“E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim”

O Dr. Mário Veloso é um dos mais respeitados teólogos adventistas do sétimo dia, prestigiado escritor e pregador. Chileno de nascimento, serviu à Igreja como pastor e professor de teologia, ocupando também as funções de diretor de Jovens e secretário na Divisão Sul-Americana, durante muitos anos. Em seguida, foi eleito secretário asso-ciado da Associação Geral. Atualmente serve como vice-presidente da Divi-são Euro-Asiática, que inclui o território da antiga União Soviética.

No mês de julho, o Pastor Veloso esteve no Brasil, onde participou do encontro de professores de teologia e editores adventistas, realizado em Guarulhos, SP, e também do Simpósio Bíblico-Teológico Sul-Americano, realizado no Unasp. Após esses eventos, ele falou à revista Ministério sobre Igreja, missão e escatologia. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Ministério: Dêmos uma visão da Igreja Adventista no mundo, no contexto da missão.

Pastor Mário Veloso: A Igreja, viva e dinâmica, pela ação do Espírito Santo, está muito ativa no mundo inteiro. É verdade que existem lugares mais difíceis que outros para nossos projetos missionários. A Europa e a Austrália são um exemplo dessa dificuldade, por causa do secularismo. Os países da “Janela 10/40”, por razões religiosas. A China, por causas políticas e culturais. O restante do mundo está aberto para a mis-são e a Igreja avança com resultados espetaculares. Assim ocorre nas Américas, na África, na Ásia Pacífico Norte, na Ásia Pacífico Sul, nas Ilhas do Pacífico Sul e até na Índia, onde até pouco tempo era muito difícil promover o cristianismo. Isso falando em geral porque, nas áreas difíceis, há lugares onde a pregação do evangelho está indo muito bem, como na China. E nas áreas consideradas fáceis, existem lugares onde a Igreja marcha mais devagar. É o caso do Japão, Bangladesh e outros. Possivelmente, o secularismo e a intolerância religiosa sejam as maiores dificuldades que a Igreja enfrenta no mundo, para levar avante sua missão. Não há muito que se possa fazer para eliminar a intolerância religiosa ou superar o secularismo. Mas sabemos que, mesmo assim, a Igreja está trabalhando para cumprir a missão. Também há uma dificuldade interna: a dedicação missionária não é a mesma em cada membro. Porém é objetivo da Igreja que cada membro, em todo lugar da Terra, seja fiel à missão de pregar o evangelho do reino.

Ministério: Como está a Igreja na Rússia?

Pastor Veloso: A Rússia e os países integrantes do que foi a União Soviética apresentam oportunidades extraordinárias. E a Igreja está tentando aproveitá-las. Os primeiros dez anos, depois da desintegração da União Soviética, em 1990, foram tempos de pregação muito ativa, por meio de grandes reuniões públicas. A Igreja cresceu de aproximada-mente 25 mil membros para 150 mil. Desde o ano de 2000 até 2003, o trabalho missionário está concentrado no preparo de novos pastores e no trabalho onde não existem adventistas. O “Projeto 300” foi idealizado com esses objetivos. Trezentos novos jovens sendo treinados para o ministério, ao mesmo tempo em que trabalham em lugares novos, para estabelecer pelo menos 300 novas igrejas em dois anos. O método é a Colportagem unida aos pequenos grupos. Começam colportando de casa em casa, para encontrar interessados no estudo da Bíblia e, na medida em que os encontram, vão formando pequenos grupos de estudo bíblico. Os primeiros batismos aconteceram três meses depois de iniciado o programa. Oito meses depois, havia 901 pequenos grupos com 6.067 membros de igrejas. A partir de 2003, a ênfase será a conquista de grandes ou pequenos territórios onde a Igreja Adventista seja a principal. O “Projeto Sibéria Para Cristo” tentará conseguir que a Igreja tenha o maior número de membros nesse território onde agora existem mais de doze mil adventistas.

Ministério: Sempre relacionamos a volta de Jesus ao cumprimento da missão. Deus está dependendo da nossa ação, nesse sentido?

