CARLYLE B. HAYNES

Takoma Park, Maryland

(Nota da Redação: — E. D. Dick, presidente do Seminário Teológico, recentemente solicitou ao pastor Haynes que desse aos estudantes do seminário e faculdade os benefícios de sua experiência e observações de um período de cinqüenta anos no ministério. O que se segue é a mais importante parte de sua primeira preleção.)

PESSOA alguma que seja vivaz e atenta, e que possua faculdade de observação pode empenhar-se ativamente neste ministério por cinqüenta anos, sem estar arrimada às mais positivas e pronunciadas convicções referentes a muitas coisas relacionadas com a obra de Deus. Eu possuo tais convicções.

Primeiro, desejo fazer algumas observações com respeito ao que é primário, fundamental, no ministério cristão: o divino chamado para esta sagrada obra. Minha opinião é apoiada, creio, pelos ensinos da Sagrada Escritura, de que homem algum deva tomar êste ofício por si mesmo, que ninguém deve procurar empenhar-se nesta sagrada obra sem o senso da convicção de que está divinamente chamado para fazê-la.

É da magna importância que se assente de iní-cio, que uma pessoa deve saber se foi chamada por Deus para pregar Sua Palavra. Para entrar-se neste aprisco, como no caso da igreja, há uma ‘‘porta”, bem como “algumas outras maneiras.” Uma pessoa pode entrar para êste ministério, e muitos o têm feito, como resultado de cálculo puramente pessoal e secular. Pode assumir o ministério da mesma maneira que abraçaria qualquer profissão, escolhendo-o de preferência à advocacia, medicina, magistério, as ciências ou contadoria, ou como um meio de ganhar a vida ou para evadir-se, temporariamente, ao serviço militar. Pode não estar consciente de “um chamado”. Faz sua própria decisão. Chama-se a si mesmo. Mas “Deus não está em todos os seus pensamentos.” (Citação de Salmo 10:4, segundo o texto inglês.)

Repito que tenho convicção profunda de que antes que uma pessoa ouse entrar no ministério cristão para fazer disso a carreira de sua vida, deve estar certa de que foi escolhida e está sendo imperiosamente constrangida pelo eterno Deus. O chamado do Eterno deve ecoar pelos escaninhos de sua alma até que todos os outros sons emudeçam. Sua escolha do ministério não é uma preferência entre alternativas. Não há alternativas. Tôdas as outras escolhas se tornam impossíveis.

Esta questão tem de ser estabelecida logo no início da atividade de qualquer pessoa no ministério. De outra forma estará votada ao fracasso, ao desespêro mesmo. Se não houver senso do divino chamado, nem certeza de que foi levado para o ministério pelo próprio Deus, a ausência desta convicção minar-lhe-á o senso da responsabilidade e tenderá a secularizar-lhe o ministério, do princípio ao fim.

Sem o senso da divina vocação, ficará sem arrimo quando os dias de crise e provas vierem. Êsses dias chegam para todo ministro servo de Deus, tenha êle sido verdadeiramente chamado ou não. Se o foi, êle ó sabe, e está preparado para passar por essas duras experiências sem ir ao fracasso; se não foi chamado, e sabe que não o foi, não possui êsse preparo, e é provável que naufrague na fé.

Aos antigos sacerdotes, Deus disse: “Eu vos tenho dado o vosso sacerdócio em dádiva ministerial, e o estranho que se chegar morrerá.” (Núm. 18:7.)

Aos homens que presumem tomar sôbre si o ofício sagrado sem o divino chamado, o Senhor declara: “Não mandei os profetas, e todavia êles foram correndo; não lhes falei a êles, e todavia êles profetizaram.” (Jer. 23:21.)

“Eu sou contra os que profetizam sonhos mentirosos, e fazem errar o Meu povo com as suas mentiras e com as suas leviandades; pois Eu não os enviei, nem lhes dei ordem.” (Jer. 23:32.)

Vários Meios de Chamar Homens

Não tenho o propósito de insinuar o pensamen-to — pois não o creio — de que tôda pessoa cha-mada por Deus para pregar deve sê-lo idênticamente, da mesma maneira. Isto não é verdade. Não há, sem dúvida alguma, no relato das Escrituras, duas pessoas que, chamadas por Deus, o foram de maneira similar. As circunstâncias que as cercavam eram inteiramente diversas. Parece claro que pela singularidade de cada chamado aos homens o Senhor deseja honrar a individualidade humana. Largamente variados são os cenários em que a divina voz determina a vocação dos servos de Deus, tal como o registam as Escrituras.

Como ilustração das várias maneiras que Deus usa para chamar os homens ao Seu serviço, notai êstes três exemplos: Amós, Isaías e Jeremias. Quão diferentemente enviou Deus Seu chamado a cada um dêles!

