Dicas para aperfeiçoar a transmissão de cultos on-line

Um dos comportamentos mais impactados na pandemia da Covid-19 foi a forma de nos relacionarmos com a internet e o ciberespaço. O distanciamento social, a necessidade de ficar em casa, o medo do contágio e as consequências psicológicas resultantes dessa condição fizeram com que a internet se transformasse em um tipo de válvula de escape para tudo. De educação a entretenimento, passando por alimentação e relações humanas. Segundo reportagem do The New York Times,1 o acesso a plataformas virtuais de entretenimento, comunicação, jogos e notícias teve um aumento exponencial de acessos, motivado pelas pessoas que buscaram soluções para atenuar os efeitos do seu estado de isolamento.

Essa relação de dependência da rede que, de fato, já existia, foi alçada a um status superior. Parece que estamos vendo acontecer o que Manuel Castells destacou no início da década passada, quando disse que a internet era “o tecido de nossas vidas”.2 A pandemia fez com que esse tecido se enrijecesse e chegasse com muita força aos “órgãos” da sociedade que ainda engatinhavam no uso das ferramentas do ciberespaço. Entre eles, a igreja.

A incerteza causada pela doença e, posteriormente, pelos decretos governamentais que impediram as reuniões públicas, forçou as comunidades locais a uma adaptação para a qual, na maioria dos casos, não estavam preparadas. Nesse sentido, muitas se tornaram retransmissoras da programação produzida pela sede sul-americana da Igreja Adventista, por sedes regionais, ou ainda pela TV Novo Tempo, resolvendo, assim, o desafio do culto sabático. Contudo, isso não minimizou os obstáculos que surgiram relacionados ao vínculo dos membros com a igreja local.

A primeira ideia que muitas igrejas tiveram foi a de transmitir seus cultos. A Life.Church, plataforma internacional gratuita de transmissão de cultos, teve um aumento de mais de 400% nas suas transmissões no período da pandemia. No Brasil, a busca por cultos on-line também teve um aumento significativo.3

Acompanhando a tendência, diversas igrejas adventistas investiram tempo e recursos nessas transmissões. Algumas utilizando-se de equipamentos simples; outras com equipamentos sofisticados que eram usados antes da pandemia. No final de 2019, fui entrevistado pela revista Comunhão em uma matéria que considerava a Igreja do Unasp, campus São Paulo, uma das referências em transmissões de cultos no país.4 O foco do artigo era mostrar o que nos motivava a realizar a transmissão, a tecnologia que usávamos, e também os resultados que obtínhamos. Na época, tínhamos mais de 30 mil inscritos em nosso canal, e uma audiência média de 1500 pessoas por culto. Atualmente, temos quase 70 mil inscritos,5 e uma audiência que chega a 10 mil pessoas por transmissão.

Ponto de partida

Diante desse exemplo, talvez um dos maiores da Igreja Adventista em todo o mundo, várias perguntas surgem a fim de entender o que nossa igreja tem feito para conquistar tamanha audiência. Começo com algo que considero um axioma: a transmissão on-line não visa criar uma igreja digital, mas levar o digital para a igreja. Ou seja, a transmissão de um culto deve ser um complemento do que já existe na igreja, e não a criação de uma nova igreja, em uma modalidade não presencial.

Por que considero importante esse pensamento? Por dois motivos. Primeiro, uma transmissão de culto, Escola Sabatina ou estudo bíblico deve refletir a realidade do que a igreja local já fazia antes da pandemia. Se antes já havia engajamento dos membros nos cultos, ministérios e eventos da igreja, o engajamento também acontecerá nessa nova realidade. Segundo, há o perigo de se planejar um culto distinto para o formato digital. No entanto, não devemos tratar como algo separado. A igreja é uma só, seja na internet ou no templo.

Partindo desses pressupostos, entendo que os líderes estão prontos para o desafio de levar o digital para sua igreja. Nesse processo, muitas vezes a tarefa se torna ainda mais complexa devido à diferença de gerações. David Kinnaman alerta para a necessidade de se responder à seguinte pergunta: “Como podemos seguir Jesus – e ajudar os jovens a segui-Lo fielmente –, em uma cultura em drástica e constante transformação?”6 Quando a igreja decide digitalizar algumas de suas atividades, usar as mídias sociais para dar suporte ao seu trabalho e praticar certo tipo de media training, podem acontecer conflitos geracionais entre jovens e líderes mais idosos. É preciso, no entanto, encontrar o equilíbrio para que as programações alcancem o público de maneira correta e cumpram seus objetivos.

Em relação ao media training, uma transmissão on-line demanda preparação especial daqueles que estarão em evidência. Por isso, os participantes devem não somente ter cuidado com a aparência, mas também com a forma de se portar diante dos equipamentos. É necessário se dirigir aos espectadores olhando sempre para as câmeras, demonstrando a importância dada a eles.

Dicas práticas

Após as primeiras considerações, a igreja deve partir para a ação. Alguns passos devem ser dados. São eles:

Tecnologia. Câmera de boa qualidade, conexão banda larga e iluminação apropriada são fundamentais, por mais simples que seja a transmissão. Sem esses elementos, minha dica é não realizá-la.

Cenário. O ambiente deve ser preparado para a transmissão. O visual da igreja para uma transmissão on-line tem as suas peculiaridades. Pense, portanto, no plano de fundo, nas cores e, mais uma vez, na melhor posição para iluminação.