Pastor Veloso: A volta de Jesus Cristo não está dependendo da nossa ação, mas essa ação ajuda. Pedro diz que os cristãos vivem “em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus” (II Ped. 3:11 e 12). Comentando esse texto, diz Ellen White: “Dando o evangelho ao mundo, está em nosso poder apressar a volta de nosso Senhor. Não nos cabe apenas aguardar, mas apressar o dia de Deus. Houvesse a Igreja de Cristo feito a obra que lhe era designada, como Ele ordenou, o mundo inteiro haveria sido antes advertido, e o Senhor Jesus te-ria vindo à Terra em poder e grande glória.” Nossa ação não determina o mo-mento da vinda de Cristo nem o atrasa. Pode apressá-lo. Cristo organizou a Igreja para que O ajudasse na pregação do evangelho. Mas se ela não cumprisse esse papel, Deus teria outras maneiras de pregar.

Ministério: É aceitável dizer que a vol-ta de Cristo está demorando de acontecer?

Pastor Veloso: Não. Cristo não está demorando de voltar. Ele nunca disse a data da Sua volta. Pelo contrário, afirmou categoricamente que o dia e a hora ninguém conhece. Se não existe uma data para Sua volta, não pode existir demora. E Ele disse mais. Declarou que a data desse acontecimento é um assunto que está inteiramente sob a autoridade do Pai (Mat. 24:36). É Deus o Pai quem decide; mais ninguém. E Ele vai decidir isso quando a pregação do evangelho ao mundo todo acontecer (Mat. 24:14).

Ministério: Alguns críticos argumentam atualmente que a Igreja está se tomando mais ecumênica do que deveria, na tentativa de aproximação com outros grupos religiosos. Como o senhor lhes respondería?

Pastor Veloso: Eu diria que essa conclusão não é um fato. É apenas uma interpretação de fatos. Quais são os fatos reais? A Igreja tem que se aproximar de todas as pessoas e de todas as organizações que têm poder de influência sobre pessoas. Com que objetivo? Para pregar o evangelho e preparar o mundo para a volta de Cristo. Essa aproximação não é ecumenismo. Ecumenismo seria uma aproximação para estabelecer uma unidade sincretista na qual a Igreja modificasse as doutrinas, para tomar possível sua integração com outros grupos religiosos que fariam a mesma coisa com suas doutrinas. Não é o caso. A Igreja Adventista não tem modificado nenhuma doutrina. Pode ser que algumas pessoas da Igreja tenham tentado fazê-lo e até tenham escrito livros propondo que seja feito. Mas a Igreja oficialmente nunca aceitou sugestões dessa natureza. Dizer que a posição de um indivíduo ou vários membros da Igreja, mesmo que sejam líderes, seja a posição da Igreja seria uma interpretação exagerada do fato, e até uma calúnia contra a Igreja. Nenhum adventista bem-intencionado faria isso.

Ministério: Alguns evangélicos ainda encaram a Igreja Adventista e a visão que ela tem de si mesma como características de seita. O diálogo com grupos evangélicos tem ajudado a mudar essa idéia?

Pastor Veloso: Sim. As conseqüências positivas desses diálogos têm aparecido em lugares muitos distantes dos lugares onde eles aconteceram. E o efeito positivo continuará aumentando no futuro, na medida em que mais membros dessas Igrejas se informem dos seus conteúdos. Porém, há um fato insuperável: o preconceito. Muitos já têm preconceitos contra a Igreja Adventista solidamente estabelecidos na mente. Não mudarão. Continuarão pensando da maneira como sempre pensaram. Precisamos desenvolver paciência cristã perante essa realidade que, para muitos, será inalterável. Isso não deveria ser um problema para nenhum adventista. Ele pode ser rejeitado mas não pode rejeitar. Tem que amar a todos com o mesmo amor com que Cristo amou aqueles aos quais veio salvar. Cada adventista está na mesma missão de Cristo porque Ele assim o deseja.

Ministério: senhor acha que deveria-mos estar tão preocupados em nos identi-ficar com o evangelicalismo popular?

