O pós-modernismo tem aspectos que minam a mensagem bíblica e a certeza de salvação. Mas também oferece grandes oportunidades

Quando o modernismo deu lugar ao pós-modernismo? É impossível definir com precisão o início e o fim de períodos históricos ou culturais como esses. Somente a perspectiva da História é capaz de prover um quadro razoavelmente claro dessas megatendências. A visão mais plena do que está acontecendo agora em nosso mundo se tomará mais clara apenas gradualmente; mas que alguma coisa está acontecendo e que o mundo está em grande transição, não existe a menor dúvida.

Quando usamos a palavra “moderno”, ou seus derivados, para nos referirmos ao período que se seguiu à Idade Média, fazemos isso de modo particular. Trata-se de um rótulo para o Projeto Iluminista que se pôs em andamento quando a abordagem cartesiana da filosofia começou a minguar.

O famoso dito de Descartes: “Penso, logo existo” tornou-se o fundamento para uma nova forma de olhar os seres humanos e Deus. O ser humano autônomo, inteligente, e logo também fortalecido pelo novo método científico que foi desenvolvido por Francis Bacon e Isaque Newton, tornou-se a medida de todas as coisas. Estava destinado a resolver os problemas do mundo. Deus ficaria à distância, embora leis naturais mantivessem o Universo em seu curso, de forma ordenada. O futuro seria marcado por um contínuo progresso, enquanto os recursos do planeta seriam cada vez mais explorados para benefício humano.

Entre o fim do século 19 e o início do século 20, o lluminismo começou a perder influência, com a entrada em cena de Friedrich Nietschze e Sigmund Freud. Novas abordagens filosóficas que focalizavam a linguagem e a interpretação de textos começaram a florescer, emitindo uma mensagem de relativismo, incerteza e até pessimismo. Como se isso não bastasse, o Holocausto tomou impossível a vida continuar como antes.

Filósofos na Europa e nos Estados Unidos começaram a enfatizar que o tempo das grandes idéias como o marxismo, comunismo e cristianismo havia passado. Declaravam que já não havia nenhum esquema todo-abrangente que oferecesse uma compreensiva explicação da vida. Em vez disso, diziam eles, existem apenas histórias fragmentadas e contraditórias de indivíduos e grupos em toda a sua diversidade. Não existem absolutos; a verdade foi substituída pelas verdades, proclamavam.

A partir dos anos 70, o termo pós-moderno passou a ser usado para descrever as mudanças que se tomavam mais e mais aparentes nas artes, na arquitetura, e também na filosofia e na teologia. Hoje, o termo tem-se tomado um rótulo que pode ser aplicado a quase tudo, embora seja uma palavra imprecisa. Pós-modernidade pode significar diferentes coisas para diferentes pessoas. Contudo, é inegável que alguma coisa está em andamento, particularmente no mundo ocidental. A Era Iluminista chegou ao fim, e estamos participando, queiramos ou não, de um momentoso processo de mudanças.

Características

O que é um indivíduo pós-moderno? O que pensa? O que faz? Em que lugares podemos encontrar homens e mulheres pós-modernos?

Não faltam livros descrevendo as principais características da mentalidade pós-moderna. De acordo com muitos autores, existe um tipo superficial de pós-modernismo, que é quase sinônimo de consumismo e hedonismo, e que permite a seus adeptos viver grande parte da vida em um mundo virtual. Contudo, há algo mais do que isso e, em muitos casos, essa descrição poderia ser imparcial.

Em lugar de descrever a média dos pós-modernos como “artificialmente felizes”, “ansiosos por divertimento”, ou “indivíduos frívolos”, talvez fosse melhor usar metáforas como “nômades” ou “mutáveis”. Também poderia ser dito que, com certa freqüência, determinadas pessoas concentram em si mesmas um misto de modernidade e pós-modernidade.

