Como estar preparado para chegar bem à aposentadoria

Depois de quase 30 anos servindo no ministério pastoral, compreendo que passei por algumas fases significativas. O primeiro ciclo em minha jornada foi o período de aspirante, uma fase repleta de expectativas e aprendizado. O ciclo seguinte foi o momento de encarar a realidade dos desafios que me cercavam como pastor, exigindo o desenvolvimento de minhas aptidões e maior disciplina em meu serviço ministerial. No terceiro ciclo pude amadurecer mais, a ponto de aprender que o ministério pastoral não depende de nossa própria força, mas se mantém quando decidimos unir nossa fraqueza com a onipotente graça de Deus, servindo Sua igreja e demonstrando amor à humanidade perdida. Hoje estou mais reflexivo e concentrado em concluir a missão, um momento que exige manter a motivação e o comprometimento, ainda que a intensidade do trabalho e os resultados tendam a diminuir. Falta pouco tempo para viver o novo ciclo: a jubilação pastoral.

Para algumas pessoas, a aposentadoria tem um significado positivo, como liberdade, quebra de rotina e tempo para descansar. Para outras, o significado é negativo, como inutilidade, nostalgia e envelhecimento. Blake Ashforth afirma que a aposentadoria é uma transição de papéis.1 Existem dois tipos de transição, a micro e a macro. “A transição dos papéis se dá quando ocorre uma mudança entre dois papéis na mesma época (micro) ou em diferentes períodos na vida (macro).”2 No caso da aposentadoria, há uma transição macro de papéis, ou seja, um novo momento com uma mudança de atitude e comportamento, que impacta a totalidade da vida.

Dessa maneira, a jubilação deve ser encarada como uma fase importante da experiência pastoral. Ao contrário de como podem pensar alguns, o momento da aposentadoria por tempo de serviço de um pastor não deve ser de melancolia, preocupação ou ressentimentos, mas de celebração pela vitória alcançada no pastorado pelo poder de Deus.

Jubilação na Bíblia

A Bíblia fala pouco a respeito do limite de tempo para o ministério. Em Números 4:3, 23 e 30, o Senhor deu orientações a Moisés acerca do período de serviço ativo de um levita, que devia começar aos 30 e se estender até os 50 anos de idade. Antes, porém, de iniciar suas atividades, ele deveria se submeter a um período de cinco anos de capacitação (Nm 8:23-26).3

Os levitas, então, começavam seu ministério bem jovens e com vigor suficiente para erguer e transportar os móveis do santuário, além de exercer outras atividades relacionadas com a adoração a Deus. Por determinação divina, quando atingiam a idade de 50 anos, eram liberados de seus deveres, em uma situação parecida com a aposentadoria. Entretanto, eles recebiam a oportunidade de se envolver voluntariamente em pequenos serviços realizados no tabernáculo. Cabe ressaltar ainda que essa suspensão do trabalho obrigatório não era arbitrária, contra a sua própria vontade.4

Assim, o objetivo dessa orientação não era retirar do serviço os levitas produtivos, mas reposicioná-los num momento de maior maturidade em que pudessem ajudar seus irmãos de ministério a cuidar do tabernáculo (Nm 8:26). A jubilação dos levitas não era somente uma ocasião para a transição de atividade, mas a oportunidade de celebrar a participação na obra de Deus com a vida e a continuidade do uso de seus dons.

Jubilação nos escritos de Ellen White

Foi no fim do século 19, na Alemanha, que o chanceler Otto von Bismarck estabeleceu um sistema de aposentadoria pela primeira vez na história. Nos Estados Unidos, a ideia começou a ser aplicada em algumas indústrias na década de 1920.

Alguns anos antes, porém, Ellen White já havia apresentado vários conselhos a respeito de pastores e obreiros que estavam envelhecendo e ficando cansados de seus trabalhos. Em suas cartas ela reconheceu serem necessários o auxílio e a experiência de obreiros idosos, principalmente dos pioneiros do adventismo sabatista. O apoio e o testemunho deles deveriam ser valorizados pela igreja.
No entanto, esses pastores não deveriam levar uma carga que somente os mais novos pudessem carregar.5

O Senhor ainda revelou a Ellen White que os pastores idosos teriam dificuldades para lidar com responsabilidades maiores, mas não estariam impossibilitados “de exercer uma influência superior à influência de homens que têm muito menos conhecimento da causa e muito menos experiência nas coisas divinas. […] Seu mérito como conselheiros é da mais elevada ordem”.Para ela, os ministros idosos deveriam receber um tratamento respeitoso e amável.7 Com a autoridade que o Senhor lhe conferiu, censurou qualquer demonstração de desprezo dirigida aos experientes soldados de
Cristo. Nada poderia justificar que fossem isolados ou discriminados por quem quer que fosse. “O Senhor não os põe à margem”, escreveu ela, “Ele dá graça especial e conhecimento”a esses obreiros.

Além disso, ela sabia que o tempo da velhice é um momento delicado para a saúde dos pastores, por isso foi instruída a dar a seguinte advertência: “Não sejam imprudentes. Não trabalhem demais. Tirem tempo para repousar. Deus deseja que estejam em seu posto e lugar, fazendo sua parte para salvar homens e mulheres de serem arrastados para baixo, pela poderosa torrente do mal. Ele deseja que utilizem a armadura até que lhes ordene tirá-la. Não demorará para que recebam sua recompensa.”Utilizar a armadura é aceitar viver no ciclo da jubilação, que não é um tempo de inatividade ou inércia. A aposentadoria é o momento ideal para o pastor usar sua experiência com sabedoria e elegância. Nessa fase, a rotina vai mudar, mas a vocação ministerial permanecerá intacta.

