se você ama a Deus com todo o seu coração, obedecerá a Seus mandamentos, por que confia nEle. Se você obedece a Jesus com todo o coração, isso acontece porque você O conhece bastante para confiar nEle. “Se alguém Me ama”, disse Jesus, “guardará a Minha palavra” (Jo 14:23). “Aquele, entretanto, que guarda a Sua palavra, nEle, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisso sabemos que estamos nEle: aquele que diz que permanece nEle, esse deve também andar assim como Ele andou” (1Jo 2:5, 6).

Essa obediência não é legalismo farisaico – obediência para ser salvo ou abençoado. Ela brota do coração como genuíno desejo de agradar a Deus, cumprindo Sua vontade.

Dwight L. Moody se converteu em Chicago, quando era adolescente, e dirigiu a maior escola dominical do país durante muitos anos. Ele havia sido um excelente homem de negócios e ganhou bom dinheiro ao longo dos anos. Porém, depois de algum tempo, sua luta era esta: Deveria ou não dar tudo ao Senhor? Durante uma viagem à Irlanda, ele ouviu o pregador batista Henry Valey dizer o seguinte: “O mundo ainda está para ver o que Deus pode fazer com, para, através de, em e por um homem plenamente consagrado a Ele.” Moody pensou durante um momento, e fez um compromisso: “Pela graça de Deus, serei esse homem.” De fato, ele se tornou o mais efetivo evangelista americano na última metade do século 19.

O Espírito Santo será concedido àqueles que obedecem a Deus.

Consciência do dever

“Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai que está nos Céus dará o Espírito Santo a quem O pedir?” (Lc 11:13, NVI).

Em Lucas 11, encontramos uma fascinante história contendo condições adicionais para o recebimento do Espírito. Certa manhã, os discípulos encontraram Jesus orando. Devem tê-Lo ouvido orar em voz alta, porque ficaram profundamente impressionados. Embora soubessem orar, a impressão causada foi tão forte que eles agiram como se não soubessem fazer isso. E pediram: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11:1).

Cristo os atendeu e ilustrou a seriedade e intensidade da tarefa com uma parábola. Um homem chegou ao amigo, à meia-noite, pedindo-lhe três pães a fim de alimentar um hóspede que tinha chegado à casa dele. O amigo não quis atender, alegando que já era tarde, a porta da casa estava fechada e os filhos já estavam dormindo (v. 7). Entretanto, o homem persistiu em seu pedido e continuou batendo à porta. Essa persistência originou no amigo o desejo de satisfazer a fome do viajante hóspede, e o homem, finalmente, conseguiu o pão.

Isso pode ser um excelente padrão para avaliar nosso desejo de ser cheios do Espírito. Por que O queremos em nossa vida? Alguns querem o Espírito para sentir alguma coisa maravilhosa, sobrenatural. Outros desejam o dom do Espírito para que se tornem algum tipo de gigantes espirituais. Mas, nada acontecerá até que peçamos o Espírito para que sejamos uma bênção para outros. Se temos pouco interesse na salvação de pessoas, se não reconhecemos nosso dever de levá-las ao conhecimento do Salvador e crescer na comunhão com Ele, a vinda do Espírito não terá o menor sentido. O Espírito Santo nos é concedido para levarmos pessoas a Cristo. Como podemos ter o Espírito, enquanto ignoramos a maior necessidade do ser humano?

Evan Roberts, o homem a quem Deus usou como agente para iniciar o grande reavivamento galês de 1904, expressou o reconhecimento desse dever nas seguintes palavras: “Eu estava cheio de compaixão por aqueles que devem enfrentar o juízo, e chorei… a salvação do ser humano me impressionou solenemente. Senti-me inflamado pelo desejo de viajar por toda extensão e largura do País de Gales para falar do Salvador, se isso fosse possível. Eu pagaria a Deus para fazer isso.”5 Se tivermos semelhante conscientização do dever para com o perdido, o Senhor da glória Se dará sem medida a todos quantos Lhe pedirem.

Referência:

  • 1 A Primeira Onda começou com o nascimento do moderno pentecostalismo, quando Agnes Ozman, estudante da Escola Bíblica de Fox Paham, falou línguas estranhas, como resultado de uma zelosa busca pelo Espírito Santo. A Segunda Onda – ou movimento neocarismático – começou com Denis Bennett, ministro episcopal que começou a falar línguas estranhas no início dos anos 60. Esse assim chamado movimento neocarismático causou impacto em muitas das principais igrejas protestantes e católicas. A Terceira Onda começou nos anos 80, com igrejas evangélicas buscando manifestações sobrenaturais do Espírito, tais como falar línguas, realização de milagres, e dons de curar.
  • 2 William D. Mounce, ed., Complete Expository Dictionary of Old and New Testament Words (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006), p. 580, 581.
  • 3 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 755.
  • 4 V. Raymond Edman, They Found the Secret (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1960, 1984), p. 33, 34.
  • 5 Citado em Brian H. Edwards, Reavival! A People Satured With God (Darlington, UK: Evangelical Press, 1997), p. 152.