Muitas vezes se tem acusado os líderes da Igreja de 100 anos atrás, de não terem dirigido a Igreja como esta deveria ter sido dirigida em 1888. Há, contudo, uma questão muito mais importante. Aprenderão os líderes da Igreja as lições de um século atrás e dirigirão a Igreja como Deus desejava que ela fosse dirigida naquela ocasião?

E quando falamos de líderes, a quem desejamos referir-nos? Devemos ir além dos administradores, e incluir pastores, anciãos e o quadro de membros da Igreja. Se a congregação local é o coração da igreja, então certamente o pastor e os líderes locais são os principais líderes na igreja. Há algumas lições sugestivas de 1888 para os líderes da Igreja de 1988. A maioria delas se baseia em artigos deste número de O Ministério.

Lições sobre teologia

A justificação pela fé é básica ao adventismo. Qualquer líder adventista moderno que tenha dispensado à justificação pela fé atenção apenas passageira, imaginando que ela se relaciona somente com o nosso passado ou era tão-somente algo para os intelectuais pensarem, entendem mal o adventismo. Ellen White já dissera que “justitificação pela fé é, em verdade, a mensagem do terceiro anjo” (R&H, 1º de Abril de 1890). Ela não a considerava superficial.

Quando as águas teológicas se tornam muito profundas ou muito tempestuosas, fazemos bem em ir à definição sucinta daquilo que é a justificação pela fé: “Justificação é obediência à lei. A lei requer justiça, e esta a deve o pecador à lei; ele, porém, é incapaz de prestar-lhe. A única maneira em que pode ele alcançar a justiça é mediante a fé. Pela fé pode ele apresentar a Deus os méritos de Cristo, e o Senhor coloca a obediência de Seu Filho na conta do pecador. A justiça de Cristo é aceita em lugar da deficiência do homem, e Deus recebe, perdoa, justifica a alma arrependida e crente, trata-o como se ele fosse justo e o ama como Seu filho. Eis como a fé é imputada como justiça.” 1

O verdadeiro adventismo equilibra o cognitivo com o afetivo, o conhecimento e o sentimento, a teoria e a experiência. Antes de 1888, a Review dedicou-se quase que exclusivamente a provar a doutrina. Muitos líderes da Igreja consideravam o estudo da Bíblia apenas como o meio de tornar claro que eles possuíam as doutrinas certas e podiam prová-las de maneira convincente.

Nós nos tornamos uma denominação de debatedores. Ninguém podia provar melhor suas doutrinas do que os Adventistas! Não obstante, nossos debatedores estavam ganhando seus debates e perdendo sua experiência cristã. Para eles, o provar havia substituído a oração. O argumento eclipsara a experiência.

Alguns hoje parecem ensinar que a compreensão da justificação pela fé assegurará o reavivamento na Igreja. Não necessariamente. É preciso mais do que um simples argumento para reavivar uma igreja. O verdadeiro problema de 1888 era se a Igreja devia ou não passar do argumento para a experiência. A Igreja de 1988 deve obter sucesso onde a Igreja de 1888 fracassou — em procurar o equilíbrio entre as duas coisas.

O verdadeiro adventismo equilibra o relacionamento com a obediência. Em 1888, o adventismo fazia parte de uma sociedade na qual, de um modo geral, respeitava-se a lei e se esperava a obediência. Não admira que a lei e a obediência fossem ressaltadas na Igreja. Em 1988, o adventismo faz parte de uma sociedade que salienta o relacionamento afetuoso ê a liberdade individual, uma sociedade. que se inclina a fechar os olhos para um comportamento permissivo. Não é de estranhar que os relacionamentos se tornaram mais importantes e mais aceitável a permissividade na Igreja.

É por demais perigoso concentrar-se na obediência a Cristo e negligenciar o relacionamento com Ele. É igualmente perigoso concentrar-se no relacionamento e negligenciar a obediência. O demônio não se preocupa nem um pouco se o movimento do advento se dirige para o precipício que está do lado direito ou do lado esquerdo da estrada. Mas está disposto e determinado a manter-nos distantes do centro. Ellen White atrai-nos para esse centro ao insistir: “Não ganhamos a salvação por nossa obediência; pois a salvação é dom gratuito de Deus, e que obtemos pela fé. Mas a obediência é fruto da fé.” 2

Será sempre difícil ensinar a justificação pela fé, porque a sociedade influencia as pessoas contra ela. A justificação pela fé ensina que, ao aceitarmos a Cristo, Ele nos salva antes que tenhamos feito qualquer coisa para merecê-lo — a recompensa vem das obras. Os adventistas não são os únicos que acham difícil de compreender esta seqüência.

