A mordomia cristã em seus aspectos mais amplos

LeRoy E. Froom

A cobiça é um dos inimigos mais terríveis do homem. A maldição das riquezas trouxe mais sofrimento à raça humana do que talvez qualquer outra coisa. Ela inspirou os atos mais baixos da história. Impérios foram destruídos, nações arruinadas, continentes mergulharam nas guerras mais devastadoras e pessoas se envolveram em disputas amargas, não por causa da pobreza extrema, mas do abuso injusto e perverso do dinheiro.

Na Bíblia, a cobiça é tratada como um dos pecados mais condenáveis. O décimo mandamento lida exclusivamente com ela, sinalizando-a como um dos adversários mais difíceis da vida. Acã (Js 7), Geazi (2Rs 5:20-27) e Ananias e Safira (At 5:1-11) são exemplos de que Deus não deixará impunes aqueles que cobiçarem e se apropriarem do que Lhe pertence. No entanto, milhares de pessoas estão retendo e usando habitualmente o dinheiro do Senhor.

Para alguns, no contexto cristão, a questão do dinheiro é um tema delicado. Quando um pregador fala sobre isso, está sujeito a ser criticado por aqueles que clamam pelo “evangelho”. Contudo, se esse assunto não for incluído no evangelho, então Jesus passou uma grande parte de Seu tempo pregando e ensinando algo equivocado. Além disso, uma grande porção do Novo Testamento apresenta um tema estranho à essência de sua mensagem. O cristianismo prático requer uma discussão sobre o dinheiro. Com frequência, essa é a prova de fogo de toda nossa vocação.

Podemos supor que Cristo Se limitaria a discursos sobre fé, esperança e amor. Entretanto, muitos se surpreendem ao saber o quanto Ele tinha a dizer sobre o uso correto ou incorreto dos bens ou dinheiro. Esse foi o tema da maioria de Suas parábolas e Seus sermões.

Jesus e o dinheiro

Logo no início do Seu ministério, no Sermão do Monte (Mt 6), Jesus fez algumas afirmações importantes relacionadas às riquezas. Por exemplo: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra” (v. 19); “Ninguém pode servir a dois senhores” (v. 24); “Não andeis ansiosos […], quanto ao que haveis de comer ou beber” (v. 25); “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Seu reino […], e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (v. 33).

Em Mateus 19:16 a 22, o evangelista narra o encontro de Jesus com o jovem rico. Note as palavras: “Vende os teus bens, dá aos pobres […]; depois, vem e segue-Me” (v. 21). O problema é que o jovem rico não se considerava um mordomo, mas o dono. Se ele tivesse a visão correta, não teria sido difícil se separar do dinheiro do Senhor. É evidente que Jesus não queria os bens dele, mas sua salvação. “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!” (Mc 10:23).

Quando Cristo terminou de falar com o jovem rico, Pedro perguntou: “Que será, pois, de nós?” (Mt 19:27). Jesus lhe assegurou uma recompensa centuplicada e a vida eterna. Em seguida, em Mateus 20, está a parábola dos trabalhadores da vinha; em Mateus 21, a parábola dos lavradores maus; e em Mateus 22, os fariseus buscam testar a Jesus quanto aos impostos e dízimos. Ele respondeu: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22:21). Dessa forma, Cristo reconhece o direito de o Estado tributar o cidadão. Fica evidente que Ele Se refere ao dízimo, quando menciona nosso relacionamento com Deus na mesma frase.

Em Mateus 23, Jesus condena os dizimistas literalistas que violam grosseiramente todo o espírito do dízimo. Em Mateus 25 encontramos a parábola dos talentos. O Mestre repete o princípio vez após vez, de que Deus atribuiu esses talentos em confiança, e somos responsáveis para com Ele. Em Marcos 12, Jesus Se assentou a certa distância do gazofilácio e apresentou a lição da viúva pobre. Em Lucas 12:15, Ele afirma: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui.” Na sequência, no contexto da parábola do rico insensato, conclui: “O que tens preparado, para quem será?” (v. 20).

Em Lucas 16, encontra-se a parábola do mordomo infiel. Aqui está o ponto-chave: mordomo dos bens de Deus! Como fazer essa leitura sem ficarmos profundamente impressionados de que não há somente perigo nessa questão monetária, mas abundante orientação e ajuda? De fato, existem referências sobre mordomia por toda a Bíblia, de Gênesis ao Apocalipse.

Corretamente entendido e praticado, dizimar é um ato de adoração tão essencial quanto a oração. Adoração é o ato de doar-se para Deus. Dinheiro também é, em certo sentido, uma parte de nós. O salmista pergunta: “Que darei ao Senhor?” (Sl 116:12). A resposta é: louvor, adoração, culto, coração, vida e dinheiro. Tal reconhecimento é nada menos que um ato de adoração.

O ponto essencial não é o dízimo, mas o dizimista; não é a dádiva, mas o doador; não é o dinheiro, mas o ser humano; não são as posses, mas o proprietário. Declarar não é suficiente. A prática precisa andar com o testemunho. A consagração precisa ser cuidadosamente observada para averiguar se é legítima ou não. E o dízimo é a forma mais concreta, pessoal, prática, proporcional e poderosa de reconhecimento do patrimônio de Deus e da administração humana idealizada desde a criação do mundo.

