A evangelização das cidades como estratégia-chave para a pregação adventista

Walter Alaña

Deus está nos lembrando de várias maneiras que o fim dos tempos está próximo. Nesse contexto, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem a missão profética de proclamar o evangelho a todo o mundo (Ap 14:6-12). Para isso, o Senhor estabeleceu uma estratégia cujo elemento-chave é a evangelização das cidades. O apelo final que o remanescente escatológico deve proclamar é um chamado para sair de Babilônia, a cidade que personifica a oposição a Deus (Ap 18:1-6). Essa estratégia tem suas raízes no Antigo Testamento e se desenvolve de forma mais completa no Novo Testamento.

O papel das cidades no contexto do grande conflito se desdobra progressivamente ao longo das Escrituras. De fato, a própria concepção de cidade passa por uma transformação. Sua noção negativa, como símbolo da autossuficiência humana e oposição a Deus, predominante na Bíblia

(Gn 11:1-9; Is 21; Ap 17), dá lugar ao aparecimento de Jerusalém como destino final dos redimidos. Como afirma Estevan Kirschner: “Quem lê a Bíblia do início ao fim percebe que o drama humano começa em um jardim, mas termina em uma praça no centro de uma cidade.”1

Papel estratégico da missão urbana

A atenção prioritária à evangelização urbana se justifica tanto pela análise da realidade quanto pelo texto bíblico. Segundo dados do Banco Mundial, atualmente “cerca de 55% da população mundial, 4,2 bilhões de habitantes, vive nas cidades. Essa tendência deverá continuar. Em 2050, a população urbana dobrará, e quase 7 em cada 10 pessoas viverão nas cidades”.2 Esses dados indicam claramente que a maioria das pessoas que precisam ser alcançadas com o evangelho vive em centros urbanos. Por outro lado, também se reconhece hoje que “as cidades são viveiros dinâmicos de criatividade e poder, aprendizagem e cultura. São ecossistemas que sustentam o crescimento e a mudança”.3

Além disso, é possível encontrar na Bíblia e nos escritos de Ellen White uma ênfase crescente no papel estratégico que a missão urbana desempenha no desejo de Deus de alcançar o mundo com o evangelho de Cristo, particularmente no contexto do tempo do fim.

A missão urbana é geralmente considerada um fenômeno do Novo Testamento. Nesse cenário, Paulo se destaca como aquele que liderou essa obra fundamental para a expansão do cristianismo durante a era apostólica.4 No entanto, o Antigo Testamento fornece alguns textos que parecem ter moldado as estratégias executadas por equipes missionárias lideradas pelo apóstolo dos gentios.5

Um texto que sugere o papel estratégico da evangelização urbana é Isaías 19:18 a 25. A passagem começa com uma alusão ao momento (“Naquele dia”) quando a visão profética alcançará seu cumprimento definitivo: o tempo do fim. Nesse tempo escatológico, “o que começou em cinco cidades [v. 18] agora alcança toda a Terra”.6 O texto, portanto, sugere um avanço progressivo na adoração do Deus verdadeiro. Começa em cinco cidades, depois atinge um país inteiro (Egito); mais tarde estende-se por toda uma região (do Egito à Assíria) e, finalmente, abarca toda a Terra. Essa visão ampla da missão divina foi captada pelo apóstolo Paulo e se tornou o motor de sua filosofia missionária e ministerial.7

Outro episódio paradigmático em relação à missão urbana é apresentado no livro de Jonas, considerado “o livro mais missionário do Antigo Testamento”.8 No entanto, o que mais impressiona na história é a relutância do profeta em cumprir a missão urbana designada em Nínive. Como Rosemary Nixon observa, “no cerne da missão está o desafio da mudança”.9 Afinal, para Jonas, proclamar a Palavra do Senhor dentro dos limites de Israel era uma coisa; pregar na malvada Nínive era outra, totalmente diferente!10 E isso não é tão difícil de entender, quando se lembra que Nínive foi a capital da Assíria, o império mais poderoso de seu tempo, conhecido por sua maldade e violência (Jn 1:2).11

A relutância e o preconceito contra a obra evangelística nas grandes cidades não são novos. De acordo com Jacques Ellul, as cidades geralmente são vistas pelos cristãos como centros de oposição a Deus e redutos de corrupção, imoralidade e violência.12 Os adventistas do sétimo dia não estão alheios a essa realidade.13 Concluindo uma discussão esclarecedora sobre as razões pelas quais os adventistas abandonaram progressivamente a missão urbana durante o ministério de Ellen White, David Trim observa: “Os adventistas não queriam lidar com bairros empoeirados, sujos, enfumaçados e insalubres do centro da cidade, ou com seus habitantes igualmente sujos, estrangeiros, analfabetos e viciados. […] Às vezes, a tentação mais sedutora é a respeitabilidade, e isso é verdade no início do século 21, como também foi no início do século 20.”14

