Lições úteis da experiência de Paulo na evangelização de metrópoles

Situada numa planície abaixo da alta Acrorinto, pico de 630 m que fica na península do Peloponeso, a antiga cidade de Corinto tinha localização estratégica, relativamente segura. Banhada pelo Golfo de Corinto, que a dividia com o porto da Licaônia, era uma cidade comercial e geradora de riquezas. Registros históricos relatam que os navios que vinham do leste e oeste atracavam em seu porto.

Devido a inúmeros enfrentamentos bélicos, Corinto foi enfraquecida em mais de uma ocasião. Assim que os romanos conquistaram a Grécia, “colocaram Corinto como líder da confederação das cidades da província da Acaia”. No governo de Júlio César, a cidade foi reconstruída e restaurada. “Dessa forma, tornou-se uma colônia romana, conhecida como a Colonia Laus Julia Corinthiensis (a colônia de Corinto é uma homenagem a Júlio).”1

Consequentemente, a cidade herdou alguns costumes romanos, como o idioma latino e o idioma do povo, o grego. Cidade cosmopolita, Corinto abrigava pessoas de todos os lugares, especialmente romanos (detentores do poder político e governamental). Havia também soldados, filósofos, mestres, trabalhadores oriundos do Mediterrâneo, chegando a ter uma população de aproximadamente 200 mil pessoas.2

Quanto à religião, Corinto era conhecida como uma das cidades mais perversas de sua época, o que popularizou a expressão “corintianizar (viver à moda de Corinto)”.3 Isso ilustrava a imoralidade e depravação prevalecentes na civilização grega. Ali havia mais de doze templos, entre os quais o mais popular era o de Afrodite, a deusa do amor. Apesar disso, ao apóstolo Paulo, “em nada lhe pareceu mal que o cristianismo se instalasse em Corinto”.4

Por que Corinto?

O que levou Paulo a Corinto? Inicialmente, ele havia recebido um chamado para ajudar os macedônios (At 16:9). Mas, fugindo da perseguição, rumou para Atenas.5 “Alguns creem que Paulo tenha deixado Atenas por causa dos poucos resultados ali alcançados”.6 “Alguns zombaram, outros postergaram a decisão, uns poucos creram (At 17:16-32). Nenhuma igreja foi formada ali, e lhe pareceu bem ir em busca de terreno mais fértil em Corinto.”7

Acaso, teria Paulo fracassado na Macedônia, pelo fato de não ter produzido resultados numéricos expressivos? Em qualquer atividade evangelizadora, nem sempre resultados numéricos marcam o êxito do evangelista. Certamente, as estatísticas ajudam a avaliar, em primeira instância, quanto êxito obteve o agente humano. Mas, nem sempre seus esforços serão acompanhados de resultados numericamente grandiosos.

“Ao instruir os discípulos, Jesus os preveniu: ‘Se alguém não os receber nem ouvir suas palavras, sacudam a poeira dos pés quando saírem daquela casa ou cidade’ (Mt 10:14). A falta de resultados numéricos não é assinalada como fracasso dos discípulos. Uma multidão de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, havia sido alimentada por Jesus. Vinte e quatro horas depois, somente doze continuavam seguindo-O. Isso não é prova de que Jesus tivesse fracassado naquele momento.”8

Essa experiência no ministério do arauto do evangelho nos permite refletir sobre o método de alcançar pessoas. “Da perspectiva de Paulo, Corinto era um centro missionário ideal no qual o evangelho poderia expandir-se por intermédio dos marinheiros. Porém, é preferível crer que a Providência tenha dirigido os passos do apóstolo.”9

Princípios missiológicos

Ao iniciar seu trabalho em Corinto, Paulo nada inventou, muito menos recorreu a métodos carentes de fundamentos. Temos a forte impressão de que ele tenha recorrido à ciência da pregação missiológica. O livro de Atos menciona: “Paulo saiu de Atenas e foi para Corinto. Ali, encontrou um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, que havia chegado recentemente da Itália com Priscila, sua mulher” (At 18:1, 2).

Esse texto sugere o princípio de que, diante do desafio de abrir uma nova congregação, é recomendável encontrar uma família amiga ou pessoas que tenham algo em comum. Paulo encontrou um casal nômade, acostumado a se mudar frequentemente devido a razões profissionais e comerciais. Nessa ocasião, eles haviam saído de Roma por ordem governamental, seguramente guiados pela Providência.

