Lições do cristianismo apostólico para o crescimento da igreja

Ao cumprir a missão de proclamar o estabelecimento do reino de Deus, Jesus contou não apenas com os doze apóstolos, chamados diretamente por Ele, mas também com homens e mulheres que O seguiam. Depois de Sua morte e ressurreição, especialmente após o Pentecostes, o número de Seus seguidores aumentou consideravelmente. Neste artigo apresento os principais aspectos observados na história do cristianismo apostólico que servem de exemplo para que a igreja cresça e se multiplique, ampliando o alcance do reino de Deus.

Dispersão judaica

A expansão geográfica e numérica experimentada pelo cristianismo nos três primeiros séculos foi notável. Pablo Deiros afirma que cerca de “50% da população do império, composta por 25 milhões de habitantes, era cristã”.1 O motivo dessa expansão se deve, principalmente, às perseguições promovidas por alguns imperadores, as quais contribuíram para que o evangelho fosse disseminado com maior rapidez tanto em Jerusalém quanto em outras partes do Império Romano.

Lucas afirma que, a partir da morte de Estevão, “teve início uma grande perseguição contra a igreja em Jerusalém. Todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e da Samaria. […] Enquanto isso, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a Palavra” (At 8:1, 4). Assim, no fim do primeiro século, os cristãos já haviam fundado igrejas em diversas cidades da Ásia Menor, da Palestina, da Síria, da Macedônia, da Grécia, da Itália e da Espanha.

Cerca de cem anos depois, Tertuliano declarou que, apesar de ser um grupo novo, a igreja cristã já havia marcado presença em todas as áreas da vida imperial, “nas cidades, ilhas, vilas, mercados, e até mesmo no campo, nas tribos, no palácio, no senado e no tribunal”.2

Finalmente, no reinado de Constantino, o progresso do cristianismo fez com que ele se tornasse a religião dominante no império e influenciasse outras civilizações.3

Ação solidária

A importância da ação social foi destacada por Jesus ao atender às necessidades físicas, emocionais e espirituais daqueles que O procuravam. Os discípulos também se preocuparam em atender a essas necessidades. Logo no início da igreja cristã, Lucas afirma que “não havia nenhum necessitado entre eles” (At 4:34). Quando as demandas sociais aumentaram, e as primeiras dificuldades de atendimento surgiram, os apóstolos estabeleceram o diaconato, a fim de que todos os necessitados recebessem o devido auxílio (At 6:1-6). Assim, a igreja se fortaleceu tanto pela pregação do evangelho quanto pelos atos de amor e solidariedade.

Essa atitude da igreja era muito atrativa. Por exemplo, as religiões pagãs raramente ofereciam algum tipo de ajuda quando os fiéis adoeciam. Por sua vez, os cristãos, especialmente as mulheres, se dispunham a cuidar dos enfermos e alimentá-los. Quando a varíola se espalhou, entre os anos de 165 e 180 d.C., a baixa imunidade às infecções causou muitas mortes, e os cristãos foram valorizados pelo auxílio que prestavam.4

Deus deseja fazer dos cristãos Seus instrumentos para confortar e restaurar a todos os necessitados. Ele deseja que os membros da igreja não somente preguem o evangelho, mas também ministrem aos desesperados, inspirando a esperança no coração e aliviando as penúrias da vida.5

Confiança na cura pela oração e pela unção

O ministério de Jesus foi marcado por curas e milagres. Mateus afirma que o Salvador “percorria todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do Reino e curando todo tipo de doenças e enfermidades” (Mt 9:35). Aos discípulos também foi concedida a oportunidade de realizar curas e milagres em nome de Cristo (Mc 6:12, 13), e essa realidade também foi vista nos primeiros passos da igreja apostólica.

Por exemplo, à porta do templo, Pedro e João curaram um coxo (At 3:1-10). Em Samaria, os cidadãos viram Filipe expulsar demônios e curar paralíticos (At 8:4-8). Pedro ainda curou Eneias (At 9:32-35) e ressuscitou Dorcas (At 9:36-42). E Paulo curou um coxo em Listra (At 14:8-10), expulsou o demônio de uma jovem em Lídia (At 16:16-18) e ressuscitou Êutico em Trôade (At 20:7-12). Especialmente quanto ao apóstolo dos gentios, Lucas escreveu: “Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários, a ponto de levarem aos enfermos lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se retiravam” (At 19:11, 12).

A fé no poder de Jesus para curar e libertar foi um diferencial na igreja apostólica e deve ser também no cristianismo contemporâneo. Os médicos podem curar as doenças, mas não o pecado como a causa das doenças. Para essa espécie de enfermidade, eles não têm a cura. Somente Cristo pode libertar o ser humano do pecado, e a restauração emocional e espiritual vem na sequência.6

Unidade da igreja

Em seus primórdios, o cristianismo era unido, formando uma comunidade cujo “coração e alma” eram um, e onde “havia abundante graça” em todos (At 4:32, 33). O estudo da Palavra, o cuidado das pessoas, a pregação do evangelho e a perseverança na fé foram diferenciais que contribuíram para o crescimento da igreja em qualidade e quantidade (At 2:42, 44).

O crescimento inicial, portanto, se deu pelo exemplo, pelo testemunho pessoal e comunitário, pela demonstração do amor e da fé e pela perseverança em apresentar as boas-novas da graça de Cristo. O estilo de vida da igreja produziu forte impacto na comunidade, e percebia-se o poder do evangelho para transformação de vidas. Os primeiros cristãos representavam para os demais “o bom perfume de Cristo” (2Co 2:15).

Em dias tão desafiadores para a unidade quanto os nossos, é preciso relembrar a experiência da igreja apostólica. Afinal, quanto mais perto de Deus estivermos, mais unidos seremos.

