Embora seja certo que Deus é seu Autor, no evangelismo entra também o ser humano, mas não como um intrometido. Ele faz parte do plano divino.
Mais de uma vez lhe terá ocorrido o mesmo que tive de experimentar com certa freqüência. A série de conferências começa a ter êxito e isso comove a opinião pública; mobiliza os dirigentes religiosos que desejam silenciar os lábios do evangelista. Então vêm os emissários perguntando com insistência: “Com que autoridade está pregando?’’ Uma pergunta parecida à que formularam a Pedro, João e os demais apóstolos em Jerusalém. Recorda?
O apóstolo S. Paulo tinha uma resposta para as interrogações expostas no parágrafo anterior: Num ato de Sua soberana vontade, “aprouve a Deus salvar aos que crêem, pela loucura da pregação e, para consegui-lo, o Senhor Se vale dos lábios humanos dispostos a comunicar a mensagem divina, como os de João Batista, aquela voz humana que clamava no deserto, comunicando aos homens o evangelho do reino de Deus.
Este ato de chegar ao homem por meio do homem é a estratégia de Deus conhecida pelo nome técnico de evangelismo. Por meio dela procura-se confrontar as almas com Deus a fim de que se produza o novo nascimento, o crescimento, os frutos e outros dons que Deus dá a Seus Filhos.
No entanto, detrás do aspecto meramente técnico e formal da tarefa (Deus evangelizando os homens através dos homens) aflora uma das facetas mais enternecedoras da graça de Deus: o princípio de colaboração divino-humana. Em outras palavras, o homem como colaborador de Deus;2 o qual põe Seu tesouro em vasos de barro.
Na introdução do Apocalipse, S. João resume os passos desse princípio: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus Lhe deu para mostrar aos Seus servos as coisas que em breve devem acontecer, e que Ele, enviando por intermédio do Seu anjo, notificou ao Seu servo João, o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo, quanto a tudo o que viu.”3
Embora existam diferentes funções ou capacidades entre os planos e atividades de Deus o Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo, os Evangelistas, existe plena unidade e identificação na grande comissão de comunicar a salvação. Por exemplo, quando o Senhor enviou a Seus discípulos numa missão que poderiamos considerar como de adestramento, disse-lhes: “Quem vos recebe, a Mim Me recebe; e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou”;4 Quem vos der ouvidos, ouve-Me a Mim; e, quem vos rejeitar, a Mim Me rejeita; quem, porém, Me rejeitar, rejeita Aquele que Me enviou.”5 Evidentemente, não só há unidade de missão entre os que pregaram nas diversas épocas, sendo uns continuadores das tarefas de proclamação dos outros,6 mas existe plena unidade e identificação com a atividade missionária do próprio Deus, como se fosse um mesmo corpo. Sem dúvida, boa parte desse pensamento se achava implícita nas palavras de Jesus: “Assim como o Pai Me enviou, Eu também vos envio.”7
A pregação confiada aos seguidores de Jesus é a continuação de Sua própria evangelização. Essa idéia estava latente no pensamento hebreu expressado aos discípulos (hebreus também) pelo Mestre da Galiléia. “Uma fonte rabínica disse: ‘Aquele que é enviado por um homem é o próprio homem’ (Ber. 5, 5).”8
Essa idéia de que Jesus e os crentes formam algo como um mesmo corpo deve haver sido captada por Paulo quando, avistando já os muros de Damasco, ouviu o Senhor dizer-lhe: “Por que Me persegues?… Eu sou Jesus, a quem tu persegues.”9 Assim como no princípio Deus criou o mundo, mas colocou na esfera do homem a responsabilidade da lavoura e do cultivo, criou a vida e pôs na esfera do homem a capacidade de procriação, Deus provê a redenção, mas colocou a proclamação na esfera do homem.10
A graça de Deus, que está procurando recriar o homem por meio da redenção em Cristo Jesus, não somente lhe permite conhecer que há perdão pela fé no sangue do Senhor, mas também aponta para o desenvolvimento e crescimento emocional produzido pelo ato de realizar algo pelos outros; para o sentir-se útil, especialmente em colaboração com Deus. Vistas nesse contexto, podem ser muito significativas as palavras por meio das quais Paulo agradece ao Senhor esse plano baseado no princípio de colaboração divino-humano: “Sou grato para com Aquele que me fortaleceu, a Cristo Jesus nosso Senhor, que me considerou fiel, designando- me para o ministério, a mim que noutro tempo era blasfemo e perseguidor e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade. Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus.’’11
1. I Cor. 1:21.2. I Cor. 3:9. 3. Apoc. 1:1 e 2. 4. S. Mat. 10:40. 5. S. Luc. 10:16. 6. S. João 4:38.7. S. João 20:21. 8. The Broadman Bi ble Commentary, 8:79. 9. Atos 9:4 e 5. 10. J. Herbert Kane, Understanding Christian Missions (Grand Rapids: Baker Books Hou se, 1974), págs. 97-100. 11. I Tim. 1:12-14.