Aqui está um resumo das características mais observáveis na abordagem pós-moderna da vida. A lista pode não ser exaustiva, embora ajude muito a compreendermos e reconhecermos as tendências pós-modernas.

1. A mentalidade pós-moderna não crê que todas as coisas se tomarão melhores. Ela abandonou a idéia de progresso, e já não vê a ciência como uma bênção incondicional, conforme antigamente se pensava.

2. Não existem absolutos. Todos nós temos nossas verdades privativas. Comunidades e culturas têm seu próprio jogo de linguagem. Tudo é subjetivo, relativo, incerto, contingencial e ambíguo.

3. As grandes narrativas e os grandes ideais desapareceram.

4. Indivíduos pós-modemos parecem uma justaposição de elementos incompatíveis. Na arte, por exemplo, gostam de misturar estilos, confundindo as linhas entre o real e o virtual.

5. Cientistas já se mostram mais modestos em seus argumentos e confessam que, não raro, só vêem o que querem ver, e que muitos dos chamados fundamentos da ciência podem não ser tão firmes.

6. As pessoas sabem que vivem numa aldeia global. O computador – símbolo de pós-modernidade – lhes dá acesso instantâneo ao mundo. Porém, ao mesmo tempo, estratégias e alianças globais estão sob suspeitas e há forte interesse em questões regionais e locais.

7. Os pós-modemos desconfiam da religião institucional, mas são abertos à espiritualidade. Alguns advogam uma espécie de enfeitiçamento do mundo. Apreciam o mistério e trabalham para popularizar a abordagem sobrenatural, segundo o modelo da Nova Era, das questões da vida.

O impacto

Tão logo nos despertamos para as principais características da mentalidade pós-modema, fica mais fácil observar o impacto que exerce em todas as coisas. Perceba as modernas construções nas grandes cidades ocidentais. Já não se vê aquelas “modernas caixas”, estruturas monótonas de concreto, ferro e vidro. Há um toque ornamental muito forte, combinam-se estilos de períodos diferentes, de modo que os edifícios possam contar sua própria história.

As tendências pós-modernas estão presentes nas produções teatrais e televisivas, nos filmes, que deixam o espectador surpreso em relação a onde termina a realidade e começa a ficção. A política não está fora da influência pós-moderna. Em certas regiões da Europa, por exemplo, a maior parte da população concorda com a idéia de uma unidade européia, mas ao mesmo tempo faz qualquer coisa para proteger o dialeto local.

Não é difícil detectar o pensamento pós-moderno dirigindo a conduta religiosa e eclesiástica de muitos ocidentais. Religião sim; igreja institucional não. Experiência e emoção são aprovadas, mas doutrinas são consideradas irrelevantes. Verdade absoluta é substituída por “o que funciona para mim”. E há muitas formas legítimas de interpretação da Bíblia, conforme os leitores.

O cristianismo é uma opção religiosa entre uma série de religiões mundiais. Todas são respostas igualmente válidas, histórica e culturalmente condicionadas do ser humano às coisas do “além”. O pecado é reduzido a um senso de mera frustração de que as coisas não tenham sido feitas conforme as expectativas, deixando pouquíssimo ou nenhum espaço para algo como expiação, onde Alguém assume a minha defesa.

Não raro, pós-modernistas que se voltam para o cristianismo revelam desejo de escolher quais ensinamentos vão aceitar e se mostram relutantes quando são chamados a assumir compromisso pleno e permanente.

Na Igreja Adventista

A onda do pós-modernismo não tem ignorado a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Muitas questões e preocupações, particularmente no lado ocidental, estão diretamente relacionadas às influências pós-modernas. Para um número crescente de adventistas ocidentais, a história do adventismo como um movimento mundial, divinamente ordenado, unido por uma teologia e um modelo organizacional, com programas e recursos uniformes, tem sobrevivido à sua liquidação. Mais e mais pessoas tendem a pensar e agir localmente, tendo pouco ou nenhum interesse na hierarquia da Igreja, e desconfiando das estruturas institucionais.