Pastor Veloso: Não. A nossa preocupação não deveria estar com a identificação doutrinária com o evangelicalismo popular. Deveriamos nos preocupar, porém, com que eles compreendam nossas doutrinas e por que cremos nelas. Em geral, os evangélicos conhecem as doutrinas adventistas da maneira como os autores as apresentam em livros contra nós. Assim, nunca conhecerão o que realmente cremos. Essa realidade deveria ser razão suficiente para que cada adventista trabalhasse a fim de que todos os evangélicos recebam uma explicação das doutrinas. Uma explicação humilde, cheia de simpatia e amor, sem controvérsia e baseada somente na Bíblia.

Ministério: Em alguns lugares, certos ensinamentos, como o dom de Profecia, a inspiração da Bíblia e até o literalismo da volta de Cristo estão sendo questionados. Como o senhor analisa esse quadro e como a Igreja está enfrentando a situação?

Pastor Veloso: A contestação, nos tempos atuais, parece ter-se tomado a maneira correta de agir. Até pessoas religiosas acham que o espírito contestador é um sinal de amadurecimento, de desenvolvimento intelectual, de abertura mental e até de maior fidelidade a Deus. Na base dessa atitude encontra-se o conceito de que tudo está errado e demanda uma reforma. Eles, os contestadores, se imaginam reformadores que vão colocar todas as coisas no trilho certo e que ajudarão a Igreja a superar seu espírito retrógrado. Não percebem que as verdades divinas não se reformam; restauram-se. Se de alguma forma foram modificadas no passado, devem ser restauradas à sua forma original. À maneira como Deus as revelou. Assim tem que acontecer com o dom de profecia, com a inspiração e a autoridade da Bíblia, com o literalismo da volta de Cristo e todas as doutrinas que Deus revelou. Modificá-las ou abandoná-las argumentando que a Igreja cometeu um erro aceitando-as no passado, seria estimulá-la a cometer no presente o erro que ela não cometeu no passado. Só a Bíblia deve ser a base de toda doutrina. Se rejeitamos sua inspiração ou a condicionamos à maneira humana de pensar de nosso tempo, eliminamos a autoridade bíblica e a verdade de todas as doutrinas fica eliminada automaticamente. A única autoridade seria a forma humana de pensar e o que é politicamente correto para a sociedade. Nada seria verdadeiro em si. E daria o mesmo acreditar ou não em uma coisa. A restauração da verdade seria impossível porque verdade não existiría. E a tarefa da teologia não mais seria uma procura da verdade bíblica, mas uma permanente adaptação dela aos valores aceitos pela sociedade e cada indivíduo em particular. Essa abertura mental não é bíblica. É a fonte de todo erro e o começo de toda apostasia.

Ministério: Outro conceito bastante questionado é o de remanescente. O que o senhor diz sobre isso?

Pastor Veloso: A resposta para essa questão complicada pode se tomar simples. O problema se reduz a uma pergunta: É a Igreja Adventista o remanescente? Um grupo responde: sim; outro diz: não. Esse último culpa o outro de arrogância, falta de cristianismo, e de defender uma posição histórica adotada pelos primeiros adventistas só para salvar seu prestígio, por causa de um desapontamento que eles mesmos provocaram pela própria ignorância. Como se resolve a questão? Primeiro, o remanescente existe. A profecia de Apocalipse 12:17 não deixa dúvidas. Segundo, há um período de formação do remanescente. É o mesmo tempo em que acontece a formação de Babilônia. A conclusão desse tempo está marcada pela chuva serôdia do Espírito Santo (Apoc. 18:1-8). Terceiro, durante o período de formação, existem dois núcleos em tomo dos quais agrupam-se todos os demais cristãos. A Igreja-núcleo do remanescente é a Igreja que nasceu no fim dos 2300 anos de Daniel 8:14, a Igreja Adventista. Quarto, desde o fim dos 2300 anos, até o cumprimento de Apocalipse 18, cristãos de todas as igrejas podem formar parte do remanescente ou de Babilônia, segundo a escolha de cada um. Quinto, para que possam escolher, todos têm que saber o que está acontecendo. E essa informação tem de ser dada com humildade, simpatia e consideração pelos outros, mas também tem de ser muito clara. Sexto, depois da chuva serôdia, o cristianismo estará dividido em dois grupos: Babilônia e o remanescente. As igrejas que antes foram núcleos de integração, desde esse momento até a vinda de Cristo, serão, uma, a igreja verdadeira; a outra, a igreja apóstata.

