Ao voltar-se para ver quem era a voz que lhe falava com a potência de um trovão, o apóstolo João viu atrás de si uma figura que, em suas palavras, era “semelhante ao Filho do homem” (Apoc. 1:13); linguagem utilizada nas Escrituras para descrever a pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. O personagem, que o mandou escrever às sete igrejas da Ásia Menor, mencionadas nominalmente, é descrito pelo apóstolo como sendo possuidor de várias características muito significativas, algumas das quais inerentes ao Seu aspecto físico; outras são títulos honoríficos.

Entre essas características de Cristo, que somam quase uma dezena, estão as de ter na Sua mão direita sete estrelas e andar no meio de sete castiçais de ouro. No último verso do capítulo primeiro do Apocalipse, temos a explicação, dada ao exilado de Patmos, segundo a qual as estrelas são os anjos das sete igrejas, e os castiçais são as sete igrejas. “O mistério das sete estrelas, que viste na Minha destra, e dos sete castiçais de ouro. As sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e os sete castiçais, que viste, são as sete igrejas” (Apoc. 1:20), interpretou Jesus a visão daquilo que contemplava o Seu amado apóstolo. Dessa maneira, cada igreja era um castiçal, e Jesus lhes dava segurança ao andar entre elas.

Um comentário bastante oportuno, a respeito desse quadro contemplado por João, diz o seguinte: “É dito de Cristo que anda no meio dos castiçais de ouro. Assim é simbolizada a Sua relação para com as igrejas. Ele está em constante comunicação com Seu povo. Conhece seu verdadeiro estado. Observa-lhe a ordem, piedade e devoção. Conquanto seja Sumo Sacerdote no santuário celestial, é apresentado andando de um para outro lado entre as igrejas terrestres. Com infatigável desvelo e ininterrupta vigilância, observa para ver se a luz de qualquer de Suas sentinelas está bruxuleando ou se estinguindo. Se os castiçais fossem deixados ao cuidado meramente humano, sua trêmula chama enlanguesceria e morreria.” – Atos dos Apóstolos; págs. 585 e 586.

Identidade

Na sua maioria, as características descritas pelo apóstolo João, referentes a Jesus, servem como uma espécie de identidade de nosso Senhor, ao dirigir-Se Ele a cada uma das sete igrejas. Dessa maneira, dirigiu-Se Ele à igreja de Esmirna, por exemplo, dizendo-Se “o primeiro e o último, que foi morto e reviveu”; e fez com todas as igrejas a mesma coisa, sempre relacionando a identidade com o problema que a igreja estava enfrentando.

No caso de Esmirna, a igreja estava experimentando grandes sofrimentos. Necessitava de uma mensagem que a encorajasse. Não faria muito sentido falar-lhe de coisas que não estivessem relacionadas com a sua realidade. Podia, contudo, entender com facilidade, palavras que retratassem a experiência de Jesus. Dizendo-lhe nosso Senhor que havia morrido e reviveu, e que os vencedores não experimentariam a segunda morte, como Ele também não experimentou, a igreja de Esmirna de-veria sentir-se confortada; e ser fiel até à morte. Como se deu com Esmirna, cada igreja recebeu a mensagem de que estava necessitando.

À igreja de Éfeso, contudo, Jesus Se apresentou com um tipo de identidade que dizia respeito a todas as igrejas. Como vimos, cada igreja era um castiçal. “Os sete castiçais, que viste, são as sete igrejas”, explicou Jesus a João. Nosso Senhor, contudo, apresentou-Se à igreja de Éfeso, dizendo-Se ser “Aquele que tem na Sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro” (Apoc. 2:1). Não poderia ter Jesus falado às outras igrejas da mesma forma que Se dirigiu à igreja de Éfeso? Não eram, todas elas, castiçais? Somente à primeira das sete igrejas, porém, apresentou-Se Jesus assim.

Duas razões poderão ter acontecido para que nosso Senhor tenha agido dessa maneira. A primeira delas é que, sendo a igreja que encabeçava a lista das sete, Éfeso conservava ainda todos os predicados de uma igreja ideal, embora estivesse sendo responsabilizada por uma falta grave. Em segundo lugar, a condição de cada igreja era específica. Os problemas de Sardo e Laodicéia não eram os mesmos. Cada igreja tinha que resolver o seu póprio problema. Vimos que, dizer a Esmirna a mesma coisa que foi dita a qualquer das outras igrejas, não lhe traria os mesmos benefícios. Era preciso falar a cada castiçal aquilo que este precisava saber, a fim de que as circunstâncias fossem alteradas.

