“Oro para que Deus me ajude a ser uma esposa amável, quando meu marido mais necessita de mim”
Muitas pessoas parecem saborear cada pedaço de notícias sobre o fracasso de uma família de pastor. Contam em sangrentos detalhes uma história após outra na qual uma esposa de pastor tem caído em ignomínia. Já houve casos em que esposas de pastores foram expostas agindo de maneira imprópria em público. Em certa ocasião, a esposa do pastor de uma grande igreja foi mostrada numa violenta discussão com a funcionária de uma companhia aérea, antes de a família viajar de férias, causando tão grande constrangimento e desgaste que a família acabou desistindo da viagem.1 Caso tenha sido verdadeira essa história, o que levou aquela esposa a perder o controle? Por que tamanha explosão de ira?
Qualquer que seja a resposta, o cenário não é novo. Preste atenção nesta história do pastor Whang Sa-Sun, da grande igreja metodista coreana de São Francisco, Califórnia. Essa não era uma cidade amistosa para os americanos descendentes de coreanos, nos anos 1920 e
1930. Apesar disso, foi ali que Whang Sa-Sun foi chamado ao labor. O primeiro obstáculo diante dele, naquela cidade, foi encontrar um trabalho que lhe servisse de apoio enquanto ministrava. Encontrar um edifício que pudesse alugar a fim de estabelecer um comércio era um desafio. De qualquer forma, ele encontrou trabalho como zelador. Mas, isso era apenas uma atividade paralela. Sua paixão real era pregar o evangelho. Muitas longas horas foram gastas ajudando outras pessoas.
Sonhos e realidade
B. Y. Choy, que conviveu com esse fiel pastor durante décadas, escreveu: “Centenas de estudantes coreanos e refugiados políticos receberam conselhos e ajuda para encontrar trabalho. Muitos permaneciam na casa de Whang Sa-Sun até que encontrassem lugar para morar | ou conseguissem trabalho… Ele não fazia isso para obter recompensa ou glória pessoal, mas sempre se preocupava com o bem-estar e os interesses dos outros.”2
Eventualmente, Whang também se tornou pastor de uma grande igreja. Acaso, existe algum relato sobre sua esposa perdendo o controle? Nunca, pelo menos em público. De fato, foi só alguns anos depois da morte do esposo que os sentimentos de sua viuvez foram externados. Numa entrevista em 1980, ela falou: “Como esposa de pastor, não tive tempo para mim mesma. Meu coração e minha cabeça viviam carregados durante 24 horas. Eu ansiava por uma vida de esposa comum. ‘Quando você deixará o trabalho pastoral?’, eu perguntava a ele, que respondia sem rodeios: ‘Você devia ser agradecida por estarmos fazendo o trabalho do Senhor’.”3
Este é um interessante paradoxo: estamos fazendo o trabalho do Senhor. Quer o pastor trabalhe em uma igreja grande ou em um pequeno distrito, toda família pastoral perceberá que as expectativas do trabalho cruzam e regularmente confundem os limites do lar e da família. Lembra-se da primeira vez em que você percebeu essa mistura? Talvez, foi quando seu esposo lhe disse que se sentia chamado pelo Senhor para o ministério, e você se perguntou exatamente o que aquele mavioso tom em sua voz e aquele olhar em seus olhos poderíam significar quando os sonhos colidissem com a realidade.
Ou, talvez, quando, no dia em que foram entrevistados pelos líderes da Associação, você percebeu que estava mais envolvida na conjuntura do ministério do que tinha pensado. Você se preocupou quanto ao que vestir para causar a melhor impressão, apenas para ouvir seu esposo sugerir: “Você poderia vestir algo menos profissional, talvez mais doméstico?” Talvez, você estivesse cheia de entusiasmo com a expectativa de ser um apoio e encorajamento para o homem a quem você ama. Você olhou adiante, ao trabalho realizado em parceria na grande seara, salvando pessoas para o reino de Deus. Você abraçou, zelosamente, declarações inspiradas como esta:
“Repousa sobre a esposa do pastor uma responsabilidade a que ela não deve, nem pode levianamente eximir-se. Deus há de requerer dela, com juros, o talento que lhe foi emprestado. Cumpre-lhe trabalhar fiel e zelosamente, em conjunto com o marido, para salvar pessoas. Nunca deve insistir com seus próprios desejos, nem manifestar falta de interesse no trabalho do esposo, nem se entregar a sentimentos de saudade e descontentamento. Todos esses sentimentos naturais devem ser vencidos. É preciso que tenha na vida um desígnio, o qual deve ser levado a efeito sem vacilação. Que fazer se isto se acha em conflito com os sentimentos, prazeres e gostos naturais? Estes devem ser pronta e resolutamente sacrificados, a fim de fazer bem e salvar pessoas.”4
Maravilhoso pensamento! Mas, o que dizer se vocês têm permanecido no mesmo lugar por mais dois anos, além do tempo que você imaginou que ficariam? Se fosse possível, você gostaria de mudar hoje mesmo! E se você começa ouvir um furtivo rumor de fofoca diante do qual se sente ferida ou traída? Ou se o nível de espiritualidade entre alguns membros das igrejas de seu esposo parece inacreditavelmente baixo? Você se sente esmagada e teme que seus filhos possam ser permanentemente influenciados por todas as coisas que veem e ouvem.
