Em 16 de outubro de 1987, João Paulo II iniciou seu décimo ano como papa. Desde sua eleição ao papado, cerca de dez anos atrás, ele tem seguido um programa exaustivo. Embora tenha imposto a si mesmo um ritmo que pode achar difícil manter, até agora não há o mais leve indício de que diminuirá, mesmo para um homem nos seus avançados sessenta anos de idade.

Ele é, ao mesmo tempo, uma das personalidades mais magnéticas no palco internacional. Um homem carismático, com um raro dom para se expressar por palavras e dramatizar, atingindo as pessoas de todos os credos.

A energia e a aura fora do comum de João Paulo II, complementam seu vigoroso e firme estilo de liderança. Na verdade, ele revela poucas das dúvidas que alguns associam com seu predecessor, o Papa Paulo VI. João Paulo II diz sem ambiguidade que sabe o que a Igreja Católica Romana é e o que tem para oferecer ao mundo. As certezas que ele proclama não se limitam às certezas da fé. São também certezas a respeito dos valores humanos e da pessoa humana, oriundas de uma compreensão especial do Evangelho de Jesus Cristo e da missão da Igreja Católica Romana.

Ele causa um forte apelo pessoal e um raro impacto sobre o pensamento cristão, muitas vezes além dos limites da confissão católica romana.

Contudo, ele sabe que seu impacto diminuiría grandemente se dirigisse uma Igreja Católica Romana dividida e pluralística. Daí, sua disciplina submissa e obediência. Desde o início de seu pontificado, João Paulo tem ocasionado uma inconfundível firmeza de disciplina, juntamente com um fortalecimento da identidade Católica Romana.

O que é a identidade católica

Pode-se pensar na identidade católica em termos doutrinários. Na verdade, há uma compreensão vaga em alguns círculos daquilo que a Igreja Católica Romana realmente ensina. Restaurar a identidade católica, portanto, significa identificar a doutrina católica e o que significa ser um católico romano praticante. O problema é que poucos têm tido muitas dúvidas quanto a qual é a doutrina católica romana oficial. A questão não tem sido saber o que é ser católico romano, mas aceitá-lo.

A identidade católica pode também ter outro significado, um significado que se aplica à pergunta: Qual é a maneira católica de tratar a tensão que existe entre os católicos romanos em geral e, em algumas partes do mundo, entre Roma e uma área geográfica especial da família católica?

João Paulo II responde a esta pergunta ao exigir obediência aos bispos, da parte dos sacerdotes, teólogos e pessoas leigas. Com seu modelo populista típico, salienta os perigos que poderiam surgir de tais recusas, apelando por apoio ‘‘da maioria católica silenciosa”.

Em resposta, as pessoas leigas católicas fiéis, os sacerdotes e os teólogos têm falado constantemente ao Papa de seu amor à igreja, de seu desejo de servir, de sua lealdade a Roma, de suas lutas e suas frustrações. Citam os problemas que os católicos americanos enfrentam com certos ensinamentos, como a contracepção, o divórcio e o celibato sacerdotal, que têm levado a dissidências em massa. O Papa ouve, mas não muda de ideia.

Em encontros com aqueles que dele discordam, João Paulo II não parece procurar a verdade contida em um ponto de vista oposto. Ele parece ser estimulado pela oposição, e considera-a como uma validação de seu próprio apelo. O Papa se dirige às pessoas como uma pessoa ou como pensador. Quando seus interlocutores sugerem “pluralismo”, ele responde a “verdade”. A seu modo de ver, pluralismo é outro nome para indiferentismo, e em contradição com a identidade católica que ele defende.

De acordo com essa perspectiva, pode-se entender por que a discrepância do Magistério é “um grave erro”. Numa reunião privativa em 16 de setembro de 1987, com os bispos dos Estados Unidos, João Paulo lhes disse: “Alega-se às vezes que a discordância do Magistério é totalmente compatível com o ser
um ‘bom católico’ e não apresenta nenhum obstáculo à recepção dos sacramentos. Isto é um grave erro que desafia o papel do ensino dos Estados Unidos e de outros lugares.” Durante o seu “diálogo” de quatro longas horas, ocorrido em um seminário de Los Angeles, o Papa levou os bispos a eliminarem a discordância. “A discordância da doutrina da Igreja continua sendo aquilo que ela é: discordância; como tal, não pode ser proposta ou recebida em pé de igualdade com o ensinamento autêntico da Igreja.”