Plataformas. É imprescindível que seja escolhida uma plataforma de transmissão aberta ao público. Nesse caso, o YouTube é a primeira opção. Além disso, o Facebook também é uma ótima opção pelo nível de presença das pessoas. Embora o número de usuários do Instagram tenha crescido durante a pandemia, esse aplicativo não é a melhor opção para a transmissão de eventos. Existem softwares que gerenciam a transmissão em múltiplas plataformas. Infelizmente, porém, as melhores ferramentas não são gratuitas. Portanto, verifique as condições financeiras de sua igreja antes de planejar uma transmissão em mais de uma plataforma simultaneamente.

Identidade visual. Crie ou evidencie a identidade visual da igreja tanto nas transmissões quanto na divulgação dos eventos. Escolha uma paleta de cores adequada e um design padrão para as postagens que deve ser replicada na transmissão também. Isso dará um senso de profissionalismo ao trabalho.

Apoio nas mídias sociais. A busca por uma transmissão de sucesso de audiência e com engajamento deve ser apoiada pelas mídias sociais da igreja. Faça uma campanha prévia para que os membros da congregação se tornem seguidores das mídias da igreja, bem como compartilhadores dos conteúdos.

Planejamento de postagens. As mídias sociais devem ser geridas seguindo um rígido padrão de planejamento de postagens em apoio às programações que acontecerão on-line. Esse planejamento deve incluir o agendamento prévio dos eventos, tanto no Youtube quanto no Facebook, pois estes ficarão em evidência para os seguidores. Não se esqueça de que tudo deve seguir os padrões de identidade visual. Uma sugestão é que as mídias tenham postagens diárias que culminem nos cultos transmitidos. Portanto, escolha temas para cada dia e crie um calendário dessas postagens. Por exemplo, mensagem pastoral na segunda-feira, verso bíblico na terça, mensagem de algum ministério na quarta, lembranças de eventos antigos na quinta e mensagem de preparação na sexta. Faça seu próprio calendário de postagens de acordo com a realidade de sua igreja.

Os itens mencionados são muito importantes. Mas nada é tão importante quanto o conteúdo. Na internet existe um jargão: “o conteúdo é rei”. Mas, o que seria um bom conteúdo para um culto? Já não temos uma mensagem importante?

Um culto, ou qualquer outro evento eclesiástico transmitido, deve primar pela qualidade. O tema do sermão, a mensagem musical e a pregação devem ser bem escolhidos e apresentados. A programação poderá ter um grande alcance se for realizada com excelência, mas pode ter uma repercussão negativa se tiver erros importantes.

Na Igreja do Unasp-SP, Gilson Grüdtner, pastor titular, Robson Góes e Renato Prandi, pastores auxiliares, têm apresentado conteúdos relevantes tanto nos cultos quanto nas classes bíblicas que a igreja tem mantido durante este período. A escolha de temas escatológicos foi estratégica e chamou atenção do público para assuntos de interesse relacionados ao momento pelo qual o mundo está passando. Para se ter uma ideia, algumas programações realizadas pela igreja já tiveram mais de meio milhão de visualizações!7

Conteúdo relevante, bem preparado e apresentado move as pessoas a tomar decisões. Pessoas foram batizadas como resultado das transmissões. A grande quantidade de interessados em aprender mais sobre a Bíblia e se firmar na igreja motivou, por exemplo, a realização de classes bíblicas por videoconferência e também uma série de sermões nos cultos de quarta-feira com ênfase nas doutrinas adventistas.

Finalmente, por mais que haja a necessidade de uma preparação diferente do culto presencial, não se deve considerar o culto transmitido como algo diferente. Não temos que criar uma igreja versão digital. Um culto on-line deve ser uma apresentação adaptada para a internet do que a igreja já fazia, porém com engajamento e alcance muito maior. Uma boa transmissão reflete uma igreja viva, atuante e fiel ao chamado de pregar o evangelho, alcançando, de fato, os confins da Terra!

Referências

1 Ella Koeze e Nathaniel Popper, “The Virus Changed the Way We Internet”, The New York Times, disponível em <nyti.ms/32f0s59>, acesso em 14/7/2020.

2 Manuel Castells, A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade (Rio de Janeiro: Zahar, 2003), p. 7.

3 Segundo o Google Trends, as buscas por cultos on-line tiveram um aumento repentino no início da pandemia de mais de 3300%. O relatório com mais detalhes da busca pelo termo nos últimos 12 meses pode ser acessado em <bit.ly/32d4FXb>, acesso em 14/7/2020.

4 R. Ramos, “Igrejas Antenadas na Rede”, Comunhão, ed. 266, p. 28-31.

5 O objetivo do departamento de marketing e comunicação da igreja do Unasp-SP é chegar a 100 mil inscritos no canal do YouTube até o fim de outubro de 2020.

6 David Kinnaman, Geração Perdida: Por que os jovens estão abandonando a igreja e repensando a fé (Pompeia, SP: Universidade da Família, 2014).

7 O sermão “O Abalo das Potestades do Céu no Final do Sexto Selo”, pregado pelo pastor Gilson Grüdtner, foi visto por mais de 548 mil pessoas, sendo o vídeo mais acessado do canal da Igreja do Unasp-SP. Está disponível em <youtu.be/vRs6YkqowHs>.

Fábio Bergamo, professor universitário e diretor do departamento de Comunicação da Igreja do Unasp-SP