Muitos se dizem cansados de modelos doutrinários e estabelecem sua própria verdade, em boa parte, mas não exclusivamente, dentro da moldura tradicional adventista. Tendem a considerar o adventismo como uma opção religiosa entre outras, e não estão seguros de que suas tradições sejam as da única igreja verdadeira.

O estilo de culto tem mudado muito, com ênfase crescente na experiência, música contemporânea, drama e reuniões informais. A disciplina tradicional da Igreja tem perdido muito de seu poder corretivo, e uma ampliação cada vez maior das linhas de fronteira toma lugar.

Nota-se um questionamento da nossa eclesiologia. O que é a igreja? É uma instituição universal? É visível, histórica, institucional, ou é a igreja invisível de todos os tempos? É um pequeno remanescente, com uma mensagem que muda de foco e ênfase, sempre que uma era cristã cede lugar a outra?

É a Igreja Adventista do Sétimo Dia a única verdadeira, devendo todas as demais ser rotuladas como Babilônia? Ou é apenas mais uma opção ao lado de um leque amplo de opções igualmente válidas? Talvez, alguns podem pensar, o adventismo represente uma opção especial, que oferece vantagens não disponíveis em outro lugar.

A questão com a qual alguns que são influenciados pelo pós-modernismo se defrontam pode ser: Possui o adventismo a verdade absoluta na Teologia, ou deveríamos ser um pouco mais modestos e dizer que nossa igreja faz apenas uma significativa contribuição à rica diversidade do cristianismo? As respostas são difíceis e são determinadas pela mentalidade de quem as oferece.

Adventista moderno e pós-moderno

É perigoso estigmatizar pessoas. A maioria delas simplesmente não cabe com perfeição neste ou naquele modelo. Isso também é verdade quando tentamos separar adventistas modernos e adventistas pós-modernos. Feita essa observação, consideremos os perfis elaborados a seguir, lembrando que eles não são exatos; mas, são basicamente verdadeiros.

Os adventistas modernos são a maioria e estão em qualquer lugar. São tradicionais, conservadores em suas crenças e no modo como vêem a igreja e o mundo que os cerca. Acreditam na história do adventismo como o remanescente de Deus, com uma missão mundial, seu surgimento designado por Deus no momento certo da História e sua vitória final.

Adventistas modernos crêem em absolutos, rejeitando questões que possam minar a certeza dos crentes. Defendem a posição histórica da Igreja com respeito a doutrinas, estrutura organizacional, estilo de culto e ética. Eles dão forte ênfase à escatologia e são firmemente anti-ecumênicos. Mantêm uma elevadíssima visão da inspiração da Bíblia e dos escritos de Ellen White. São defensores das praxes e do Manual da Igreja. Desejam que a Igreja permaneça unida e acreditam que essa unidade é nutrida através de programas uniformes e um sólido sistema de administração.

Por sua vez, os adventistas pós-modernos constituem uma crescente minoria, particularmente em países ocidentais (Estados Unidos, grande parte da Europa e Austrália), com grupos menores em outras regiões do mundo. Tendem a ser instruídos e geralmente vivem nas metrópoles. Não demonstram o mesmo interesse dos irmãos modernistas na história do adventismo, fixando-se mais o âmbito regional ou local. Não raro, desconfiam da hierarquia denominacional, como já foi dito antes, e simplesmente ignoram o escalão superior da estrutura organizacional. Dizem-se cansados da autoridade eclesiástica e não estão muito preocupados com a disciplina da Igreja, suas praxes e seu manual.

Adventistas pós-modernos tendem a permitir diversidade na doutrina, e querem escolher quais das 27 crenças fundamentais vão aceitar. Sua religião é muito menos racional que o adventismo tradicional. Experiência, celebração, louvor e Espírito Santo são palavras-chave para o modo como muitos deles querem “fazer” a igreja.