Mas, conquanto a igreja de Éfeso pareça, até certo ponto, representar as demais igrejas da Ásia Menor, em face de ter Cris-to a ela Se dirigido como “Aquele que tem na Sua mão direita as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro”; e não com uma mensagem só para ela, como se dá com as demais, havia uma queixa divina contra aquela igreja. Por não ter continuado a manifestar o mesmo amor que tivera antes, por Cristo, estava sendo ameaçada de ter mudado “do seu lugar” (Apoc. 2:5); o castiçal que lhe pertencia. E é essa referência a castiçal que justifica ter Jesus Se apresentado como o fez àquela igreja.

Alteração curiosa

É, no mínimo, curiosa essa alteração que parece ter ocorrido na igreja de Éfeso. Ocupando o primeiro lugar na lista das sete igrejas, deixa ela de ser castiçal, para ter um castiçal. Quando digo que certa casa é um “brinco”, estou querendo afirmar que a casa inteira é bonita; quando, porém, digo que a casa tem um brinco, dou a entender que ela abriga uma jóia dessa espécie que, eventualmente, deve pertencer a alguém que nela mora. O mesmo acontece com a igreja de Éfeso. De acordo com a linguagem da carta que lhe foi enviada, temos a impressão de que ela havia deixado de ser um castiçal, para ser dona de um castiçal. E o futuro do castiçal de Éfeso não era muito promissor. Corria perigo de ser tirado do seu lugar. “Quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres.” (Apoc. 2:5). Por estar andando abaixo daquele padrão que lhe caracterizou o passado, deixou aquela igreja de representar o elevado significado de um castiçal, para ser apenas a dona de um castiçal, e ainda estar a ponto de perdê-lo.

Jesus, porém, não Se apresentou à igreja de Éfeso com um castiçal apenas. Apresentou-Se com todos os castiçais no meio dos quais anda. O interesse de Cristo por aquela igreja era fazê-la lembrar-se de sua posição anterior, conforme se pode ver na exortação a ela feita. “Lembra-Te pois donde caíste e arrepende-te”, começa dizendo o verso bíblico. Jesus Se dirige à Sua igreja como se essa fosse a única. Apresenta-Se, portanto, com a totalidade dos castiçais; não com um só, e, este mesmo, sujeito a ser retirado. A figura de Cristo andando entre os sete castiçais de ouro tinha o propósito de fazer com que Éfeso desejasse continuar sendo um da-queles candeeiros. A “desejável” Éfeso devia desejar a posição anterior de castiçal.

Fosse, porém, Éfeso um castiçal ou tivesse um castiçal, o assunto a ela referente era castiçal. Ou, em outras palavras, o problema daquela igreja era iluminação. Daí a ameaça de estar o seu castiçal sujeito a ser tirado do seu lugar. A igreja ainda tinha um castiçal que continuava no lugar aparentemente indicado. Suas obras, seu trabalho, paciência, a intolerância para com os que se diziam apóstolos sem o serem, e muitas outras práticas recomendáveis, levadas a efeito em nome de Cristo, indicavam que o castiçal daquela igreja ainda continuava no lugar. O afastamento do primeiro amor, porém, colocava em perigo a posição do castiçal.

Poucas corsas há mais destituídas de sentido do que um castiçal, candeia, lâmpada ou qualquer outra fonte de luz, colocados em lugar errado. No Sermão da Montanha, Jesus comparou Seus seguidores com a luz’ Depois de afirmar que eles são a luz do mundo (Mat. 5:14), fez um comentário que sugere haver para uma candeia – objeto destinado a iluminar – um lugar específico. “Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa” (Mat. 5:15), disse Ele. A figura usada por Cristo, para mostrar que os objetos criados com a finalidade de fornecer iluminação devem ter lugar certo, continua válida, mesmo depois da invenção da lâmpada elétrica. Esta, em especial, é instalada nos lugares mais elevados possíveis do recinto a fim de que exerçam a sua função.

O castiçal da igreja de Éfeso estava a exigir, caso não houvesse arrependimento, uma mudança de lugar. Três passos foram indicados àquela igreja como condição para que o seu castiçal permanecesse: devia lembrar-se de onde caiu; arrepender-se; e, por fim, praticar as primeiras obras. Do contrário, disse Jesus: “Brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal.” Logicamente, a verdadeira razão mencionada, para disciplina tão rigorosa, era o fato de a igreja não mais estar possuída de seu primeiro amor.