Pregação da Palavra

A pregação de Pedro, em Atos 2, resultou na conversão expressiva de quase três mil pessoas. Esse resultado provinha do fato de que os discípulos estavam “cheios do Espírito Santo e, com ousadia, anunciavam a Palavra de Deus” (At 4:31). Com o poder do alto, davam testemunho da ressurreição de Cristo e pregavam o evangelho da graça. Isso levava o povo a entender as profecias do Antigo Testamento, que falavam da vinda do Messias e revelavam o plano da salvação estendido a todos os povos.

O evangelho deve ser apresentado como uma força viva, capaz de transformar o caráter. Nas palavras de Ellen White: “Os pastores devem ter um modo mais claro e simples na apresentação da verdade assim como é em Jesus. Sua própria mente deve compreender mais plenamente o grande plano da salvação. Poderão assim conduzir a mente dos ouvintes das coisas terrenas às espirituais e eternas. Muitos há que querem saber o que precisam fazer para se salvar. Querem simples e clara explanação dos passos requeridos na conversão, e não deve ser feito um sermão sem que parte dele se destine a tornar claro o caminho para os pecadores irem a Cristo e se salvarem. […] Fortes e diligentes apelos devem ser feitos ao pecador para que se arrependa e se converta.”7 Faremos bem ao atender a esse conselho!

Martírio

Os três primeiros séculos da Era Cristã foram caracterizados por perseguições à igreja. Isso causou muitos sofrimentos. No livro de Atos estão relatadas algumas situações que os discípulos passaram, começando com o apedrejamento de Estevão (At 7:54-59). Entre os apóstolos, Tiago foi o primeiro a morrer nas mãos de Herodes (At 12:2). De acordo com a tradição cristã, muitos deles experimentaram o martírio de diversas maneiras.

A história indica que muitos cristãos se mantiveram firmes na fé e na defesa do evangelho e, por isso, foram mortos.8 Contudo, a repressão não teve o efeito esperado, pois quando ela cessava, o exemplo dos mártires e de outros que haviam sofrido perseguição inspirava os cristãos a um esforço renovado pela difusão das boas-novas de Cristo. Isso pode ser ilustrado pelas célebres palavras de Tertuliano: “O sangue dos mártires é semente”.9

Atuação do Espírito Santo

O Espírito Santo é mencionado 350 vezes na Bíblia: 88 vezes no Antigo Testamento e 262 vezes no Novo Testamento. Só no livro de Atos, 70 vezes. A igreja apostólica cresceu exponencialmente devido à Sua ação e Seu poder. Assim como Jesus, o Espírito Santo operava os milagres de cura, libertação e salvação por intermédio dos discípulos.

De fato, “a promessa do Espírito Santo não é limitada a uma época ou povo. Cristo declarou que a divina influência do Espírito deveria estar com Seus seguidores até o fim. Desde o dia de Pentecostes até o presente, o Confortador tem sido enviado a todos os que se rendem inteiramente ao Senhor e ao Seu serviço. A todos os que aceitam a Cristo como Salvador pessoal, o Espírito Santo vem como consolador, santificador, guia e testemunha. Quanto mais intimamente os crentes andam com Deus, tanto mais clara e poderosamente testificam do amor do Redentor e de Sua graça salvadora. Os homens e mulheres que, através dos longos séculos de perseguição e prova, desfrutaram em grande medida da presença do Espírito Santo em sua vida permaneceram como sinais e maravilhas no mundo. Revelaram, diante dos anjos e dos seres humanos, o transformador poder do amor que redime”.10

Conclusão

Ao analisar o crescimento da igreja em seus primórdios, percebe-se que a presença e o poder do Espírito Santo foram os grandes diferenciais na multiplicação dos cristãos. Os discípulos atuaram em conformidade com a vontade de Deus, aguardando a vinda do Consolador e se deixando conduzir pelo Espírito Santo. O resultado da pregação do evangelho, em testemunho ao que viram e ouviram de Cristo, foi percebido no crescimento da igreja nos aspectos qualitativo e quantitativo.

Mesmo diante de perseguições, os cristãos atendiam à vontade do Espírito Santo. Assim, a igreja, por sua comunhão, confiança, fidelidade, união e mesmo o martírio, se expandiu alcançando todo o mundo conhecido da época.

Portanto, é imprescindível reconhecer a necessidade de se colocar nas mãos do Espírito Santo para que Ele faça o mesmo hoje com Sua igreja, a fim de que a mensagem de salvação e do breve retorno de Cristo seja levada a todo o mundo.

Referências

1 Pablo A. Deiros, Historia del Cristianismo: Los primeros 500 años (Buenos Aires: Ediciones del Centro, 2005), p. 80.

2 Tertuliano. Apologia 37. Disponível em <bit.ly/3exmcxO>, acesso em 28/4/2021.

3 Robert Hastings Nichols, História da Igreja Cristã (São Paulo, SP: Casa Editora Presbiteriana, 1992), p. 34.

4 Geoffrey Blainey, Uma Breve História do Cristianismo (São Paulo, SP: Fundamento, 2012), p. 63.

5 Ellen G. White, Beneficência Social (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), p. 22.

6 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), p. 272.

7 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), v. 1, p. 157.

8 Ver relatos de perseguições e martírio em Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica (Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 1999); Justo L. González, Uma História Ilustrada do Cristianismo (São Paulo, SP: Edições Vida Nova, 1998), v. 1.

9 Tertuliano, Apologia 37.

10 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 49.

A todos os que aceitam a Cristo como Salvador pessoal, o Espírito Santo vem como consolador, santificador, guia e testemunha.

Érico Tadeu Xavier, professor de Teologia no Instituto Adventista Paranaense