Declarações desse tipo — e há muitas outras — tornam claro que o Papa tem uma compreensão inequívoca da responsabilidade colocada sobre o papado e de sua maneira pessoal de com ele tratar: resoluta, total e audaciosa. Obviamente, ele está dando um novo prazo de vida à concepção monárquica do papado, estabelecida pelo Primeiro Concílio Vaticano. Mas, perguntará alguém, não ouviu
ele do colegiado a doutrina promovida pelo Concílio Vaticano II, que diz ser a Igreja Católica Romana dirigida pelo Papa e os bispos, que atuam juntos como uma equipe?

Ansiedades no catolicismo

O primeiro e o Segundo Concílios Vaticano deixaram na mente do catolicismo romano uma ansiedade não satisfeita. O primeiro realçou com mais intensidade do que já se fizera anteriormente, o significado do primado e da infalibilidade na vida da Igreja Católica Romana. O Segundo Concilio Vaticano, desenvolveu a teologia do episcopado e do colegiado. Na teoria, as duas orientações não são necessariamente contraditórias. Mas ainda não está claro como se harmonizam.

Os bispos católicos romanos em todo o mundo gostariam de ver uma deliberada e gradual evolução da teologia do papado em favor de uma maneira conciliar, em lugar de um modo monárquico. Infelizmente, porém, muito da compreensão do papado, em anos recentes, parece contrariar tal desenvolvimento. Enquanto ele está entusiasticamente empenhado em reafirmar a concepção monárquica da autoridade do pontífice de Roma, longe está de esclarecer que os bispos se sentem confiantes em que a sua autoridade foi mantida. Ao contrário, as determinações que ele tem tomado em alguns países como a Áustria e os Países Baixos, indicam a outra maneira.

João Paulo II se me afigura um enviado para a reforma do Vaticano II, incluindo as missas celebradas em línguas vernáculas e a necessidade de progresso ecumênico. Mas ele não parece disposto a ir uma polegada além disso. É bem conhecido que ele quer as freiras com o hábito distintivo e os sacerdotes com batinas. Isto o coloca em direto confronto com grande número de sacerdotes e freiras, a maioria na Europa Ocidental e Estados Unidos, que são contra o celibato dos sacerdotes, querem que a Igreja Católica Romana aceite o sacerdócio de mulheres e insistem na maior liberdade possível de opinião para os teólogos. E há milhões de classes sociais e indivíduos católicos que continuam a expressar sua angústia quanto à linha-dura adotada pelo Papa com relação ao divórcio e controle da natalidade. Todavia, ele está determinado a fazer as reformas do Vaticano II; mas se recusa a ceder nas questões mais recentes. Parece temer que ao abrir os braços para o mundo, a Igreja Católica Romana vá mais longe e permita que o mundo nela entre. Seu papado é de restauração.

Um papa paradoxal

Aqueles que podem estar inclinados a descrevê-lo como um papa paradoxal, se não um líder incoerente, acham inexplicável que, enquanto na Polônia, ele foi um tenaz adversário de um Estado despótico. Em Roma ele é um infatigável aplicador da ortodoxia. Os defensores de João Paulo respondem que o Bispo de Roma está apenas cumprindo o seu dever. Ele desperta tanta apreensão, explicam, porque torna vivida uma verdade intempestiva e desagradável — que qualquer comunidade, seja ela religiosa ou secular, deve ter um centro fixo de convicções e, caso essa comunidade esteja determinada a permanecer e cumprir sua missão, deve encarregar alguma autoridade com a incumbência de alimentar, defender e proclamar essas convicções.

As décadas imediatamente seguintes à II Guerra Mundial, caracterizaram-se por implacável materialismo, consumismo e a busca de prazer por muito tempo adiado. Existe hoje um claro sentimento de que a humanidade é feita para algo melhor, algo mais significativo, e necessita de estabilidade nas crenças fundamentais. A confiança e firmeza moral será grandemente necessária e cada vez menos encontrada. Enquanto milhões elevam a voz e clamam por “liderança”, João Paulo II se torna mais fascinante. Ele está mostrando a Igreja Católica Romana ao mundo como o não fizera antes nenhum papa. Ele tem colocado perante o mundo, sem concessões, uma absoluta exigência moral e espiritual, baseada em uma fé absoluta, e as pessoas estão correspondendo. Milhões dão ouvidos, as pessoas jovens atentam. Não há hoje nenhum outro ensinador de moral que se lhe iguale. Eles podem não seguir o que ele apresenta; reconhecem, porém, que ele lhes apresenta isto porque acredita no valor individual de cada um deles. Ao contrário da permissividade dos pregadores de hoje, para os quais pouco importam os padrões, este Papa está chamando os católicos romanos ao arrependimento e a uma vida cristã heróica.

