O filho pródigo não pôde fazer o discur­so que havia planejado de maneira bas­tante cuidadosa. O pai dispensou a parte que não precisava ser ouvida.

Quem já leu a parábola conhecida como do “filho pródigo”, deve lembrar-se de que ele ainda estava desempenhando a sua última e pouco co­ biçada atividade, quando resolveu voltar para casa. Pensou, então, no discurso que faria quando chegasse, um discurso cuja primeira parte constaria de uma confis­ são, enquanto a parte seguinte seria com­ posta de um pedido. “Pai, pequei contra o Céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores” (Lucas 15:18 e 19), haveria de dizer.
Reuniu então as últimas energias que ainda lhe restavam, e começou a cami­nhada de volta para casa. Pode-se ima­ginar o exercício mental que procurou fazer durante a viagem, sempre cuidan­do para que nenhuma palavra do discurso fosse esquecida. Volta e meia, sem- pre torturado pelas sensações de um es­tômago vazio, recitava cada sentença do texto imaginado.

Sua preocupação maior, porém, era com a última parte do discurso. Por certo, es- tava interessado em abrir o coração e dizer ao pai quanto se sentia triste por ha­ vê-lo ofendido. Queria fazer uma confis­são franca e sincera, indicando o seu ar­ rependimento por tudo de errado que fi­ zera. Mas, caso viesse a esquecer alguma coisa, que não fosse aquela parte do discurso em que solicitava ao pai que o tratasse como um dos seus trabalhadores.

Nos braços do Pai

Afinal, ei-lo correndo para os braços do pai. Após um momento de silêncio, até que as emoções se retemperassem, foi o primeiro a falar. Começou dizendo exatamente aquilo que tanto havia ensaiado pelo caminho: “Pai, pequei contra o Céu e diante de ti”, conseguiu deixar escapar dos lábios trêmulos, “já não digno de ser chamado teu filho” (verso 21). Teve, contudo, as palavras interrompidas.

Os braços do pai, que tanto o estavam apertando, começaram a relaxar-se. Por um instante, deve ter imaginado que a sua confissão não estava sendo aceita. Ensaiou então, novamente, prosseguir, mas foi a voz do pai que começou a ser ouvida. Chamava os servos: “Trazei depressa a melhor roupa; vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés” (verso 22); e continuou, dando instruções a respeito do banquete que comemoraria a chegada do pródigo.

As ordens do pai foram cumpridas. O moço foi envolvido pela rica vestimenta, e a festa atingiu os seus momentos de maior enlevo. “Comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (versos 23 e 24), eram os brados que ecoavam por todos os recintos. Enquanto isso, servos e convidados iam de um lado para outro, tomados de felicidade.

E o resto do discurso?

Por certo, o filho estava contente com a recepção. Era grande ale­gria estar sendo alvo de tão elevadas honrarias. Não podia evitar de fazer comparações entre aqueles momentos de tanta fartura, e a escassez com a qual tivera que conviver no chiqueiro de porcos. Estava, porém, feliz com o anel que lhe cintilava no dedo, e pelas sandálias e as iguarias.

Contudo, o filho pródigo parecia ainda um pouco perturbado, e até certo ponto frustrado. Bem no íntimo, perguntava-se a si mesmo por que não pudera concluir o seu discurso. Precisamente a parte que considerava indispensável, acabou não podendo ser apresentada. Estava convencido de que a posição que mais lhe ficaria bem, depois de todos os meandros nos quais andara, seria a de um trabalhador comum; mas acabou verificando que as suas pretensões não se confirmaram. Sequer teve ocasião de externá-las. Sem que lhe fossem dadas as explicações, o pai lhe inter­ rompera os desígnios. E, para inquietação de sua parte, não se sentia com o direito de pedir ao pai que lhe dissesse a razão.

Ó pai, contudo, tinha motivos para assim ter agido. Por isso, apressou-se em ordenar aos servos que providenciassem a festa. Para readmitir o filho arrependido no seio da família, havia já ouvido o sufi- ciente. Longe de estar faltando com a con­sideração para com aquele que se estava mostrando “abatido e contrito” (Isa. 57:15), sentia-se desejoso de envolvê-lo na veste real e de festejá-lo. O restante do discurso era-lhe inteiramente dispensável. Mesmo sem tê-lo ouvido, afrouxou os braços que enlaçavam o pescoço do jovem, em sinal de que tudo o que este pudesse dizer da­quele momento em diante, não só haveria de ser desnecessário, mas certamente contrário àquilo que já dissera.

