Como lidar com os afastados da igreja

Certa noite recebi um telefonema de uma senhora que se afastou da igreja que eu pastoreava. Sua voz revelava certo nervosismo. Após os cumprimentos, veio o susto:

– Quero que você saiba que sou grata a Deus por Ele ter me alcançado. Mas preciso lhe dizer algo.

– Pois não!

– Eu não vou mais frequentar a igreja.

– Como?

– Eu… eu creio que será melhor para mim não aparecer mais na igreja.

– Não estou entendendo. Você acabou de chegar. Foi batizada há três semanas.

– Sim, eu sei…

A explicação dela envolvia falta de liberdade dentro da igreja. Mesmo depois de minha forte súplica para que repensasse sua decisão, ela nunca mais retornou.1

Infelizmente, a exemplo daquela senhora, muitos cristãos se afastam da igreja. Os motivos vão desde lutas espirituais agudas, até decepções com algo que aconteceu dentro da comunidade espiritual.

Meu intento aqui não é discorrer sobre os porquês que levam tanta gente a se afastar da igreja; e sim, quais opções o pastor ou líder da igreja tem para abordar uma pessoa que se afastou da comunhão com seus irmãos de fé.

Fuga e vergonha

Das várias histórias que acompanhei, quase sempre o afastamento ocorreu por causa de decepções com pessoas da mesma igreja. Percebi que, depois de um tempo, algumas delas reconhecem que devem voltar. No entanto, a vergonha ou a mágoa faz com que esse retorno se torne difícil.

A primeira coisa que faço ao visitar um membro que se afastou da igreja é ouvir sua história com o máximo de atenção, concordando com ele sobre aquilo que é evidente, ou seja, que os problemas são reais para quem deseja permanecer firme na igreja. E por que é assim? Porque a igreja não é um lugar de pessoas perfeitas. Pelo contrário, cada pessoa traz para a igreja tudo aquilo que carrega em sua natureza. Maurício Zágari afirmou: “Nossa humanidade pecadora sempre encontra caminhos para se manifestar, definindo o tom de nossas relações e comprometendo nossos ideais de comunhão cristã.”2

No início do meu ministério, eu fazia o oposto. Ou seja, eu não dava muita atenção à história de decepção ou mágoa que havia levado uma pessoa a se afastar da igreja. Eu tentava defender a igreja a todo custo. Não percebia que minha atitude transmitia a seguinte mensagem: “Amigo, no fim, a culpa é apenas sua. A igreja é inocente.”

É desnecessário dizer que essa fórmula nunca funcionou. Eu voltava para casa achando que tinha feito meu trabalho, mas a pessoa não se sentia nem um pouco motivada a retornar à igreja. Quando me dei conta desse erro, decidi mudar minha abordagem. Era necessário ouvir com mais empatia as objeções apresentadas. Deu certo. Ouvir com paciência tornou o diálogo mais confiante. Ellen White aconselhou: “Não devemos oprimi-los com censuras desnecessárias, mas deixar que o amor de Cristo nos constranja a ser compassivos e brandos, de modo que choremos com os que erram e os que se desviaram de Deus.”3

Decepções e mágoas

Nem todos se dão conta, mas quando alguém aceita ser membro de uma congregação espiritual, passa a ter uma experiência em comunidade, na qual os relacionamentos interpessoais serão parte do seu dia a dia. E aí se manifesta o dilema: teremos que lidar com pessoas diferentes em vários aspectos como gostos, sonhos e cultura. Para alguns, trata-se de um desafio bastante intimidador.

Obviamente, em razão da nossa natureza pecaminosa, por vezes, as coisas fogem do controle, resultando em desentendimentos e separações. Isso mostra que devo ser cuidadoso para, não só ouvir a pessoa com calma, como também não me inclinar para uma solução simplória; isto é, dizer algo que soe inócuo, como por exemplo: “Essas coisas acontecem”, “Não se importe com isso”, “Deixe pra lá.” De fato, frases como essas não ajudam em nada.

Diante disso, creio que será mais proveitoso usar perguntas que afirmações, como: “Por que você acha que chegou nesse ponto?” “Onde estava realmente o problema?” “Você acredita que as coisas poderiam ter acontecido de outra maneira?” Essas perguntas podem levar a pessoa a ver a situação por uma perspectiva não vista antes. Isso não significa que você está concordando ou discordando dos motivos dela, mas apenas trazendo à tona possíveis respostas ao dilema de uma crise que ela está vivenciando com a igreja.