Não admira que dessa posição vantajosa, com sua atenção voltada para o que ele descreve como uma batalha cósmica entre o bem e o mal, ache necessário dispensar, como de somenos importância, algumas das reformas defendidas por seus fiéis. Nos termos mais descomprometidos, continua ele a pregar uma mensagem que salienta a necessidade de algo que o mundo secular, comunista ou capitalista, não pode dar. Para surpresa de alguns, ouvimos o Papa falar em termos de os verdadeiros seguidores de Jesus Cristo terem que pagar o preço da rejeição e do ridículo. Ele explica que igreja fiel é aquela que sofre, embora o preço do discipulado seja às vezes impopular. A frase “plenamente católico” vem à tona como um lema grandemente associado com o conceito de uma igreja cujo propósito não é estabelecer marcas na conquista de membros, mas transmitir os ensinos de Cristo.

Onde aprendeu ele tal habilidade? Provavelmente na Polônia, onde o conceito foi provado no cadinho do sofrimento e da luta contra uma ideologia ateísta. Daí, acompanhou-o ela em suas muitas jornadas. Aonde quer que vá, leva ele a mesma mensagem. Ele fala e age como um sacerdote de paróquia cujo distrito é o mundo, e como um evangelista semelhante a Billy Graham. Contudo, ao contrário de Billy Graham, a mensagem que ele prega se baseia não só na Bíblia, mas na tradição católica romana. Neste Papa, vemos o ensino católico romano em ação e, infalivelmente, em operação.

O apelo de João Paulo II aos cristãos que se fundamentam na Bíblia, de fora do catolicismo romano, não pode ser contestado. A despeito de sua mariologia, de suas inarredáveis convicções sobre o celibato sacerdotal, o papel da mulher, certas doutrinas fundamentais da fé cristã e seu claro compromisso com a família e as éticas sexuais bíblicas, tem despertado as simpatias de inúmeros protestantes, evangélicos e adventistas do sétimo dia.

Católico tradicional

Todavia, embora tudo seja dito e feito, João Paulo II continua um católico romano tradicional. Ele continua defendendo tudo aquilo que, através dos séculos, tem separado um cristianismo firmado biblicamente, de um catolicismo romano baseado nas Escrituras e nas tradições humanas

Quando ele afirma que Maria é a fonte de nossa fé e de nossa esperança, os cristãos fundamentados na Bíblia respondem que sua fé e esperança estão em Jesus Cristo, apenas. Quando ele proclama que somos salvos pela fé e as obras de amor, eles respondem que não somos justificados por nossas boas obras. Quando o Papa ensina que é para o Magistério da Igreja Católica Romana que devemos olhar em busca de respostas para as questões sobre a vida e a doutrina, os evangélicos respondem: “Examinai as Escrituras, pois elas são proveitosas para ensinar, para redarguir, para corrigir e para o aperfeiçoamento na justiça”. Quando ele exorta as pessoas a repousarem e adorarem a Deus no domingo, em honra à ressurreição do Senhor, os adventistas do sétimo dia respondem: “Lembra-te do dia do sábado para o santificar e assim honrar o teu Senhor”. Quando ele nos diz que a infalibilidade do Papa interpreta tanto a Bíblia como a tradição apostólica, e que elas ensinam que a Virgem Maria foi corporalmente trasladada para o Céu, nós nos admiramos e respondemos que não conseguimos encontrar nenhuma evidência de tal ensinamento quer nas Escrituras, quer na tradição genuína dos apóstolos.

Em assuntos que afetam o destino das pessoas e seu relacionamento com Deus, Roma ainda é Roma. É difícil dizer o que nos reserva o futuro sob a direção de João Paulo II; parece, contudo, grandemente improvável que os anos restantes de seu pontificado difiram acentuadamente dos primeiros dez. Provavelmente o Papa continue mantendo a popularidade, enquanto continua a desafiar as sociedades tanto do lado da cortina de ferro como de sua igreja, que ele está conscientemente procurando preparar para o terceiro milênio.

Enquanto isso, esperemos para ver se ele será capaz de levar maior homogeneidade aos 750 milhões de católicos romanos e se achará possível refrear as mudanças que estão transformando segmentos da Igreja Católica Romana em um híbrido de Roma com a Reforma Protestante.

DR. RAOUL DEDEREN – Decano associado do Seminario Teológico da Universidade Andrews