Ministério: Alguns estudiosos dizem que movimentos religiosos que ultrapassam os 150 anos de existência acabam engolidos pelo secularismo e perdem o senso de missão. Corremos esse perigo?

Pastor Veloso: Isso parece ter sido a experiência dos movimentos religiosos no passado. E uma boa filosofia da História sempre aprende do passado. Até a utiliza para se preparar para o futuro, evitando cometer os mesmos erros cometidos por outros, porque erros semelhantes produzem conseqüências parecidas. Contudo, há uma enorme diferença entre os movimentos religiosos do passado e o movimento que originou a Igreja Adventista do presente. Ela surge do último movimento religioso impulsionado pelo Espírito Santo. Com esse movimento acaba-se a História. Nada volta a ocorrer da mesma forma como as coisas aconteceram no passado. Mas o fato de que o movimento adventista contemporâneo não seguirá a rota secularista e anti-missionária dos movimentos religiosos do passado, não deve estimular uma atitude descuidada e in-diferente com os ensinos da História. Membros da Igreja e até líderes podem adquirir uma mentalidade secularista e podem perder seu senso de missão. Isso introduz um vírus no corpo. Não consegue matá-lo mas o adoece. Diminui o nível do zelo missionário, doença que, para superar, é preciso utilizar tempo e energia que seriam melhor utilizados na própria missão. Pior, essa mente secularizada e sem zelo missionário pode levar seu possuidor tão longe que acabe apostatando. A Igreja não pode ser feliz com isso. Muito melhor que todos os membros participem da missão, porque, dessa maneira, os membros da Igreja serão sempre de primeira geração e o zelo missionário sempre seria superior.

Ministério: Como o senhor analisa os acontecimentos de 11 de setembro do ano passado nos Estados Unidos, à luz dos escritos de Ellen White e da escatologia adventista?

Pastor Veloso: Esses acontecimentos modificaram a maneira de pensar dos americanos e tiveram um impacto importante em quase todas as pessoas do mundo. Sem dúvida, eles têm um grande significado escatológico. Mesmo as pessoas não relacionadas com a Bíblia os interpretam de maneira apocalíptica. Para a escatologia adventista, não poderia ser diferente. A destruição das torres fazem parte da destruição de grandes prédios anunciada por Ellen White, mas não podemos dizer que o que ela anunciou foi a destruição daquelas torres. Também não é apropriado utilizar seus escritos para condenar as pessoas que, sob a tristeza do desastre, precisam mais de uma mensagem de esperança que de juízo e condenação. Temos de informar ao mundo o significado dos acontecimentos dessa natureza. O elemento mais importante daquele desastre foi a ação do terrorismo. Cristo disse que os tempos da Sua volta à Terra seriam como os dias de Noé. As pessoas seriam irresponsáveis, agindo em tudo com a rotina do dia-a-dia, sem perceberem a urgência do tempo até a volta de Jesus. A Terra estaria cheia de violência, cuja palavra hebraica no texto de Gênesis é hamas. Segundo G. Von Rad, especialista no Antigo Testamento, esse termo significa “ruptura da ordem jurídica pela violência”, em outras palavras, terrorismo. A guerra do terrorismo tem um sentido escatológico claro. Indica que os tempos semelhantes aos dias de Noé estão aí anunciando que a volta de Jesus não tardará.

Ministério: seu ver, qual o sinal mais significativo da proximidade da volta de Cristo?

Pastor Veloso: A pregação do evangelho. Cristo mesmo indicou que a pregação do evangelho no mundo inteiro é o sinal definitivo da Sua volta: “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim” (Mat. 24:14).

Ministério: Que apelo ou mensagem especial gostaria de enviar ao pastorado adventista sul-americano?

Pastor Veloso: Sejam zelosos na missão. A missão outorga uma visão do todo. Um desejo de conquistar o mundo todo para Cristo. Chegou o tempo de trabalhar pelo verdadeiro alvo da missão: todas as nações. Não mais por um alvo expresso em números limitados por ano, ainda que esses números sejam muito altos. O que agora vale é o todo. Trabalhemos para alcançar todas as pessoas do lugar onde estamos e Deus fará o milagre de darmos o mundo todo para Ele.