É um fato curioso que nos dias de Israel, embora o próprio profeta geralmente pudesse ser rejeitado pelo povo, eles comumente prestavam atenção toda vez que ele proclamava de viva voz ou por escrito: “Assim diz o Senhor.” Nem sempre aceitavam a mensagem do profeta nem agiam de acordo com ela, mas ouviam-na com muito respeito porque acreditavam que Deus estava Se comunicando com eles por meio das palavras do profeta. O cargo e o ministério de um genuíno profeta se achavam revestidos de autoridade e prendiam a atenção.

Para ser, porém, verdadeiro profeta, o indivíduo necessitava de algo mais do que mera confiança de que Deus o havia chamado. A genuinidade de semelhante ministério profético era revelada não somente em sua proclamação da mensagem de Deus, mas em toda atividade de sua vida diária como instrumento de Deus. A mesma coisa é verdade dos pregadores da Palavra de Deus hoje em dia. Pois há um sentido em que o ministro evangélico contemporâneo pode ter um ministério profético — o tipo de chamado que caracterizava os profetas bíblicos, especialmente os que eram reformadores.

Os seguintes são alguns dos característicos de um verdadeiro profeta que tornavam seu ministério mais eficiente, prendiam a atenção e irradiavam autoridade, e que, apropriadamente incorporados em nosso ministério, podem realizar por nós uma obra semelhante.

Instrumento do Espírito Santo

Nos tempos bíblicos acreditava-se comumente que ninguém — nem mesmo o próprio instrumento — tinha o direito ou a autoridade de combater a mensagem daquele sobre o qual “descia” ou “baixava” o Espírito Santo. Jonas, por exemplo, “fugiu” do Senhor, mas acabou cumprindo sua incumbência. Quando Elias, seguindo seus próprios impulsos, fugiu de Jezabel, parecia que ele também fugira do Senhor, mas o anjo de Deus alcançou-o. Semelhantemente, quando Jeremias resolveu livrar-se do manto profético, não conseguiu fazê-lo, pois a palavra do Senhor foi “como fogo ardente, encerrado nos [seus] ossos” (Jer. 20:9). Assim também, Paulo exclamou: “Ai de mim se não pregar o evangelho!” Vemos, portanto, que quando o Espírito de Deus Se apodera de um profeta, sua mensagem transborda num caudal irreprimível, sem levar em conta os desejos pessoais do próprio profeta ou da pessoa a quem sua mensagem é dirigida.

Reformador Cheio do Espírito

O profeta reformador procurava reprimir tanto os abusos políticos como religiosos do povo e seus dirigentes. Sob a orientação de uma consciência esclarecida, ele desprezava deliberadamente tradições e costumes estabelecidos quando isso se tornava necessário para obedecer ao Autor de sua mensagem e vocação. Ele era intransigente; não era um conformista. Persistia na reforma enquanto a vontade de seu Mestre era clara para ele. O senso da orientação divina transmitia confiança. Nele não havia hesitação; ele não vacilava. E esses característicos em geral eram reconhecidos pelas pessoas como prova de seu chamado divino.

Alguns talvez tenham a impressão de que o profeta era um individualista egocêntrico, mas detrás das aparências havia circunstâncias que requeriam que ele defendesse sozinho o que era correto, se fosse necessário. Era um individualista para Deus, inflamado com um fogo interior aceso pelo Espírito Santo. Sentia-se compelido a pregar a mensagem de Deus, quer na rua, na praça do mercado, em edifícios públicos ou a indivíduos a quem era enviado. Unicamente procedendo assim podia encontrar paz e ter a sensação de haver cumprido sua missão. Só então podia parar a proclamação e voltar tranqüilamente para seu lar.

Chamado por Deus

A obra do profeta bíblico não era herdada, como sucedia com o sacerdócio aarônico. Não havia “casta profética’’ comparável à sacerdotal que existia nos dias de Israel. De modo similar, hoje não há tal coisa como “casta” pastoral, ministerial ou de pregadores. Pode ser uma honra que o filho de um pastor siga os passos do pai, mas o filho não é obrigado a fazê-lo. Quando Whitefield foi ridicularizado por não pertencer à “sucessão apostólica”, ele replicou: “Minha poderosa” ordenação provém das traspassadas mãos do Senhor.” Foi dito de Jesus Cristo que Ele foi constituído ministro, e Paulo declara ter sido posto no ministério pela vontade de Deus (ver Heb. 8:2; Rom. 15:8; Atos 26:16; Efés. 3:7; Col. 1:23 e 25). Esta distinção parece ter sido ignorada por alguns ministros cristãos. Eles “tornaram-se ministros” por longos anos de estudo e investindo tudo que tinham nesse empenho. Mas passam por alto o fato de que não podem ser constituídos ministros por pessoa alguma, a não ser o próprio Deus.