Mordomia e Pentecostes

A mordomia era bastante realista durante o período da chuva temporã. Por ocasião da chuva serôdia, a mordomia estará novamente destinada a tomar seu devido lugar. Quando o Espírito Santo desceu no Pentecostes para habitar nos discípulos, assumiu o comando e o controle completo da vida deles. Nada deveria estar fora de Sua inspiração e direção. Concluímos que as posses dos discípulos e seus gastos financeiros estavam sujeitos a Ele. Tudo era controlado pelo Espírito Santo e governado por esse princípio. A salvação não seria adequada nem completa se não proporcionasse libertação do poder maligno do dinheiro.

A lição do Pentecostes é a garantia de que quando o Espírito Santo habita em Sua plenitude no coração, as posses terrestres perdem o primeiro lugar, e o dinheiro é valorizado apenas como prova de nosso amor a Deus e do serviço ao semelhante. Assim, exercitamos nossa fé quando devolvemos nosso dízimo a Deus tanto quanto o fazemos quando observamos o sábado. Não podemos servir a Deus e ao dinheiro, mas podemos servir a Deus com nosso dinheiro. A queixa atual de que há falta de dinheiro para a obra do Senhor é uma evidência da medida limitada do conhecimento do Espírito Santo em nosso meio.

O verdadeiro Proprietário

Vamos deixar a discussão financeira para rever os princípios que são o alicerce da mordomia. Pense mais uma vez na propriedade de Deus. O mundo é do Senhor, porque Ele o criou. Assim, Ele tem o domínio sobre todas as coisas. Por sua vez, ao ser humano cabe zelar por suas posses, sabendo que não tem domínio absoluto sobre elas. Dessa maneira, o ato de dizimar indica se nós reconhecemos que somos apenas mordomos ou agimos como proprietários.

A vida é um dom de Deus. Sem Ele nada podemos fazer. Não podemos produzir nem ganhar algo sem a cooperação contínua do Criador. Cada ser humano que vem ao mundo está em dívida com o Senhor e é dependente de Sua generosidade. Vivemos no tempo Dele e negociamos com Seu capital, provido sob a condição de que Ele receba a décima parte, em primeiro lugar, e seja o credor principal. Então, dizimar é um reconhecimento do domínio de Deus em Seus próprios termos. Essa é a verdadeira filosofia cristã sobre o dinheiro e a propriedade. Se eu me tornar infiel, violarei a confiança que possuo, serei um inadimplente e perderei meu direito à sociedade com Deus.

Esse reconhecimento da soberania de Deus se torna uma tremenda força espiritual, porque eu conscientemente me submeto a Ele como parceiro por toda vida, e Seu amoroso cuidado está constantemente diante de mim. Assim, o dízimo se torna o que deveria ser, uma questão do coração, enquanto a mordomia faz da vida um chamado sagrado.

Mordomos de Deus

A palavra mordomo vem do grego, oikonomos, e dá origem ao termo economista, em português. Um mordomo é responsável por administrar os interesses de seu senhor na ausência dele. Não se trata de servidão, mas de uma relação de amizade e confiança. Abraão, que devolvia o dízimo, foi chamado de amigo de Deus (Is 41:8), enquanto “o servo não sabe o que faz o seu senhor” (Jo 15:15).

A propriedade de Deus, que implica a mordomia humana, traz consigo responsabilidades solenes e prestação de contas. Ao devolvermos o dízimo, em primeiro lugar, reconhecemos nosso dever benéfico, pessoal, periódico e primário em relação a Ele. Deus não precisa de nosso dízimo. Em realidade, as dez partes podem ser requeridas por Ele, conforme quiser. Mas a prática do princípio é necessária ao ser humano. O Senhor não quer nosso dinheiro, mas nossa afeição, nossa convicção e nossa confiança Nele.

O benefício do dízimo

O Senhor nunca estabelece uma lei que não seja para o benefício humano. O dízimo não é uma exceção. Não é para o benefício de Deus, mas para o nosso. Se não fosse para o desenvolvimento de nosso caráter, Ele não o teria ordenado. Como sabemos, “o sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2:27). Da mesma maneira, o dízimo foi feito por causa do ser humano, e não o ser humano por causa do dízimo.

A mordomia entrou em ação no instante em que Adão foi feito “alma vivente” por seu Criador. Portanto, ela não tem origem na promulgação da lei. Se Adão fosse o único ser humano, ainda seria responsável perante Deus. É redundante dizer que todas as leis divinas existem para a felicidade plena de Suas criaturas. Cada “não” do Decálogo tem como pano de fundo a necessidade básica de fazer apenas o que é ordenado. As leis de Deus não criam deveres, elas os definem. Dessa forma, toda lei moral é necessária antes de sua promulgação. Assim é o fundamento eterno da mordomia.