E, na verdade, num discurso de tão poucas palavras, o filho pródigo conseguira reunir aspectos que se anulavam: pois, ao mesmo tempo que confessava ter pecado e estar arrependido, estava dizendo também o que o pai devia fazer ou, em outras palavras, de que maneira pretendia continuar vivendo na casa paterna; isto é, fazendo obras. Sua readmissão ao favor do pai já não seria na condição de filho, pois não se considerava digno de tal honra, mas na posição de um trabalhador comum. Contanto que não passasse fome, já estaria contente. Seu livramento das condições de indigência em que se encontrava deveria, no seu modo de compreender, ser o resultado de trabalho; não do favor paterno. Continuava, assim, com uma visão errada do que significava ser filho.

O pai, com sua experiência, não ignorava essa racionalização do filho, e sequer permitiu que o pedido deste fosse apresentado. Trabalhadores, tinha-os ele já em grande número. Estava necessitando de filhos. Podia olhar para os seus domínios, e descobrir como muitos, à custa de trabalho, queriam manter algum relacionamento com ele.. Via com pesar essa espécie de conduta. Não desejava, por-tanto, que o jovem retornasse nas circunstâncias daquelas pessoas. Esperava que pelo menos ele, que já experimentara no passado o que era ser filho, quisesse voltar nessa condição.

À influência do irmão

A pretensão do filho, de querer retornar à casa do pai como um trabalhador, podia ser estranha, mas não era totalmente nova. Como sabemos, o pai a que se refere a parábola tinha dois filhos, dos quais o mais moço quase sempre é o mais comentado. Conta a alegoria que, quando a festa de recepção ao filho transviado estava mais animada, o primogênito voltou do campo, onde certa-mente estivera dando prosseguimento à suas atividades pastoris (verso 25). Sentiu-se tratado com desigualdade; mais do que isso, com injustiça, pois se considerava um filho exemplar, enquanto seu irmão havia trazido desgostos para o lar. Sua revolta o levou à indignação (verso 28).

As queixas do primogênito acabaram trazendo à tona o seu conceito acerca do que significava ser filho. No seu modo de entender, filho era alguém que, mesmo tendo à sua disposição todos os bens do pai (verso 31), precisava ser lembrado de tempos em tempos com um “cabrito” (verso 29), sinal de imediatismo. Como seu irmão mais novo, que pediu a herança antecipadamente, também ele reclamava o cabrito que jamais recebera.

As alegações do primogênito mostraram que não passava de um trabalhador. “Há tantos anos que te sirvo” (verso 29), lançou no rosto do pai. Com isso, demonstrou “que seu serviço era antes o de servo e não de filho”. — Parábolas de Jesus, pág. 207. Havia trabalhado, e bastou que tivesse oportunidade, passou a reclamar os seus direitos.

O filho pródigo estava seguindo o mesmo comportamento do irmão. Ao pensar em ser colocado na posição de um trabalhador, por certo imaginava que, no caso de precisar fazer alguma reivindicação, era muito mais fácil citar a sua folha de ser-viços. No seu modo de entender, as atribuições de filho, da mesma forma que os seus direitos, eram muito imprecisas. O servo sabe qual o trabalho que lhe é atribuído, e quanto vai receber pelo que fez. O filho, porém, segundo essa avaliação, trabalha sem limites, e parece nunca receber nada em troca. Esquece-se, porém, de que não é um assalariado, mas dono de tudo quanto é do pai.

O apóstolo Paulo explicou isso aos romanos, nas seguintes palavras: “Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e, sim, como dívida” (Rom. 4:4). Trabalhasse o filho pródigo para seu pai, este deixaria de lhe estar prestando o “favor” de recebê-lo de volta em casa, e passaria a dever-lhe o pagamento de seu labor.