Quem sabe, assim como aconteceu com Stephanie Elzy, esposa de um idoso pastor, o status quo e as limitações financeiras estejam esmagando você.5 Talvez, a agenda de seu esposo a incomode e você prometeu que, se ele atender mais uma ligação pelo celular, na hora do jantar, você jogará o telefone pela janela. Quem sabe, você deseje que ele lhe dedique mais tempo, como a esposa de Whang Sa-Sun. Assim como acontecia com ela, você deseja que seu esposo tenha outro trabalho, um que não afeta nem envolva tanto a família? Deseja ter a vida de uma esposa comum?
Fuga para lowa
Devo lhe dizer que você não é a única. Até mesmo a fiel esposa do pastor J. N. Loughborough, pioneiro ad-ventista do sétimo dia, também deve ter desejado uma vida “normal”. Não tenho informação se ela pediu que o marido deixasse o ministério, como a senhora Sa-Sun, mas encontramos a família dela entre os trinta crentes que trocaram o trabalho do evangelho por campos mais promissores. Esse grupo também incluiu J. N. Andrews. Eles decidiram se mudar para Waukon, Iowa, e se dedicar à lavoura. Pelo menos, como fazendeiros, podiam ver os resultados de seu difícil trabalho. Capinar, plantar e regar parecia muito mais fácil do que tratar com pessoas.
Restrições financeiras, humilhações, crítica e sentimentos de derrota diante da aparente ausência de sucesso foram seus constantes companheiros no caminho do pastorado. Seguramente, a terra com seus campos férteis prometiam melhores resultados. Assim, lemos o seguinte: “Os jovens pastores no grupo tinham achado muito duro o trabalho na causa, difícil a separação da família, especialmente para a esposa e mãe, e não havia plano regular de apoio financeiro. Parecia que o inimigo estava frustrando o trabalho de Deus, justamente no tempo em que a perspectiva era muito promissora.”6 Posteriormente, “este foi um tempo em que ‘o Oeste’ com suas boas terras estava aberto aos colonizadores. Isso atraiu muitas famílias das propriedades rochosas da Nova Inglaterra com a promessa de uma vida mais fácil e confortável.”7
Felizmente, o mesmo Deus que teve compaixão de Elias quando ele fugiu de seu trabalho cuida das famílias dos pastores, de modo especial. Em nenhum lugar da história, nós lemos que Deus condenou Seu servo por deixar o cenário da batalha, ficar deprimido e oprimido, embora Ele ternamente tenha animado Elias a voltar para o trabalho (1 Reis 19).
Semelhantemente, Deus também não abandonou Seus servos em Waukon. Enviou-lhes Tiago e Ellen White numa longa viagem, para lembrá-los de seu primeiro chamado ao ministério evangélico. E não parou aí. Assim como cuidou das necessidades físicas de Elias, alimentando-o, o Senhor também animou Seus servos no sentido de que se arrependessem, deixassem Waukon e retomassem novamente o arado do evangelho. Os líderes da igreja começaram a compreender a importância de uma compensação regular e sistemática para o ministério. Como famílias pastorais, nós ainda nos beneficiamos daquela decisão. O que dizer do casal Sa-Sun? A esposa responde: “Quando ele se aposentou [em 1942], compreendí que meu anseio por uma vida confortável estava errado. Realmente me senti triste, por meu esposo e por meu Senhor. Assim, em minhas orações, derramei muitas lágrimas de arrependimento”.8
Em tempos de provações abrasadoras, é fácil censurar o ministério. Imaginamos que, se não vivéssemos num proverbial aquário, ou se não precisássemos viver esgotadas por estar rodeadas de pessoas o tempo todo, as coisas poderiam ser melhores.