Há comprovação científica de que, às vezes, as faculdades de julgamento, sabedoria, percepção e aconselhamento melhoram significativamente depois dos 60 anos. Zaria Gorvett afirma que “em várias habilidades vitais, as mentes mais velhas acabam sendo mais inteligentes”.10 O pastor que encerra seu período de serviço regular nunca será impedido de continuar dando sua contribuição para o avanço da obra de Deus. Seus talentos não podem ser enterrados enquanto houver vigor físico e mental. As opções para se envolver em diversas atividades estão disponíveis como, por exemplo, liderar um projeto missionário, coordenar um programa de capacitação na igreja local, oferecer aconselhamento, organizar atividades sociais para obreiros jubilados, realizar semanas de reavivamento espiritual nas igrejas, encorajar pastores mais jovens, aprender a tocar um instrumento ou investir no crescimento acadêmico.

Preparo para a jubilação

Conforme mencionei na introdução, ainda não alcancei a fase da jubilação, mas estou bem próximo dela. Enquanto caminho nessa direção, estabeleci cinco metas que podem me proporcionar bem-estar durante a aposentadoria.

Preparar-se mental e espiritualmente. É natural sentir receio do isolamento, uma situação que muitos pensam enfrentar durante a aposentadoria. Mas, como pastor, sei que Deus nunca me abandonará
(Mt 28:20; Hb 13:5, 6), e que um relacionamento profundo com Ele servirá para nutrir meu coração e desenvolver uma mentalidade confiante em relação à expectativa de vida que terei após a jubilação.

Estabelecer um plano de complementação financeira. Decidi me organizar para saber com quais receitas poderei contar, além de equilibrar o orçamento para poupar. Anoto periodicamente o quanto vou precisar juntar para ter uma vida tranquila no futuro. Pesquiso as melhores condições sobre planos de previdência privada e outros investimentos, escolhendo sempre a melhor alternativa, levando em conta inclusive as taxas cobradas, que podem levar a perdas na hora de retirar o dinheiro.

Construir um ambiente familiar favorável. Próximo à aposentadoria o relacionamento familiar sofrerá impacto, não muito por causa da jubilação em si, mas em razão da convergência de eventos. Por exemplo, a maioria das pessoas aposenta em uma idade que coincide com o momento em que há o maior índice de divórcio entre casais com mais de 50 anos.11 Outra situação crítica são as mudanças desconfortáveis na rotina familiar ocasionadas pela presença do esposo aposentado por mais tempo em casa. Existem outros fatores, como relacionamento com os filhos, diminuição dos recursos financeiros e aposentadoria dos cônjuges em períodos diferentes. Portanto, por meio do culto familiar e do hábito de participar das refeições à mesa com a família, tenho mantido aberto um canal de diálogo construtivo, a fim de que meu relacionamento familiar não passe por turbulência no momento de minha jubilação.

Escolher um local para viver com qualidade de vida. É preciso considerar um lugar em que seja possível dispor de recursos que atendam às necessidades do idoso, como acessibilidade, sistema de saúde, alimentação saudável disponível, igreja próxima para frequentar e local apropriado para fazer atividade física em meio à natureza.

Continuar servindo à causa de Deus. Quando chegar a hora de aposentar não quero parecer um navio à deriva, sem objetivo. Agora que estou bem próximo de cruzar a linha de chegada, estou buscando fazer o meu melhor com todas as minhas forças (Ec 9:10). Mesmo depois da última volta para alcançar a jubilação, estarei totalmente engajado no propósito de continuar servindo à igreja do Senhor em qualquer projeto ou serviço, na condição de voluntário aposentado. Dessa maneira, a aposentadoria não será monótona e sem propósito.

Não devemos pensar que o ciclo da jubilação trará insegurança, amargura e surpresas desagradáveis. Precisamos ter visão correta desse tempo que se aproxima para comemorar, na ocasião, os anos de serviço prestados como ministros do evangelho. Quando o dia da jubilação chegar para você, assim como vai chegar para mim, tenhamos um coração agradecido por tudo o que Deus nos deu durante o período ativo de nosso ministério. Vamos fazer desse dia um momento para celebrar! 

Wagner Aragão, pastor em Brasília, DF

Referências

1 Blake Ashforth, Role Transitions in Organizational Life: An Identity Based Perspective (Mahwah, NJ: Erlbaum, 2001), citado por Lucia H. F. P. França e Dulce H. P. Soares, “Preparação Para a Aposentadoria Como Parte da Educação ao Longo da Vida”. Disponível em <link.cpb.com.br/815bf2>, acesso em 8/9/2022.

2 Ashfort, citado em “Preparação Para a Aposentadoria Como Parte da Educação ao Longo da Vida”.

3 Bob Stallman, “Retirement from Regular Service (Numbers 8:23-26)”. Disponível em <link.cpb.com.br/71794b>, acesso em 5/10/2021.

4 Francis D. Nichol (ed.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), v. 1, p. 926.

5 Ellen G. White, The Retirement Years (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1990), p. 13.

6 White, The Retirement Years, p. 14.

7 Ellen G. White, Carta 111, 1904.

8 White, The Retirement Years, p. 14.

9 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), v. 7, p. 233, itálico acrescentado.

10 Zaria Gorvett, “O Surpreendente Lado
Bom de Envelhecer”. Disponível em
<http://link.cpb.com.br/4947fb>, acesso em 5/10/2021.

11 Bruce Manners, “Questions for Pastors as They Prepare for Retirement”, Ministry, novembro de 2017, p. 23.