“Se o evangelho entrou em Corinto, pode entrar em qualquer lugar”

Paulo e seus novos amigos tinham a mesma profissão: fabricantes de tendas. É interessante como Deus trabalha com maior ênfase, quando Seus instrumentos se dispõem a ser dirigidos pelo Espírito Santo. O apóstolo foi morar com eles (v. 3), trabalhando e formando o núcleo da igreja em Corinto.

Por que é recomendável encontrar uma família ou parceiros afins na missão de plantar uma nova igreja? Em primeiro lugar, isso proporciona a formação imediata do grupo (mesmo entre aqueles que ainda não são batizados). Não sabemos se Áquila e Priscila eram cristãos quando se encontraram com Paulo, ou se o apóstolo foi o agente da conversão deles. Em segundo lugar, o local se torna um centro de atividades na comunidade.

“O trabalho de Paulo como fabricante de tendas também teve papel importante em seus métodos de expansão do evangelho […] certamente compartilhava o evangelho nos locais de trabalho. Levantando-se cedo e trabalhando até tarde, podemos imaginá-lo proclamando a seus clientes o Senhor ressuscitado.”

Atos 18:7 nos ensina o princípio da importância de converter famílias influentes. O texto menciona que logo após ser desprezado pelos judeus em Corinto, Paulo foi recebido na casa de Tício Justo, que era temente a Deus. A casa de Tício era junto à sinagoga. Naquelas circunstâncias, “Paulo de todos os modos teria que buscar um lugar adequado para pregar, e a casa de Tício Justo provou ser esse local.”10

De acordo com alguns eruditos, provavelmente Tício Justo fosse um cidadão romano muito rico, também conhecido como Gaio Tício Justo. Outros “o identificam como Gaio, a quem Paulo se refere como o crente que ofereceu hospitalidade a ele e a toda a igreja de Corinto (Rm 16:23)”.11 O importante é que Justo era homem de influência na sociedade de Corinto, e sem dúvida foi uma bênção para a igreja iniciante. Famílias assim facilitam e otimizam tempo e recursos.

Notemos o resultado desse princípio. O verso 8 menciona que o principal da sinagoga acreditou. Quem era ele? Um homem chamado Crispo. Não sabemos como foi conquistado para Cristo; provavelmente tenha sido influenciado por Justo (At 18:7), pois este vivia junto à sinagoga cujo principal era Crispo. Assim, o evangelho foi sendo disseminado.

Também aparece o nome de Estéfanas, convertido com toda a família, Erasto, tesoureiro da cidade, e uma pessoa chamada Quarto (Rm 16:23). Toda igreja começa estabelecendo um núcleo de membros que será sua primeira célula funcional. Esse é um princípio básico para o estabelecimento de uma nova congregação. O que poderíamos dizer de Áquila e Priscila? O Comentário Bíblico Adventista menciona que Priscila procedia de um nobre clã romano. Talvez, preparada entre as damas da sociedade, sendo exemplo da influência judaica ao instruir suas mulheres nas altas classes romanas.

Deus usa todo instrumento. Ele não Se limita ao nível cultural, econômico ou acadêmico da pessoa. Os evangelhos estão cheios desses exemplos, mas não há dúvida de que, se o instrumento escolhido por Deus tiver habilidades extras, será uma bênção adicional poderosa à Sua causa. Conforme disse Luís Schweitzer, “ajudaremos a Providência com tudo o que está em nossas mãos”.12

“Certa noite o Senhor falou a Paulo em visão: ‘Não tenha medo, continue falando e não fique calado, pois estou com você, e ninguém vai lhe fazer mal ou feri-lo, porque tenho muita gente nesta cidade’” (At 18:9, 10). Aqui encontramos a essência motivacional que levou Paulo a iniciar e não abandonar a missão de Corinto. Toda iniciativa evangelizadora suscita lutas e oposição. Não seria diferente em Corinto.

“Paulo estava desanimado e temeroso. Ele confirma esse estado de ânimo na carta aos coríntios: ‘E foi com fraqueza, temor e com muito tremor que estive entre vocês’ (1Co 2:3). Cidadãos importantes de Corinto o viam como alguém sem prestígio, influência ou privilégio, devido à sua profissão de fabricante de tendas. Tinham Paulo no nível de um escravo. Os judeus queriam que ele deixasse de ensinar ao povo acerca de Jesus, e as ameaças à sua segurança pessoal estavam sempre presentes. A aparente e inacabável oposição a seu ministério começava a ter efeitos depressivos em sua vida.”13

Tanto para o apóstolo da cruz quanto para os discípulos de hoje, o medo é o principal obstáculo em diversas situações. Esse medo bloqueia parcial ou totalmente nossa confiança no Senhor. Porém, com a certeza da companhia divina, devemos controlar nossos temores e não permitir que eles nos controlem. Havia mais uma razão para que o apóstolo continuasse pregando: “tenho muita gente nesta cidade.” Lucas menciona que Paulo ficou em Corinto um ano e meio, e as epístolas aos coríntios dão detalhes quanto ao trabalho e os frutos obtidos naquela cidade. Todo missionário deve saber que a essência motriz para se manter na linha de combate é o fato de que o Senhor tem ainda muitas pessoas nos lugares não alcançados pelo evangelho.