Desafios em comunidade

Uma vez que você tenha ouvido com atenção as decepções e angústias da pessoa, pode-se fazer uma nova pergunta que eu, particularmente, creio ser essencial: “Como você enxerga a igreja de Deus?”

Essa pergunta é importante porque as possíveis respostas oferecerão as pistas que eu preciso para inserir a própria pessoa de volta no contexto da comunidade. Por exemplo: se for mencionado que Deus espera que a igreja seja mais unida, a próxima pergunta que farei será: “Como eu e você poderíamos ajudar a igreja a alcançar esse objetivo?” Assim, estarei pondo alguma responsabilidade sobre essa pessoa, motivando-a carinhosamente a ser o veículo de mudança.

Também posso lembrar das metáforas bíblicas para a igreja. O apóstolo Paulo apresenta algumas delas: (1) a igreja é uma família; (2) a igreja é um campo para plantio e colheita; (3) a igreja é o corpo de Cristo. Ao trazer à memória da pessoa essas metáforas, nova pergunta surge: “O que podemos fazer juntos para que a igreja cumpra seu papel?

Perdão e restauração

Inevitavelmente, em algum momento será necessário apresentar o perdão como resposta para as feridas e mágoas. Digo à pessoa que não existem relacionamentos duráveis – seja na igreja ou em qualquer outro lugar – se não houver o desejo de perdoar. Afinal, quem não comete erros?

Em geral, ao citar o perdão, o coração ferido resiste no primeiro momento. Tenho a oportunidade, então, de ler um texto muito importante da Bíblia: “Suportem-se uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou” (Cl 3:13, NVI).

Tento trazer ao raciocínio lógico da pessoa o axioma que diz que, em um lugar em que há muita gente, existe a chance de nos decepcionarmos com alguém. Entretanto, também há a possibilidade de alguém se decepcionar conosco. Costumo lembrar que, como líder da igreja, já magoei muitas pessoas, mesmo sem nunca ter a intenção de fazê-lo, bem como lutei em oração para perdoar alguns que me feriram.

Posso mencionar à pessoa nessa hora uma frase de Horace Bushnell: “O perdão […] significa a restauração da comunhão interrompida”.4

Missão e salvação

Se o coração do membro afastado estiver receptivo (o processo pode durar tempo e demandar várias visitas), o passo seguinte será convidá-lo para um novo compromisso – algo que, claro, envolva a missão da igreja. Certa vez, apelei a um jovem fazendo-lhe uma proposta missionária: visitar irmãos de fé que, como ele, tinham se afastado da igreja. “Você poderá ouvir seus irmãos e entendê-los melhor do que ninguém, pois passou pela mesma situação.” Ele me olhou com surpresa, mas depois sorriu, e disse: “Sim, eu quero voltar para a igreja e ajudar. Quando começamos?”

Claro que nem todos terão a mesma reação. Contudo, envolver as pessoas em um compromisso de amor, no qual se sintam úteis e ocupadas, sempre traz algum bom resultado. Ellen White aconselhou que devemos “guiá-los a trabalhar por aqueles que estão mais necessitados que eles. As trevas se dissiparão se puderem ser guiados para ajudar a outros”.5

Amor e esperança

Cada membro afastado da igreja necessita saber, acima de tudo, que é amado. Primeiro, amado por Jesus Cristo. Não coletivamente, mas amado como se fosse o único filho. Segundo, amado pelo pastor. Afinal, estou ali porque me importo com ele. Por fim, amado pela igreja, pois a maioria dos membros da comunidade sente verdadeiramente sua falta. Tento mencionar que, como discípulos de Cristo, vivemos por uma “esperança viva”, de que em breve seremos transformados. E mais: temos a garantia bíblica de que a igreja será triunfante sobre o poder do mal (Ap 19:6-9). A leitura de João 10:14 e 16 faz muito bem ao coração da pessoa nesse momento: “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem. […] A mim me convém conduzi-las; elas ouvirão minha voz” (ARA).Restará apenas uma pergunta: “Você deseja estar comigo no redil do bom Pastor?” 

Fernando Beier, pastor em Hortolândia, SP

Referências

1 Episódio relatado em meu livro Liberdade Real (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019), p. 151.

2 Maurício Zágari, Perdão Total na Igreja (São Paulo: Mundo Cristão, 2019), p. 11.

3 Ellen G. White, Ministério Pastoral (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 222.

4 Citado em Moisés Marinho de Oliveira, 7 Mil Ilustrações e Pensamentos (Rio de Janeiro: Juerp, 1983), p. 240.

5 White, Ministério Pastoral, p. 161.