Um detalhe importante em relação à mordomia é que a devolução do dízimo não nos dá o direito de usar o restante como acharmos melhor. Ao fornecer os motivos que governam tanto o adquirir quanto o doar, a mordomia afeta todo o uso do dinheiro. Por isso, ela é muito mais profunda do que o dízimo, pois abrange toda a vida. Requer a plena consagração a Deus, fazendo em todas as áreas da vida o que Cristo requer, reconhecendo Sua propriedade e domínio em todos os momentos. Isso é justificação aplicada e uma demonstração de fé.

Mais do que dinheiro

O princípio de que a consagração pessoal venha antes da consagração da riqueza é expresso desta maneira nas Escrituras: “Deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor” (2Co 8:5). A doação do dinheiro não substitui a doação de nós mesmos. Assentos reservados no reino dos Céus não são comprados com dinheiro. Pedro disse a Simão, o mago: “O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus” (At 8:20). Uma oferta liberal de serviço ou dinheiro não é suficiente para cobrir uma consagração deficiente ou inadequada. Por outro lado, se professamos nos entregar, mas retemos nossos bens, estaremos próximos de nos tornar seguidores de Ananias e Safira. Tudo é um sagrado depósito que deve ser mantido ou usado conforme Deus indica. Esse é o ponto crucial da mordomia. Para o ser humano que falhar aqui, significará fracassar em tudo.

Pense por um momento em “ganhar dinheiro”. Nosso tempo é essencialmente voltado à aquisição de riquezas, mais do que em períodos anteriores. Vigiemos para que isso não se torne a paixão dominante da vida. Quando isso acontece, o ser humano se torna sórdido, ganancioso e indiferente para com Deus. Por outro lado, o reconhecimento da mordomia eleva a vida a um nível completamente diferente. “A oportunidade com habilidade faz o dever.” Envolve honestidade e justiça em todas as relações com nossos semelhantes. Não há mordomia correta que não inclua a relação do ser humano com seus semelhantes. Assim, nenhum centavo desonesto será levado ao tesouro de Deus.

Além disso, o reconhecimento de que o Senhor é sobre todos evitará amargura e conflitos entre empregadores e empregados. Dará um caráter honesto a todas as transações comerciais. A vida não será dividida entre secular e sagrada. Nosso negócio será tão sagrado quanto consideramos uma reunião de oração, e será conduzido no temor de Deus.

Novamente, nossos dias são de acumulação de riquezas. Quanto mais as pessoas têm, mais querem. Existe, obviamente, uma grande diferença entre nossos desejos e nossas necessidades. Itens considerados luxos quando o salário é insuficiente tornam-se necessidades aparentes quando a renda aumenta. Sem dinheiro, notamos as necessidades reais. Com dinheiro, temos desejos artificiais. Como mordomos, precisamos vigiar nesta época de consumo selvagem. Extravagância sem justificativa, promoção do orgulho e do egoísmo e apoio aos apetites de nossa natureza são pecados de nossa geração.

Conclusão

A mordomia leva à economia, o que é completamente diferente de avareza. “Tempo é dinheiro”, mas o dinheiro, diferentemente do tempo, pode ser poupado. Por outro lado, ambos podem ser gastos de maneira sábia ou insensata. Há um desastre semelhante tanto na avareza gananciosa quanto no desperdício abundante. Os mordomos são tanto representantes como também servos. Devem viver de maneira a manifestar a vontade de seu Mestre. A vida deles deve ser livre da ostentação. A décima parte de Deus jamais santificará os nove décimos usados em autoindulgência. O dinheiro é o meio supremo que o mundo possui para satisfazer seus desejos. Não somos “do mundo”. Ao usar o dinheiro, devemos demonstrar que não somos guiados por um princípio mundano. Devemos andar como aqueles que “crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências” (Gl 5:24).

Uma das maneiras mais eficazes de demonstrar e manter a crucificação da carne é jamais usar o dinheiro para satisfazê-la. Vamos preencher nossa vida com grandes pensamentos sobre o poder espiritual do dinheiro. Assim, a alma se ilumina, o propósito é determinado, elementos prejudiciais são eliminados dos prazeres sociais, a vida empresarial é conduzida sob a regra de ouro e o ganhar almas se torna uma paixão. Essas são as bênçãos abundantes concedidas por Deus em uma vida de fidelidade.

Ser um mordomo é algo solene. Os mordomos devem prestar contas. Todo contador enfrenta a vinda de um auditor. É um assunto sério possuir e administrar a prata e o ouro do Criador de todas as coisas, do Juiz de toda a Terra. Se um empregador retiver o salário de um funcionário é injusto; o que dizer de ser intencionalmente culpado por fraude como mordomo de Deus? Nossa confiança deve ser solene diante das terríveis possibilidades. Contudo, felizes são aqueles que ouvirão as palavras “muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei” (Mt 25:21).

Esses são alguns dos princípios da mordomia humana e da propriedade de Deus. Uma parceria e relacionamento incríveis e uma escola de treinamento para o caráter! 

LeRoy E. Froom foi fundador e editor da revista The Ministry por 22 anos