É evidente que o Senhor Jesus não está aqui ansioso por tirar do seu lugar o castiçal da igreja de Éfeso. Como sempre, Seu propósito, ao recomendar que a igreja dê os três passos mencionados, era mostrar que ela ainda continuava uma igreja “desejável” aos olhos dAquele que não Se compraz com a morte dos que dEle se afastam; deseja sua reabilitação.

Entre os castiçais

Na mensagem enviada à igreja de Éfeso, fica implícito que Jesus queria falar da centralização do amor. Tanto na apresentação que Cristo faz de Si mesmo, como na promessa ao vencedor, que Ele faz à igreja, vê-se esse propósito. Quando ordenou a João que dissesse quem estava falando, Jesus mencionou “Aquele que anda no meio dos sete castiçais de ouro.” Em lugar das palavras “no meio”, Jesus poderia ter dito “no centro”. Este é o lugar no qual o Salvador deseja estar, e onde quer andar, trate-se de igreja ou indivíduo. A recomendação feita ao doutor da lei sugeria que o amor deve ocupar o centro das afeições. Jesus deseja ser amado dessa maneira; por isso, apre-sentou-Se “no meio” das igrejas; em especial, no caso da igreja de Éfeso.

Essa idéia de centralização fica também caracterizada, como já foi menciona-do, na promessa feita ao vencedor. Embora nem todas as versões da Bíblia utilizem as mesmas palavras, ao citarem essa promessa, a Almeida antiga assim garante aos vitoriosos: “Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.” (Apoc. 2:7). Também nessa promessa, encontramos as duas palavras: “no meio”.

Tão grande é a coincidência dos dois vocábulos, tanto na identificação que Jesus faz de Si mesmo, como nessa promessa, que temos a impressão de que Cristo estava querendo ligar as duas coisas, quando examinamos o texto bíblico. Na verdade, seria até apropriado pensar assim, caso a relação com a identificação não fosse o castiçal. Sobre este é que Jesus falou de maneira objetiva, à semelhança do que fez com todas as sete igrejas, quando falou do problema destas; a identificação está sem-pre relacionada com a virtude ou o defeito de cada igreja. Mas existe também alguma ligação entre a promessa e a identificação, no caso de Éfeso. A igreja parecia estar deixando de gravitar em torno de Cristo, e tudo o que lhe chamasse a atenção para essa espécie de gravitação contribuiría para os acertos que ela precisava sofrer.

Deve-se notar que, entre as perdas ou ganhos mencionados no último capítulo do Apocalipse, os que se referem ao direito ou à perda da árvore da vida aparecem de maneira muito acentuada. Em Apocalipse 22:14, são chamados bem-aventurados os que lavam as suas vestes no sangue do Cordeiro, para que tenham direito a ela; e, no verso 19, o leitor fraudulento é ameaçado de perder a sua parte nessa árvore. Ela, como foi dito ao vencedor da igreja de Éfeso, está “no meio” do paraíso de Deus. Suas ramagens balançam, acenando com a vida eterna ao vitorioso.

Enquanto esse momento maravilhoso não viesse, porém, a igreja deveria preocupar-se com o seu castiçal. Era esse que se achava em perigo. Caso a lembrança da igreja de Éfeso não fosse capaz de voltar até ao ponto do qual havia caído, o fim do seu castiçal havia chegado.

Trabalho e amor

Não sabemos se a igreja ouviu o apelo divino. Esperamos que não tenha continuado a confundir a folha de serviço com primeiro amor; pois, como disse o apóstolo Paulo, “ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria” (I Cor. 13:3). Como disse Roy Allan Anderson, “obras não produzem amor, nem podem tomar o lugar do amor. As obras são apenas a evidência do amor. A relação de Cristo com Sua igreja é igual à do noivo para com a noiva. A per-da do amor no lar é uma tragédia, e em geral termina em separação do casal”. – Revelações do Apocalipse, pág. 27.

A ameaça ao castiçal da igreja de Éfeso, deixa-nos uma lição que não pode ser facilmente esquecida. Aqueles que se dedicam às atividades espirituais da igreja, como distribuição de literatura, participação em campanhas missionárias, ou mesmo na edificação de templos para Deus, por certo fazem algo valioso. Se feitas, porém, essas coisas para glorificação própria, em lugar de o serem como demonstração de amor a Deus, estão sujeitas a condenação, como se deu com a primeira das sete igrejas. Todas as boas obras de Éfeso perderam o seu brilho, porque o primeiro amor deixou de existir. Seu castiçal estava a ponto de ser tirado do lugar. Jesus queria não só que o castiçal de Éfeso permanecesse no seu lugar, mas que toda a igreja fosse novamente castiçal.