Amós, um pobre boieiro, afastado do alto nível das atividades governamentais de sua nação, excluído dos círculos sociais que controlavam as atividades civis. Não obstante, Amós meditava profundamente e solitàriamente nos distantes e minguados pastos de Técoa. Rumores de coisas negras nas altas camadas do reino chegaram até êle. Êle ouviu da apavorante corrução, grandes riquezas, esbanjamentos, luxo, insensibilidade, injustiças, e de que a verdade andava “tropeçando pelas ruas.” Estas coisas o preocuparam. Meditando nisto o pobre pastor e cultivador de sicômoros, “acendeu-se um fogo.” Então, daquelas solitárias ruínas êle ouviu um misterioso chamado, um aceno de mão. Assim relata mais tarde sua experiência a Amazias, o sacerdote que mandou que êle se retirasse: “Eu não era profeta, nem filho de profeta, mas boieiro, e cultivador de sicômoros. Mas o Senhor me tirou de após o gado, e o Senhor me disse: Vai, e profetiza.” (Amós 7:14.) Para Amós não houve alternativa.

Inteiramente diferentes são as circunstâncias e o cenário relacionados com o chamado de Deus a Isaías. Era êle um amigo de reis, íntimo dos círculos da côrte, com acesso livre aos palácios. Considerai o meio em que o divino chamado soou para êle: “No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi … o Senhor.” (Isa. 6:1.) Isaías conhecia Uzias. Êle havia firmado suas esperanças no rei. Agora a forte coluna caíra. Uzias morrera. O trono estava vazio. Mas nesse trono vazio Isaías descobriu Jeová. A coluna humana havia caído; o pilar do universo permanecia. “No ano em que morreu o rei Uzias eu vi . . . o Senhor.” Embora Isaías lamentasse a queda do rei, levantou os olhos e viu um Rei maior que Uzias, e atendeu ao Seu chamado para o serviço: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (V. 8.)

Um homem caído; outro procurado. Êste chamado tocou o coração e a consciência de Isaías. Num instante encontrara êle sua vocação e seu destino. Imediatamente conheceu sua obra, e sem hesitação respondeu: “Eis-me aqui, envia-me a mim.”

Uma vez mais, diferentes, inteiramente diversas as circunstâncias e o cenário do chamado a Jeremias. Um jovem, que apenas começava a enfrentar a vida, com muitas incertezas, num tempo ainda mais incerto, com extensos presságios para o futuro, com todo o seu mundo em grande tumulto, repentinamente ouve a voz de Deus dizer-lhe: “Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta.” (Jer. 1:5.) Não houve então incerteza, mas um claro chamado, grandemente temido, e relutantemente aceito.

Assim, cada chamado de Deus tem sua própria particularidade. Não há dois iguais. Não estou contendendo por similitude de métodos, mas pela certeza de que o chamado provém de Deus. Em todos, se genuínos, há o senso da divina origem, uma solene comunicação da divina vontade, um misterioso senso de comissão, um forte sentimento de compulsão, que, conjuntamente, deixam o homem sem nenhuma alternativa, mas movimentam-no no caminho de sua vocação, com a convicção de que é um instrumento e um embaixador do eterno Deus.

Uma Mudança na Prática

Permiti-me que vos apresente aqui o fato de que tem havido uma significativa mudança em nossa prática de ordenar homens durante o meio século em que tenho estado nesta obra. Se essa mudança tem sido para melhor ou para pior, se representa progresso ou retrocesso, deixo ao vosso julgamento.

O fato é que quando um obreiro devia ser ordenado entre nós, era-lhe curial que o fôsse para um exclusivo propósito: pregar a Palavra de Deus. Não lhe ocorria a êle empenhar-se ou continuar a empenhar-se em outra ocupação. Hoje, parece que ordenamos pessoas e isto para conferir-lhes honra por se terem demonstrado hábeis tesoureiros, educadores, superintendentes, médicos, administradores comerciais, gerentes de Casas Publicadoras, líderes de departamentos, etc. Muito pouco se inquire, se alguma inquirição é feita, quanto a haver sido chamado ou não para pregar a Palavra. Espera-se que continue empenhado na contabilidade, na administração de negócios, na gerência de instituições, no departamento da educação. Ninguém espera que seja pregador e publicamente proclame o evangelho aos perdidos. Mas isto era o que a ordenação representava, cinqüenta anos atrás.

Quando Cristo chamava homens Êle o fazia para um propósito definido. Êsse propósito era pregar pùblicamente o evangelho da graça de Deus, e proclamar as grandes verdades da salvação humana. “E nomeou doze para que estivessem com Êle e os mandasse a pregar.” (S. Mar. 3:14.) Êste é nosso primeiro e único chamado. Considerai estas enfáticas palavras: “Pregai!” E outra vez: “Pregai!” “Proclamai!” “Ao sairdes, pregai!”

Assegurai-vos de vosso chamado, meus irmãos mais jovens. Então podereis sair com destemor. Enfrentareis muitos perigos, sofrereis muita hostilidade, mas se sabeis que fostes chamados por Deus, nenhum perigo vos deterá, nenhuma tentação de riqueza, ou de honrarias, ou de profissão ou de fama vos seduzirá nem desviará desta grande e santa obra.