Embora em outros contextos possam ser apontadas outras barreiras que têm impedido o avanço da missão urbana, é chegado o tempo em que o chamado divino para empreender essa tarefa deve ser assumido sem demora. Esse convite divino continua válido: “Os mensageiros de Deus nas grandes cidades não devem se sentir desanimados com a impiedade, injustiça e depravação que são chamados a enfrentar enquanto procuram proclamar as alegres novas da salvação. […] Em cada cidade, cheia como possa estar de violência e crime, há muitos que, devidamente ensinados, aprendem a se tornar seguidores de Jesus.”15

Ellen White e a missão urbana

Um estudo cuidadoso dos escritos de Ellen White nos permite observar que, embora por um lado ela promovesse a vida no campo como um ideal para os adventistas; por outro lado, ela incentivou continuamente o evangelismo urbano.16 Não é exagero dizer que a evangelização das cidades se tornou quase que uma obsessão para a autora e, em mais de uma ocasião, ela reprovou fortemente a negligência demonstrada pela liderança da igreja em relação às grandes cidades.17 Corrigir essa falha foi um dos principais objetivos de seu ministério entre 1901 e 1910.18

Entre as muitas estratégias para abordar o evangelismo urbano, Ellen White aconselhou o estabelecimento do que chamou de centros de influência. “Devemos fazer mais do que temos feito para alcançar as pessoas de nossas cidades. Não devemos construir grandes edifícios nas cidades, mas, repetidas vezes, foi-me esclarecido que devemos estabelecer em todas as nossas cidades pequenas instalações que se tornem centros de influência.”19

Assim, Ellen White imaginou pequenos centros urbanos de ministério integral que uniam a igreja à comunidade por meio do serviço. Falou sobre centros de saúde, salas de tratamento e restaurantes vegetarianos. Hoje eles podem assumir diferentes formas, mas ainda têm o mesmo objetivo: ministrar às pessoas em todas as dimensões de sua vida. Nesses centros, as doutrinas adventistas são “encarnadas” e promovem um ministério de serviço, ajudando as pessoas por meio da saúde, educação e outras formas de cuidado.20

Portanto, os centros de influência podem ser definidos como locais de ministério múltiplo e integral, que funcionam como pontes que conectam os membros da igreja à sua comunidade por meio de diversos serviços que atendem às principais necessidades das pessoas.21 Atualmente, em diferentes partes do mundo, essa estratégia tem se mostrado especialmente útil em ambientes urbanos altamente secularizados, onde as fórmulas convencionais de evangelismo não são eficazes.22

Obra médico-missionária e missão urbana

No contexto da missão urbana, Ellen White deixou claro que a obra médico-missionária é “a cunha de entrada onde a verdade encontrará lugar permanente”23 e “a obra pioneira do evangelho”.24 Em outra ocasião, ela afirmou: “A mão direita é usada para abrir portas pelas quais o corpo pode passar. Esta é a parte que deve desempenhar a obra médico-missionária. […] Portanto o corpo que trata com indiferença a mão direita, recusando o seu auxílio, não está em condições de fazer coisa alguma.”25

Por outro lado, é importante entender o que Ellen White tinha em mente quando usou a frase “obra médico-missionária”, pois é fácil limitar esse trabalho aos profissionais de saúde. Embora eles devam desempenhar papel de liderança na promoção dessa obra, o chamado para participar dela é para toda a igreja.26

Bem entendida, a obra médico-missionária inclui ampla variedade de serviços, desde a prática da medicina e das demais áreas da saúde, incluindo o ensino dos princípios saudáveis, até alimentar os famintos, vestir os nus e socorrer pessoas vulneráveis.27 Resumindo, qualquer trabalho que contribua para aliviar o sofrimento humano.28

Assim, a prática e o ensino das leis de saúde deveriam fazer parte do estilo de vida de todo discípulo de Cristo que aguarda Sua segunda vinda.29 À semelhança de Daniel e seus amigos na Babilônia (Dn 1), a mensagem do viver saudável deveria se tornar um catalisador para a missão escatológica do povo de Deus.

Conclusão

As informações encontradas na Bíblia e nos escritos de Ellen White sugerem que a evangelização de grandes centros urbanos desempenha papel estratégico no plano de Deus para alcançar o mundo com o evangelho. O profeta Isaías, no Antigo Testamento, e o apóstolo Paulo no Novo Testamento captaram bem essa visão.

