Chamado “espírito ecumènico” é hoje uma característica relevante na cristandade. Não se pode exagerar sua importância. É o motivo básico do Segundo Concílio do Vaticano, e seus ecos ressoam por todos os âmbitos do mundo acatólico.

A atitude de diversos representantes das igrejas anglicana, ortodoxa, luterana, metodista, dos discípulos de Cristo e de diferentes igrejas evangélicas nacionais, indica que essas importantes corporações religiosas vêem com simpatia uma aproximação de Roma.

Guiando-nos pela declaração movida pelo Espírito de Profecia, que nos apresenta uma “tríplice aliança” de católicos, protestantes e espíritas, interessa-nos a maneira em que se vão estreitando as distâncias entre católicos e protestantes.

Palavras-Chaves

Em 1648 assinou-se a paz de Westfália. Com ela terminou a guerra dos trinta anos, que foi a luta mais extensa e sangrenta entre católicos e protestantes. Hoje, as disputas de outrora estão sendo substituídas por uma nova corrente que encontra seu símbolo numa palavra muito simpática: reconciliação.

Existe até uma revista evangélica intitulada Reconciliação. Em sua páginas podem colaborar autores católicos. Seu propósito é ajudar nos esforços tendentes à união das igrejas cristãs. Seu título é muito significativo. Indubitavelmente, desperta sentimentos favoráveis não sòmente entre os cristãos, mas também nos que são indiferentes à religião, mas que apreciam o inegável valor humano do que significa uma reconciliação total e generosa.

Na cerimônia de sua coroação, Paulo VI expressou: “O papa, como a igreja, não se considera inimigo de ninguém. Não sabe falar outra linguagem senão a da amizade e da confiança”. Foi magnífico o eco despertado por esta declaração. As belas palavras “amizade” e “confiança” expressam sentimentos nobres e louváveis. São também “vocábulos-chaves” desta hora.

Numa mensagem de Paulo VI, dirigida às igrejas orientais separadas de Roma, em 18 de agôsto último, dizia o papa: “Que nossa voz seja como uma trombeta angélica que declara: Vinde e que caiam as barreiras que nos separam. Expliquemos os pontos de doutrina que nos são comuns e que todavia constituem objeto de controvérsia, procuremos tornar único e solidário o nosso Credo, articulada e compaginada nossa união hierárquica. Não queremos absorver nem mortificar tôda esta’ florescência de igrejas orientais, mas desejamos enxertá-las de nôvo na única árvore da única Igreja de Cristo. Êste clamor torna-se em oração.”

“Caiam as barreiras que nos separam.” “Expliquemos.” São novas expressões que denotam boa vontade e cordura. Nada mais natural que explicar. Não obstante, Roma mantém sua’ posição de ser “a única Igreja de Cristo”. Estas palavras certamente são estudadas e analisadas pelos teólogos protestantes. Como reagirão? Têm que dar lugar a duas posições muito bem definidas: ou a união clara e franca, sendo absorvidos por Roma (uma Roma que só terá experimentado ligeiras modificações superficiais), ou a rejeição do convite. Quantos tomarão individualmente esta última decisão? Não podemos sabê-lo.

Nessa mesma oportunidade, Paulo VI afirmou que “todos somos um pouco surdos e um pouco mudos”, e acrescentou: “Que o Senhor nos faça compreender a voz da História; Sua voz, o Evangelho, que deve ser nossa lei e nossa força, porque é a Palavra de Deus.” Muitos acatólicos acolheram com aprêço estas palavras que dão a impressão de uma culpa, já histórica, que deve ser compartilhada por todos os cristãos. Daí que se sintam impulsionados a fazer sua parte para remediar o que consideram um mal. E êsse meio de reparo parecem encontrá-lo numa reaproximação.