Toda a sociedade opera segundo a pressuposição totalmente correspondente de que o trabalho antecede a recompensa. Em casa, nossa mãe nos dá o pedaço de bolo após termos sido bons. Na escola, recebemos o diploma depois que terminamos o curso. No trabalho, somos pagos após termos feito a obra.

Assemelhe-se ou não a ela, nossa teologia parece vir de nossa sociologia. A maioria dos cristãos tem a tendência de voltar à crença de que o trabalho antecede a recompensa. Outros, reagindo contra a vida e a prática de “obras” ou refletindo sua educação permissiva, sempre desejarão presumir que a justificação pela fé ensina que a recompensa elimina a obra.

Lições sobre relacionamentos do grupo

Nossa eficiência como líderes depende menos do que dizemos, do que de como dizemos. Ensinar a mensagem certa com métodos errados, produz resultados errados. Os dois jovens proponentes da justificação pela fé em 1888, ilustram esta verdade.

E. J. Waggoner foi um médico que se tornou pregador. Ele era de baixa estatura, culto e refinado. Raramente, porém, foi considerado humilde. A. T. Jones era um ex-sargento do Exército. Era alto e de estrutura parecida com a de Lincoln, autodidata e muito teimoso. Ele tinha tendência para ser um pouco brusco e mesmo indelicado com as pessoas.

Alguns que se opuseram a suas mensagens mais tarde, admitiam que estavam sendo agredidos, especialmente por Jones. Quão diferente poderia ter sido a história de 1888, não tivessem os métodos e a personalidade de Jones e Waggoner interferido em suas exposições — ou se seus ouvintes tivessem sido mais bem-sucedidos em olhar para além dos mensageiros à sua mensagem.

A soma de verdades que um grupo descobre, depende menos dos argumentos apresentados do que do clima em que é apresentada. O clima de 1888 era de desunião e de debate. A reunião foi aberta com um argumento sobre se os Alemanni ou os Hunos eram representados pela décima ponta do livro de Daniel. A doutrina da justificação pela fé surgiu de estudos feitos no livro de Gálatas, mas havia forte discordância quanto à lei a que se referia Gálatas 3 ser a lei cerimonial, como a chamava a “velha-guarda”, ou a lei moral, como queria Waggoner. Além disso, Waggoner insistia em que Cristo era “a plenitude da Divindade”, enquanto muitos dos pioneiros criam que a vida de Cristo era, na realidade, uma ‘‘vida derivada”.

Como um nevoeiro, um espírito polêmico se abateu sobre a bela doutrina da justificação pela fé, obscurecendo-a a tal ponto que muitos simplesmente não puderam entendê-la. Um grupo deve aprender a gostar do outro, antes que possa aprender muito de algo vindo do outro.

Os obreiros jovens e os idosos necessitam uns dos outros. Na conferência de 1888, a oposição mais forte a Jones e Waggoner partiu de Uriah Smith, editor da Review, e de G. I. Butler, presidente da Associação Geral, que estava ausente, mas fez com que sua posição fosse conhecida pelo telégrafo. Não seria fácil para Smith e Butler, que contavam 56 e 53 anos de idade, respectivamente, receberem instrução de Jones e Waggoner, de 38 e 33 anos cada um. Permanece, porém, o fato de que os orgulhosos e obstinados homens mais jovens estavam basicamente certos.’

Ainda é difícil os obreiros mais idosos receberem instrução dos mais moços. Mas isto é importante. Os ministros jovens ocupam, em geral, funções pastorais. Os líderes mais idosos podem não ter estado tão ligados à igreja local e suas necessidades por muitos anos, e os mais judiciosos sabem que vale a pena dar atenção aos homens mais jovens.

A juventude necessita da sabedoria dos idosos; estes, porém, necessitam da vitalidade e do idealismo da juventude. O jovem pode apegar-se com excitação e entusiasmo a uma nova verdade. Se um homem mais idoso tiver que aceitar nova verdade, deve primeiro rejeitar o erro antigo que esteve ensinando durante anos — e é difícil fazer isto! Butler e Smith testificam disto.

O. A. Olsen, que foi eleito na conferência de 1888 para substituir Butler como presidente da Associação Geral, citou depois Ellen White como tendo dito que são os obreiros mais jovens quem deveria “planejar, idear e executar” enquanto olham para os obreiros mais idosos como “conselheiros e guias”.

Quanto mais alto atingimos e quanto mais avançamos em idade, tanto mais nos tornamos defensores do Status Quo. Naturalmente, nem todos os líderes são culpados. A tentação e a tendência, contudo, são muito reais. Aqueles que resistem com sucesso, devem ser admirados e respeitados de maneira especial.