Eles são abertos a influências externas, revelando disposição para negociar crenças ou procedimentos, pois usualmente vêem os outros cristãos, especialmente os evangélicos, sob uma luz mais positiva do que vê o moderno adventismo. O adventista pós-moderno, com certa freqüência, alimenta reservas quanto a assumir um compromisso total com a Igreja e sua mensagem.

Desafios

O pós-modernismo secular e interno confronta a Igreja com tremendos desafios. De que maneira ela pode continuar unida, quando as pessoas operam sob premissas tão diferentes e já não vêem da mesma forma sua identidade e missão? Como os líderes se relacionam com aquelas pessoas que têm diferentes idéias sobre a importância das doutrinas e das crenças fundamentais? Como a Igreja será mundialmente afetada pelo crescente desinteresse, demonstrado por alguns segmentos, na sua estrutura e programas globais? Devem essas tendências ser judiciosamente bem-vindas, ou ser fortemente rejeitadas e combatidas com unhas e dentes? Existe um caminho de meio termo?

Gostaria de sugerir que não chegássemos a conclusões precipitadas. Tanto o modernismo como o pós-modernismo têm facetas que estão em tensão com o evangelho de Jesus Cristo. A velha questão do relacionamento entre cultura e evangelho tem reaparecido em nova roupagem. Na verdade, é importante que o evangelho responda às questões levantadas pelo pós-modernismo e que os pregadores sejam sensíveis ao modo como o povo sente, pensa e reage.

Ao mesmo tempo, toda cultura -incluindo o pós-modernismo – deve ser julgada pelo evangelho. Não necessitamos e não devemos aceitar o pluralismo e o relativismo do pós-modernismo. O argumento segundo o qual todas as grandes histórias perderam seu valor não pode impedir-nos de proclamar a história do nosso Senhor Jesus Cristo.

O pós-modernismo tem aspectos que minam o coração da mensagem bíblica e a certeza da salvação, mas também oferece grandes oportunidades. Por causa das atitudes básicas que são parte e parcela da pós-modernidade, temos uma porta aberta para falar de religião. Há sede por espiritualidade e uma considerável abertura para o sobrenatural. Há mais boa vontade para ouvir relatos daqueles que tiveram um real encontro com Cristo do que havia em décadas passadas.

A questão crucial é: Como podem os adventistas modernos e pós-modernos permanecer juntos, dialogar e crescer juntos, analisar juntos e conversar sobre o conteúdo essencial da mensagem bíblica, em lugar de falar sobre formas culturais nas quais o evangelho é pregado e sobre como a Igreja opera? Permitirá a liderança da Igreja tal diálogo? Irá encorajá-lo? Ou tentará proteger suas conquistas “modernas” a qualquer custo?

A verdade reside apenas em Jesus Cristo. Contudo, seria possível existirem verdades modernas e pós-modernas que nos ajudem a descobrir a Verdade? Somente quando aprendemos a ouvir uns aos outros, quando compreendemos que vivemos em um tempo de transição (ou será o tempo do fim?) e quando continuamos a buscar respostas relevantes para nossos contemporâneos, no estudo da Bíblia, com mente aberta e dirigida pelo Espírito Santo, sim, somente então, somos capazes de nutrir corações modernos e pós-modernos. É assim que construímos a igreja em amor e descobrimos caminhos de alcançar todas as pessoas que nos cercam.

Costumamos estabelecer diferença entre adventistas conservadores e liberais. Porém, talvez essa não seja a classificação mais importante. O maior desafio entre nós é a divisão entre modernos e pós-modernos. Que Deus nos conceda sabedoria e determinação para que nos mantenhamos unidos e firmes, buscando alcançar os dois grupos.

Reinder Bruinsma, presidente da União Holandesa

Dirigidos pelo Espírito Santo, podemos nutrir corações modernos e pós-modernos