Em 29 de setembro último, o papa se referiu aos “outros cristãos”. Fê-lo num discurso dirigido aos participantes do Segundo Concilio do Vaticano. Num de seus pontos referiu-se particularmente aos “observadores” protestantes e ortodoxos, e disse: “Se alguma culpa nos pode ser imputada por esta separação, pedimos humildemente perdão a Deus e rogamos também aos irmãos que se sentem ofendidos por nós, que nos desculpem. Por nossa parte estamos dispostos a perdoar as ofensas de que a Igreja Católica tem sido objeto e a olvidar a dor que lhe tem produzido a longa série de dissensões e separações. Que o Pai Celestial acolha esta nossa declaração e faça que todos gozemos novamente uma paz verdadeiramente fraternal.”

“Perdão” mútuo, “paz fraternal”. São outras palavras relevantes do presente. Por certo, não há nada de mal nelas. Oxalá fôssem um indício da aproximação de todos em tôrno da verdade bíblica em seus aspectos mais amplos e completos.

Se Houvesse Verdadeiras Reformas . . .

Como responderão os adventistas às perguntas que lhes façam outros cristãos no tocante ao espírito ecumênico e suas conseqüências? Que diremos ao nos interrogarem os que não têm religião alguma, mas encaram com simpatia a aproximação dos cristãos entre si? Que conselho daremos a nossos irmãos quanto à atitude que devem tomar nestes dias de acontecimentos assombrosos?

Não devemos opor-nos a um ecumenismo que se centralize em Cristo e Sua Palavra. Sem julgar os motivos que possam abrigar-se no coração e na consciência de católicos, protestantes e ortodoxos partidários de uma reaproximação como prelúdio de uma unidade posterior, bem podemos ressaltar um fato bem triste.

Subsiste o Abismo da Separação

Ao passo que se ouvem palavras muito amáveis para os “irmãos separados” e se exalta a liberdade religiosa, não há verdadeiras alterações de base na teologia e nas práticas da Igreja Católica. Pôsto que se efetuem modificações menores na liturgia e na disciplina eclesiástica, permanecem intatos os motivos básicos que provocaram os dolorosos episódios da separação entre os cristãos.

Enumeraremos alguns dos principais, que constituem um autêntico “abismo” entre católicos e acatólicos.

1.  Segundo as Escrituras Sagradas, Cristo é o único intermediário eficaz para o ser humano (Rom. 8:34; Heb. 7:25; 9:24 etc.) A Igreja Católica, no entanto, acrescenta uma multidão de nomes de intermediários entre Deus e os homens. Na prática, embora não o ensine assim a teologia católica, a bem-aventurada Virgem Maria é considerada por muitos milhões de fiéis católicos como a intermediária mais eficaz nas vicissitudes e dificuldades da vida e a segurança máxima da salvação eterna para os que confiam nela.

2.  Segundo as Escrituras Sagradas, é proibido fazer imagens ou representações de qualquer natureza, para render-lhes culto. Não obstante, lê-se no Catecismo do Santo Concilio de Trento Para os Párocos: “O pároco pois ensinará que não sòmente é lícito ter imagens na igreja, e dar-lhes honra e culto: pois tôda a honra que se presta a êles, destina-se a seus originais; mas declarará também que assim se fêz até agora com muito aproveitamento para os fiéis . . . Demonstrará igualmente que as imagens dos santos estão colocadas nos templos para que sejam adoradas, e para que nós, despertados por seu exemplo, conformemos nossa vida e costumes com os seus” (pág. 243, da edição castelhana de Valença, de 1782).

É uma lastimosa realidade que entre muitíssimos católicos, e em especial quando se trata dos que têm uma cultura menos elevada, a veneração das imagens e o culto que lhes é prestado nos dias especiais de festa, conduz a exteriorizações ligadas à idolatria. (1)

3.  A existência do purgatório é estranha às Escrituras Sagradas. No entanto, é um dos ensinamentos mais difundidos entre os católicos. A idéia do purgatório resulta em que inúmeras pessoas vivam uma existência cheia de pecados, com a esperança de que se salvarão da condenação eterna por meio de um arrependimento oportuno, ainda que seja nos últimos instantes da vida, e que depois irão a um lugar de purificação onde suas almas ainda podem ser aliviadas pelos sufrágios de seus parentes e amigos.