G. I. Butler, como presidente da Associação Geral, e Uriah Smith, como editor da Review por aproximadamente 25 anos, defenderam insistente e instintivamente o status quo. Eram ambos homens honestos e astutos, dedicados à igreja. Ambos aceitaram depois a justificação pela fé. A princípio, contudo, tanto um como o outro estiveram tão ocupados na defesa da ortodoxia, que deixaram de entender a nova verdade.

Esta é a tentação para todos os líderes — quer em 1888, quer em 1988; estejam no escritório de uma associação/missão, ou na igreja local. O presente estado de coisas trouxe-nos à nossa posição e a certo grau de poder. A mudança os ameaça. Dessa maneira, conquanto tenhamos a tendência de negar estes argumentos, os que entre nós são líderes, acham às vezes mais difícil aceitar novas idéias. Há uma ocasião para defenderem-se. Nossa igreja, porém, toma uma posição firme em favor da verdade progressiva. Os líderes de agora, como os de 1888, prejudicarão a Igreja se dedicarem muito esforço defendendo o que podem e o que não deveriam ouvir.

Lições sobre a natureza da reforma

Raras vezes os reformadores estão inteiramente certos — ou errados. Os reformadores precisam lembrar-se de que poucas vezes estão completamente certos. É erro insistir em que os ensinos de Jones e Waggoner de 1888, sobre justificação pela fé, contenham todas as necessidades da Igreja de 1988 sobre o assunto. Ao passo que eles deram uma contribuição distinta, esta era apenas um começo, e não sem problemas. Ellen White concordou com seu realce global; não, porem, com toda a sua teologia ou toda interpretação escriturística. Eles se inclinavam a realçar a justificação como subjetiva e introduzida no indivíduo. Isto pavimentou o caminho para sua aceitação posterior do panteísmo.

Os líderes precisam lembrar-se, porém, de que raras vezes os reformadores estão completamente errados. Qualquer pessoa capaz de conquistar a atenção e o apoio de grupos de tamanho considerável, durante um determinado período de tempo, tenha ela a verdade ou não, dispõe de algo que as pessoas desejam. Os líderes que consideram errado o reformador, devem encontrar uma maneira certa de satisfazer a necessidade que o reformador está satisfazendo.

Os reformadores têm a tendência de afunilar a visão. Fundamental e toda-abrangente como é a justificação pela fé, os que a consideram como a última palavra deveriam estar alerta para a subseqüente apostasia de Waggoner e Jones. É possível concentrar-se até mesmo sobre a mais bela doutrina e realçá-la de maneira tão exclusiva que nosso cristianismo se torne desequilibrado. Essa espécie de realce singular levou Martinho Lutero a rejeitar o livro de Tiago.

Waggoner criou finalmente uma teologia permissiva que justificava seu relacionamento romântico com outra mulher que não sua esposa, a dissolução do seu casamento e sua união matrimonial com outra mulher. Tanto Jones como Waggoner se posicionaram ao lado de Kellogg no cisma de Battle Creek de 1903.

É grandemente perigoso ser reformador. A tendência natural é dedicar-se à única área que estais reformando, em prejuízo de tudo o mais. O realce descomedido, ainda que sobre o melhor, pode ser muito ruim. É como a corça cega de um olho que, em virtude de seu defeito físico, estava muito temerosa de que um inimigo a surpreendesse. Dirigiu-se então a um matagal, protegido por um rio e dois altos penhascos. Estava certa de que se mantivesse o olho bom voltado para a abertura entre os dois rochedos, estaria vigiando o único lugar de onde poderia vir o perigo. Um dia um caçador andou rio abaixo em sua canoa e atirou nela. Tão certa estivera ela de que sabia de onde vinha o perigo, e se havia concentrado de tal maneira naquela única área, que o inimigo se aproximou facilmente pelo seu lado cego.

A confiança em Ellen White. O decorrer do tempo e as incontáveis pesquisas têm provado que seu equilíbrio entre o argumento e a experiência, entre a defesa dos antigos marcos divisórios e o andar na direção de nova luz, foi o mais perfeito. Apenas ela parece ter tido uma compreensão plena do que estava acontecendo em 1888.

Onde conseguiu ela perspectiva tão excepcional? Não foi no aconselhamento com outros líderes, pois a princípio a maioria estava errada. Nem da leitura de algum livro, pois o livro não havia sido escrito. Deus estava na obra.

A lgreja não fracassou completamente. Estão certos os críticos da Igreja ao dizerem que ela não fez tudo o que devia, nem foi tudo o que deveria ter sido desde 1888. Mas que vergonha para eles ao sugerirem que ela conheceu apenas fracassos desde então!