Lembrança dos “bons” tempos
Confesso que, ao estar sob extrema pressão causada pelos conflitos com membros imaturos e irracionais da igreja, tenho sido tentada a fantasiar sobre os dias em que meu esposo tinha seu próprio negócio como fornecedor de uma empresa estatal. Naquele tempo, ganhando duas vezes mais dinheiro do que agora, parece que ele se preocupava menos. As lembranças do nosso pitoresco lar e da contemplação do tapete verde que se estendia pelas montanhas e férteis vales retornam à minha mente. Esse lugar que nós adquirimos antes de ser chamados para o ministério é o mesmo lar em que meu marido cresceu. É o lugar em que trabalhamos juntos e acompanhamos o crescimento dos nossos filhos. Tudo isso me vem à mente em um nostálgico e rico brilho de glória, apesar de que também enfrentávamos provações.
Essa tentação de desejar o alho e a cebola do Egito (Nm 11:5) me vem tão exatamente surreal como a imaginação do nosso pessoal em Waukon. “Aqueles eram dias maravilhosos”, uma voz parece cochichar, “em que você era uma esposa comum e não tinha que enfrentar todas as dificuldades próprias de uma esposa de pastor. Pessoas fazendo questão de coisas insignificantes, ou criticando seus filhos e esposo. Isso para não mencionar como as incessantes expectativas dos outros ferem sua espiritualidade ou estressam seu casamento! Não gostaria você de ser, novamente, uma esposa comum?” A tentação culmina nesse pensamento.
“Gostaria eu?”, surpreendo-me questionando. Então, outro pensamento pressiona suavemente a minha mente: “Que tipo de esposa comum?” É importante lembrar que famílias de muitos outros profissionais e as famílias pastorais não estão sozinhas nas lutas que enfrentam por viverem num aquário.
Militares, políticos, professores, advogados e muitos na área médica tratam com essa questão. A lista é grande. Ao lado das aflições decorrentes da profissão de quem quer que seja, necessitamos lembrar que muitas de nossas lutas resultam das tentativas para sobrevivermos à cultura atual. Kevin Leman, psicólogo e terapeuta familiar, em seu livro Keeping Family Together When the World is Falling Apart [Mantendo a Família Unida, Quando o Mundo Está Desmoronando], diz o seguinte: “Uma grande razão pela qual as famílias de nosso país estão em dificuldades é que pais e mães não estão dando prioridade à família”9. Ele ainda afirma que, embora muitas pessoas pensem que dão prioridade às respectivas famílias, elas se tornam vítimas dessa tentativa.
Pensando nas ocasiões em que me senti oprimida, houve algumas questões que eu tive de abordar como, por exemplo, estabelecimento de limites e ajuste da minha agenda com a do meu marido, a fim de assegurar tempo para construir, desenvolver e manter o relacionamento e ter nosso tempo especial à noite. Acima de tudo, tive que colocar minhas prioridades na perspectiva correta: primeiro Deus; então, esposo, filhos e ministério.
Quando me sinto esmagada em meu próprio sofrimento, minha visão pode se tornar distorcida e corro o risco de culpar o ministério e de desejar a vida idílica de uma esposa comum – o que é apenas miragem, como a senhora Sa-Sun percebeu.
Poderia ser o caso de que o inimigo, que sempre aparece “como torrente impetuosa” (Is 59:19), escolheu aparecer para me oprimir, justamente no momento em que Deus e meu marido mais necessitam que eu seja forte? Talvez, necessito lembrar das palavras do apóstolo Paulo, dirigidas aos gálatas: “E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos” (Gl 6:9).
Não desejo, de modo nenhum, ser uma esposa comum. Apenas oro para que Deus me ajude a ser uma esposa amável para David, quando ele mais necessita de mim. Sim, uma amável esposa do pastor David. Depois de tudo, algumas vezes, seu trabalho também lhe acarreta sentimentos de decepção. Nesses momentos, a última coisa que ele necessita é de uma sugestão para mudar -de trabalho, função, ou de lugar.
Referências:
- 1J. Willey, Abcl3.com http://abclodal.com/ktrk/story?section=news/ local&id=3741989.
- 2 K. W. Lee e G. Kim, A Pioneer Pastor’s Son, KoreAm Journal.com. www. koreamjournal/com/magazine/index.php/kj2007/march/feature_ story/a_pioneer_pastor_s_son
- 3 Ibid.
- 4 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, p. 202.
- 5 Stephanie Elzy, The Sweetness of a Bitter Cup: Journey of a Pastor’s Wife (Longwood, FL: Xuton Press, 2005).
- 6 A. L. White, Ellen G. White: The Early Years (1827-1862), v. 1l, p. 346.
- 7 Ibid., p. 345.
- 8 K. W. Lee e G. Kim, Op. Cit.
- 9 Kevin Leman, Keeping Your Family Together When the World is Falling Apart (Nova Iorque, NY: Delacorte Press, 1992), p. 20.