A igreja

Naqueles tempos, o mundo helênico usava o termo ekklesia para se referir às reuniões políticas ou comunitárias. “Na metade do primeiro século, os cristãos começaram a falar de suas próprias assembleias como a igreja (ekklesia) em Cristo. O termo era usado porque os cristãos queriam se diferenciar dos judeus, que usavam a palavra sunagogue para se referir ao lugar em que se reuniam… Com muito esmero, Paulo faz uma clara diferença entre as assembleias dos cristãos, as reuniões dos gentios e as dos judeus na sinagoga.”

Ele não inventou um novo termo teológico ou linguístico para distinguir a nova igreja. Para ele, a igreja de Deus que estava em Corinto não era um grupo de irmãos reunidos por interesses políticos nem comunitários. Em seu entendimento, Paulo tinha a igreja como um punhado de crentes separados para uma missão e vida especial.

“Não se tratava da igreja de Corinto; era a igreja de Deus que estava em Corinto. Para Paulo, onde quer que estivesse a congregação, tratava-se de uma parte, um fragmento da igreja de Deus.”14 Em outras palavras, pode ser que a experiência de Paulo em Corinto não seja a sua, no desafio de plantar novas igrejas. Porém, os princípios extraídos podem ser úteis em qualquer lugar. Eles não são absolutos nem estáticos; podem requerer tempo, dinheiro e possíveis desilusões no trabalho de evangelização. Porém, são provenientes de experiência real.

Primeiramente, estão registrados nas Escrituras. Em segundo lugar, têm sobrevivido através do tempo. Se esses princípios proporcionaram grande êxito no trabalho de Paulo, também proporcionarão hoje. Finalmente, são princípios; não são métodos nem estratégias. Por raciocínio lógico e técnico, sabemos que os métodos e estratégias têm início e fim nos princípios. Independentemente do fato de o contexto histórico do lugar ser ou não estratégico, por sua localização ou influência econômica, os princípios serão úteis, isso realmente não importa. O essencial é que Deus tem “muita gente” no eventual lugar. Essa deve ser nossa motivação para não abandonar a linha de combate nem fugir após um falso sinal de retirada.

Apesar das dificuldades que possam surgir para impedir o progresso do plantio de igrejas, devemos nos lembrar de que Deus deseja salvar os perdidos, e que a vitória está garantida. Ellen G. White escreveu: “Os esforços de Paulo em Corinto não ficaram sem fruto. Muitos abandonaram a adoração dos ídolos para servir ao Deus vivo, e uma grande igreja se alistou sob a bandeira de Cristo. Alguns foram salvos dentre os mais devassos gentios e se tornaram monumentos da misericórdia de Deus e da eficácia do sangue de Cristo para limpar do pecado.”15

Referências:

  • 1 Simom J. Kistemaker, Comentari al Nuevo Testamento: 1Coríntios (Michigan: Libros Desafio, 1993), p. 3.
  • 2 Ibid., Exposición del los Hechos de los Apóstoles, p. 694.
  • 3 Ibid., 1Coríntios, p. 5.
  • 4 Ibid., p. 6.
  • 5 Ibid., Hechos, p. 694.
  • 6 William MacDonald, Comentário Bíblico de William MacDonald: Antiguo y Nuevo Testamento (Barcelona: CLIE, 2004), p. 738.
  • 7 Ivan Blazen, El Evangelio em la Calle (Buenos Aires: ACES, 1997), p. 9.
  • 8 Ranieri B. Sales, Ministério, março-abril 2009 (Buenos Aires: ACES) p. 35.
  • 9 Simom J. Kistemaker, Hechos, p. 694.
  • 10 Simom J. Kistemaker, Hechos, p. 699.
  • 11 Ibid., p. 694.
  • 12 Lázaro Flores, El Premio Nobel Albert Schweitzer (Barcelona: AFHA Internacional, S. A., 1978), p. 7.
  • 13 Simom Kistemaker, 1Coríntios, p. 41.
  • 14 William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado: 1 e 2 Coríntios (Buenos Aires: La Aurora, 1983), p. 21.
  • 15 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 252.