A Igreja certamente cresceu em número. Havia apenas 84 delegados naquela sessão da Associação Geral. Hoje, as delegações são tão grandes que já não podemos reunir-nos em uma igreja pequena, mas procuramos os maiores ambientes para as sessões da Associação Geral. Em 1890 havia menos de 30.000 Adventistas do Sétimo Dia em todo o mundo. Hoje, há mais de cinco milhões. A Igreja está orando para que Deus nos leve ao batismo de dois milhões de almas preciosas entre 1985 e 1990 e convida aqueles que dizem que a Igreja está fracassando a tomarem parte nesse sucesso.

Ora, o número não é tudo, mas certamente ninguém deveria dizer que Deus não esteve abençoando Sua Igreja. E não deveríamos concordar em que a teologia e a pregação adventista são muito mais cristocêntricas hoje do que antes de 1888? A Igreja não foi bem-sucedida como devia em despertar de seu laodiceanismo, e isto não deve ser considerado de maneira leviana. A Igreja não foi totalmente bem-sucedida, mas não falhou completamente.

Lições sobre reforma pessoal

O de que a Igreja mais necessita não é de maiores provas ou planos, mas de mais poder. Com toda a sua organização e instituições, a Igreja é hoje tentada a confiar em seus próprios planos para tratar dos assuntos pertencentes a Deus. Necessita de planos, programas e uma ampla compreensão da verdade. O Espírito Santo não substitui os planos. Jamais devemos permitir, porém, que a confiança nos planos substitua nossa confiança no Espírito Santo. Depender mais de nossos próprios planos do que do poder do Espírito Santo para o cumprimento da missão do evangelho, viola o princípio básico sobre o qual se baseia a salvação pela fé. Deixa a Igreja absorvida nas obras.

Os líderes não devem apenas entender a justificação pela fé. Devem experimentá-la. Os que dizem que a Igreja rejeitou a justificação pela fé cem anos atrás, e que aquilo de que a Igreja agora necessita é aceitar que está só parcialmente certa. Alguns líderes da Igreja a aceitaram em 1888. E entre os que continuaram como líderes, quase todos a aceitaram nos anos seguintes. A maioria dos que não o fizeram, desapareceram gradualmente do quadro da liderança.

O movimento em favor da defesa começou com líderes como S. N. Haskell, G. B. Starr, A. T. Robinson, M. C. Wilcox, W. W. Prescott e W. C. White. Por fim, ele se ampliou para incluir os que a princípio eram muito veementes na oposição — J. H. Morrison, e Smith e Butler.

Jones, Waggoner e Ellen White foram convidados pela Igreja a viajar e ampliar a divulgação da mensagem, especialmente entre 1888 e 1891. A ambos os homens foi confiada considerável responsabilidade na Igreja. Jones, finalmente, tornou-se editor da Review, tendo a Uriah Smith como assistente. A. V. Olsen, eleito presidente da Associação Geral em 1888, serviu até 1897 e, com entusiasmo, formou comissões ministeriais que davam realce à justificação pela fé.

O problema que se seguiu à reunião de 1888, não foi tanto os que se recusaram a aceitar a justificação pela fé; mas os que a aceitaram sem experimentá-la, ou a experimentaram mas deixaram de prosseguir nessa experiência. Para os líderes de agora, a questão não é se aceitamos ou deixamos de aceitar a justificação pela fé, mas se a estamos experimentando. Ela deve tornar-se, para cada um de nós, não uma teoria para ser estudada, mas uma intimidade com Cristo a fim de experimentar.

Os ministros devem liderar o caminho para o reavivamento. Como acontece com você, meu caro ministro? Está você puxando a fila na comemoração de 1888, em 1988, está você experimentando aquilo que está ensinando? Está praticando o que está ensinando? Está mais próximo de Cristo?

Nosso relacionamento com Ele cresce da mesma forma que o relacionamento com qualquer outra pessoa — por meio do tempo passado juntos. Devemos deixar de pensar que não temos tempo. Claro que somos ocupados. Jamais um ministro fica sem fazer nada. Lembremo-nos, porém, de que quase sempre achamos tempo para as coisas mais importantes para nós, e quase nunca para as coisas menos importantes. Nossa principal prioridade deve ser um mais estreito relacionamento de amor com Cristo; e amar exige tempo.

Questionário

Medite nas lições ressaltadas neste artigo. Como está você se relacionando com aquelas que se aplicam mais diretamente a seu caso?

Bibliografia

1. Review and Herald, 4 de novembro de 1890.

2. Caminho Para Cristo, pág. 61.

FLOYD BRESEE — Secretário da Associação Ministerial da Associação Geral