Isto causa um duplo êrro. Por um lado, está a pretensa intercessão feita neste mundo em favor dos que sofrem o castigo purificador do purgatório. Por outro lado, “as benditas almas do purgatório”, como são chamadas, podem elevar suas preces a Deus em favor dos que militam neste mundo de lutas e dificuldades. Por isso há muitos que são “devotos” dessas almas que serão bem-aventuradas quando saírem do purgatório para morar no Céu.

4. O dogma da infabilidade papal foi promulgado pelo Primeiro Concilio do Vaticano. Faz mais de 93 anos que se publicou êsse dogma. Foi tremendo então o horror que causou entre os protestantes, de um modo geral, e entre os pensadores que não praticam religião alguma.

Parece que hoje êsses mesmos protestantes esqueceram o assombro e escândalo de que foram objeto seus antepassados. Olham com simpatia para o papado, embora êste afirme, vez após outra, que não haverá modificações fundamentais em seu credo.

Parece que alguns protestantes têm um véu diante dos olhos que os impede de ver a realidade de que Roma não muda nem mudará. Há pouco, o Dr. Martim E. Marty, teólogo e publicitário luterano, professor da Universidade de Chicago, instava com os seus partidários para que acelerassem o passo na senda das reformas e alterações benéficas, e afirmava que a Igreja Católica já lhes levava vantagem “em reforma eclesiástica e renovação”.

Quão equivocado está o Dr. Marty! Para demonstrá-lo basta citar as palavras do cardeal Ernesto Ruffini, arcebispo de Palermo, proferidas em 2 de dezembro último: “Todos os padres do concilio têm por certo que Jesus Cristo fundou uma só Igreja, a Igreja Católica Apostólica Romana, cujo fundador e chefe, constituído por Jesus Cristo, é o sumo pontífice. A Igreja Católica é infalível e indestrutível. Nela varia, segundo as circunstâncias, só aquilo que por natureza é mudável.”

Colocando de lado o que depende das “circunstâncias”, podem ser esperadas alterações reais numa entidade “infalível e indestrutível”?

O abismo de separação existe; entretanto, “os protestantes dos Estados Unidos serão os primeiros a estender as mãos através da voragem para apanhar a mão do espiritismo; estender-se-ão por sôbre o abismo para dar mãos ao poder romano; e, sob a influência desta tríplice união, êste país seguirá as pegadas de Roma, conculcando os direitos da consciência” (O Conflito dos Séculos, pág. 637).

Que Atitude Adotar?

Em nossa condição de pastôres do rebanho de Deus, que atitude devemos adotar?

Há várias palavras que poderiam resumir a maneira em que devemos proceder em face da coalização de fôrças que se unirão para combater “os que guardam os mandamentos de Deus”. Tais vocábulos são: Prudência, afabilidade, cortesia, tato, sagacidade, por um lado. As palavras de Jesus são bem claras: “Sêde, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas”. É oportuna a admoestação do apóstolo Pedro: Estai “sempre preparados para responder a todo aquêle que vos pedir razão da esperança que há em vós”.

Por outro lado, precisamos de coragem (mas não temeridade), senso da premência do tempo em que vivemos (sem cair em precipitações inconvenientes) e também uma compreensão cabal de que nossa mensagem deve ser completa (o que não significa apresentar num momento inadequado alguma verdade que deva ser ex posta doutra forma ou noutra ocasião).

Ai de nós se não anunciarmos a “verdade presente”! Não obstante, não devemos malograr algumas preciosas sementes de doutrina por nossa falta de tino. Permita Deus que sejamos guias sábios de nossos irmãos. Devemos ensinar-lhes, por preceito e exemplo, a imensa diferença que há entre o que sofre por sua própria culpa (I S. Ped. 4:15) e aquêle que tem de sofrer “como cristão” (I S. Ped. 4:16). Deus nos dê Sua sabedoria e graça para que vivamos atinadamente a verdade nestes dias solenes e de oportunidades sem precedentes.

(1) Aludimos ao culto das imagens e não nos referimos à mudança do sábado para o domingo, porque estamos expondo pontos que deveriam separar os protestantes dos católicos, se os primeiros fôssem realmente fiéis aos ensinos da Bíblia que reconhecem como vigentes.