O pai não desejava que o filho fosse readmitido com o mesmo conceito de filho com que havia deixado o lar. Quando saiu, tinha uma compreensão errada quanto à filiação. Deixara a companhia paterna por considerar-se cerceado em sua liberdade. Se assim era que via o relaciona-mento entre pai e filho, haveria de sentir-se ainda mais tolhido, sendo um trabalhador, embora estivesse pedindo para sê-lo. Sua mentalidade precisava ser mudada.

Dizendo o suficiente

O filho pródigo disse o suficiente para ser aceito pelo pai. Considerou-se pecador contra o Céu e contra o pai, e se julgou indigno de ser chamado filho. E precisamente essa confissão e seu reconhecimento de indignidade foram os elementos que levaram o pai a oferecer- lhe o banquete, depois de tê-lo envolvido com “o melhor vestido”. O pródigo não precisou continuar falando.

Esse comportamento do pai aqui men­cionado que, como sabemos é Deus, é novamente revelado na parábola do “fa­riseu e do publicano”, igualmente narra­ da pelo evangelista Lucas. Segundo conta esse evangelista (Luc. 18:9-14), um fari­seu e um publicano imaginários, naturalmente, dirigiram-se ao templo com a fi­nalidade de orar. O primeiro, “trabalha­dor” como o era o irmão mais velho men­cionado na parábola anterior, e como de­sejava ser o pródigo, disse a Deus tudo o que estava fazendo. O segundo, porém, embora tivesse acompanhado o fariseu em algumas formalidades, como orar em pé, por exemplo, “não ousava nem ainda le­vantar os olhos ao Céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (verso 13). Uma oração, como vemos, com muito menos palavras do que a apresentada pelo fariseu.

Jesus terminou a ilustração, dizendo que o publicano “desceu justificado” (verso 14), enquanto o seu companheiro e delator voltou em situação diferente. Como no caso do filho pródigo, o publicano disse somente aquilo que Deus precisava ouvir realmente — e é bom lembrar que ambas as parábolas são contadas por Jesus que, de maneira inteligente, deixou que a lição ficasse subentendida. Ao declarar-se pecador, o publicano se colocou na condição de ser desvalido e, portanto, necessitado do favor divino, à semelhança do que aconteceu com o pródigo. O pródigo e o publicano disseram aquilo que o pecador deve dizer para ser justificado por Deus.

“O pobre publicano que orava: ‘Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!’ considerava-se homem muito ímpio, e outros assim o consideravam também; mas sentia a sua necessidade e, arcado ao peso da culpa e da vergonha, veio perante Deus, pedindo-Lhe misericórdia. Seu coração e-tava aberto para que o Espírito de Deus ali fizesse Sua obra de graça e o libertasse do poder do pecado.” — Caminho Para Cristo, págs. 30 e 31.

Atitude meio certa

A parábola do filho pródigo mostra como é natural ao ser humano querer dizer a Deus como gostaria de ser salvo. Será que não confiamos na capacidade de Deus para salvar-nos sem a nossa interferência?

Precisamos ir a Ele sem reservas.

Corremos o risco de ir a Deus cheios de boas intenções, mas, ainda assim, apresentar-Lhe fórmulas para o nosso futuro relacionamento com Ele. Talvez por falta de confiança em que Ele possua todos os recursos para nos salvar, acrescentamos algum ponto a nossas palavras de entrega a Seus cuidados. Voltamo-nos para Ele, mas com reservas.

Ciente ou não do que estava fazendo, o filho pródigo anexou ao seu discurso de arrependimento uma frase que, uma vez aceita, haveria de conferir-lhe mérito em sua própria salvação. Jesus, porém, ao indicar que o discurso deixou de ser apresentado como foi previsto, mostrou que Deus é capaz de salvar-nos independentemente das opiniões ou recursos humanos.

Para ser completa, a obra do Espírito Santo precisa envolver filiação, “pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rom. 8:14). O filho pródigo “estava morto” (Luc. 15:24), quando se achava longe do pai. Pela influência do Espírito Santo, foi vivificado (Rom. 8:11). Não podia agora permanecer na condição de “trabalhador”, mas de filho. E esta deve ser a condição de todo aquele que deseja reconciliar-se com Deus.

Caso desejemos que Deus nos salve, nossa dependência dEle deve ser total. Quando Paulo fala de filiação, está sugerindo essa espécie de dependência. Deus dispensa nossos esforços. Ele está aparelhado para salvar-nos.