Podemos declarar humilde, mas confiadamente e sem presunção, que realmente fomos chamados e constituídos ministros? Temos de enfrentar esta questão, pois nosso tempo requer ministros e pregadores assim constituídos por Deus e não pelo homem, como acontecia com os profetas da antiguidade. Tom Skinner, em seu livro, Words of Revolution, disse que uma das coisas mais deploráveis da religião neste século é haver tantos líderes religiosos que nunca foram realmente chamados por Deus (ver pág. 255).’

Incondicionalmente nas Mãos de Deus

O verdadeiro profeta era porta-voz de Deus. Interesses pessoais ou públicos não o intimidavam em sua missão. Se aquele a quem era dirigida sua mensagem não estava em harmonia com a vontade de Deus (quer fosse o sumo sacerdote ou um mestre do povo), essa pessoa de maneira alguma podia influenciar o servo de Deus. Todo o ser do profeta estava sujeito a Deus e Sua causa. Ele transmitia uma revelação que, embora fosse mal interpretada, às vezes era desprezada por homens inteligentes e instruídos que careciam de uma consciência esclarecida. Como reformador, a obra do profeta era alterar o estado normal de certas coisas e dirigi-las da maneira desejada por Deus.

O profeta era um dedicado seguidor de Deus e Sua santa lei. Para ele, a Causa de Deus era suprema e fazia dele o servo, não somente de Deus mas também do povo do concerto. Este senso de responsabilidade divina freqüentemente envolvia perseguições, ameaças de morte e até perda de vida. Ele era um firme atalaia de Deus e intransigente mordomo daquilo que lhe fora confiado. Firmado na lei de Deus, na justiça, na eqüidade e na verdade, recusava diluir sua mensagem com ambigüidades, formalismo, lisonja, concessões, prêmios ou presentes.

Sua convicção de que estava incondicionalmente nas mãos de Deus tornava-o audaz e destemido, e até ousado. Na realidade, sua vocação requeria tal espécie de estabilidade e determinação, pois Deus mesmo é assim, e ele representava a Deus por suas atitudes e ações. Não adulava reis ou príncipes.

Jamais explorava as pessoas, nem fazia uso de demagogia, pois não procurava votos nem precisava deles para reter seu cargo. Recebia de Deus tudo que necessitava. Às vezes permanecia sozinho, como Elias, embora uma minoria comumente recebesse sua mensagem e renovasse sua lealdade a Deus. Ser profeta raramente era popular, pois o profeta devia falar com franqueza. Ele não era um homem procurado, mesmo nos círculos da igreja.

As crises pareciam atraí-lo como o ferro é atraído pelo ímã. A mensagem de Deus fazia com que se sentisse intranqüilo, com santo descontentamento. Por vezes, quando sua missão se opunha à conduta de dirigentes que labutavam em erro, ele provocava conflitos. Noutras ocasiões, lançava-se tempestuosamente nas situações com uma enérgica exortação nos lábios ou com alguma boa notícia para infundir esperança. Mas, sempre era leal a Deus, à justiça, à verdade e à causa dos inocentes.

Frugal, Austero e Modesto

Embora os profetas, em geral, não pertencessem à ordem sacerdotal, alguns reuniam em si mesmos as funções de sacerdote e profeta, como por exemplo Jeremias e Ezequiel. Os sacerdotes tinham a tendência de ser tradicionalistas, ao passo que os profetas propendiam para ser ativistas. Os sacerdotes eram formalistas, ligados à monotonia cerimonial; os profetas eram inovadores que afastavam o povo do status quo. Os primeiros eram identificados por um uniforme, os últimos por uma vestimenta que parecia censurar a opulência e o comodismo.

A Solução

O ministério evangélico, hoje em dia, necessita do espírito, da orientação, do estilo, da forma e do conteúdo que caracterizavam os profetas reformadores da antiguidade. O ministério desses reformadores e seus característicos distintivos assemelhavam-se aos daquele Profeta, semelhante a Moisés, que haveria de levantar-Se — Jesus Cristo, nosso divino Senhor. O “Espírito de Cristo, que neles estava”, possibilitava que esses homens do ministério profético reproduzissem Aquele a quem representavam — o Profeta dos profetas.

Se nós pregadores permitirmos hoje que esse Espírito opere em nós, manifestaremos o Salvador em nosso ministério. A hora em que a Igreja de Deus se encontra presentemente requer que demos prioridade aos característicos do ministério profético em nossa vida. A habilitação divina para sua realização não será adiada se forem cumpridas as condições.

Unicamente quando os seus ministros manifestarem as qualidades do ministério profético a Igreja conseguirá revelar a glória de Deus que deve iluminar toda a Terra.