Por sua vez, Ellen White enfatizou, especialmente na última parte de seu ministério, a importância de os adventistas empreenderem um trabalho evangelístico intensivo em grandes centros urbanos.30 Suas diretrizes não se limitavam a dizer o que fazer, mas incluíam uma série de orientações sobre como fazer. Essas instruções incluem a criação de centros de influência e o papel prioritário que a obra médico-missionária deve desempenhar.

A crise de saúde da Covid-19 é uma grande oportunidade para os adventistas colocarem em prática essas estratégias divinas, pessoal e comunitariamente, em seu modo de vida e missão, com a certeza de que, se obedecermos, Deus cuidará dos resultados.

Referências

1 Estevan F. Kirschner, “Da Babilônia à Nova Jerusalém” em Missão Urbana: Servindo a Cristo na Cidade (São Paulo: Mundo Cristão, 2020), p. 17.

2 Banco Mundial, “Desarrollo Urbano”. Disponível em <bit.ly/3teFKfC>, acesso 28/2/2021.

3 OMS, El Poder de las Ciudades. Disponível em <bit.ly/3t9brag>, acesso em 28/2/2021.

4 Rodney Stark, Cities of God: The Real Story of How Christianity Became an Urban Movement and Conquered Rome (Nova York, NY: Harper Collins, 2006), p. 2.

5 James D. G. Dunn, Comenzando Desde Jerusalén (Navarra: Verbo Divino, 2012), v. 1, p. 628, 629; N. T. Wright, “What is Missional Hermeneutics?”, em Scot McKnight e Joseph B. Modica (eds.), The Apostle Paul and the Christian Life (Grand Rapids, MI: Baker, 2016), p. 185.

6 J. Alec Motyer, Isaiah (Downer Grove, IL: IVP Academic, 1998), p. 159.

7 David Bosch, Misión en Transformación (Grand Rapids, MI: Desafío, 2000), p. 166, 167; John Phillips, Exploring Romans: An Expository Commentary (Grand Rapids, MI: Kregel, 2002), p. 253.

8 Ver notas introdutórias do Livro de Jonas na Bíblia de Estudo Andrews (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 1156, 1157.

9 Rosemary Nixon, “The Message of Jonah: Presence in the Storm” em The Bible Speaks Today, J. A. Motyer, John Stott e Derek Tidball (eds.) (Downer Grove, IL: IVP, 2003), p. 7.

10 Nixon, “The Message of Jonah”, p. 58.

11 A. LaCocque e P. E. LaCocque, Jonah: A Psycho-Religious Approach to the Prophet (Columbia, SC: University of South Carolina Press, 1990), p. 73.

12 Jacques Ellul, The Meaning of the City (Eugene, OR: Wipf and Publishers, 2011).

13 Gotfried Oosterwal, “How Shall We Work the Cities – From Within?”, Ministry, junho de 1980, p. 19.

14 D. J. B. Trim, “In These Cities Are Jewels: Lessons from Adventist City Missions – 1880-1915”, Journal of Adventist Mission Studies, v. 15, n. 19, 2019,

p. 87, 88.

15 Ellen G. White, Profetas e Reis (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 277.

16 Allan Novaes e Wendel Lima, “Country Versus City Tension: Historical and Socio-religious Context of the Development of Adventist Understanding of Urban Mission”, Journal of Adventist Mission Studies, v. 15, n. 1, 2019, p. 59-76.

17 R. Clifford Jones, “Evangelismo urbano”, em Enciclopédia Ellen G. White, Denis Fortin e Jerry Moon (eds.) (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 904, 905.

18 George R. Knight, “Cidades, Vida nas”, em Enciclopédia Ellen G. White, Denis Fortin e Jerry Moon (eds.) (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 755, 757.

19 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), v. 7, p. 115.

20 Gary Krause, “Seeking the Shalom: Wholistic Adventist Urban Mission and Centers of Influence”, Journal of Adventist Mission Studies, v. 10, n. 2, 2014, p. 58.

21 José Sánchez Hurtado, “El Concepto de Centros de Influencia en los Escritos de Ellen White” (dissertação de mestrado, Universidade Peruana Unión, 2018), p. 51, 52.

22 Ver exemplos de centros de influência em <bit.ly/3vEZKda>, <bit.ly/2PL72fX>, <bit.ly/3eTKstY>.

23 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 568.

24 White, Evangelismo, p. 513.

25 Ellen G. White, Beneficência Social (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 122, 123.

26 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 6, p. 289; Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), v. 7, p. 62.

27 P. G. Damsteegt, “Obra médico-missionária”, em Enciclopédia Ellen G. White, Denis Fortin e Jerry Moon (eds.) (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 1121-1123.

28 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 348.

29 Walter Alaña, Manual de Discipulado Adventista (Chillán: UnACh, 2013), p. 137-142.

30 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 7, p. 37.

Walter Alaña, diretor da Faculdade de Teologia da Universidade Peruana Unión