Todo pastor deveria se aprofundar no conhecimento da ciência dos relacionamentos, uma vez que a proposta adventista é mais do que um amontoado de regras destituídas de sentido. Temos mais a oferecer do que um rol de doutrinas prescritivas e sem sentido existencial. Somos responsáveis por ensinar o que temos, não como um fim em si mesmo, mas para que as pessoas possam se relacionar melhor.
Os indivíduos que aprendem o evangelho pela via relacionai tornam-se membros vibrantes, ativos líderes de igreja, destituídos daquela formalidade fria que afasta os interessados, mas com um calor humano que atrai os sedentos e necessitados deste século tenebroso em assuntos espirituais. O resultado do estudo dessa ciência é visto nos membros inteligentes espirituais, ou seja, inteligentes nos relacionamentos com Deus, consigo mesmos e com os semelhantes (Mar. 12:28-31). Pessoas capazes de iniciar relacionamentos, desenvolvê-los e mantê-los construtivamente, empregando-os como ilustração do relacionamento de amor que Deus oferece em seus ambientes de família, trabalho e escola.
O pastor adventista, vocacionado por Deus, deve ser um modelo de bom relacionamento. Precisamos assumir nossa identidade, neste tempo do fim, como especialistas nessa área.
Cada duas pessoas estão ligadas por um fio invisível idêntico em sua natureza, mas inigualável em sua forma. É como se ele fosse de ouro em todas as relações humanas, mas pudesse ser ligado de diversas formas. Assim como cada pessoa é diferente da outra, cada laço liga duas pessoas de forma única e diferente de qualquer outro, apesar de serem do mesmo ‘‘material”. Não existe nenhuma pessoa que consiga reproduzir a mesma forma de relacionamento, com exatidão, com pessoas diferentes.
O alvo final da ciência dos relacionamentos é esclarecer que a natureza dos laços que nos unem uns aos outros como seres humanos é a mesma dos laços que nos unem a Deus. Não existe nada místico, etéreo ou incompreensível no relacionamento. Deus é um Ser diferente, infinitamente superior em perfeição e em capacidade de relacionar-Se. Mas o tipo de amizade que nos une uns aos outros é o mesmo que nos une a Ele; ou, como dizia o Pastor Walter Boger, “a mesma coisa que nos separa dos amigos nos separa de Deus”.
Há relacionamentos onde uma pessoa se envolve muito e a outra, pouco. Alguns relacionamentos são intensos; outros são pacatos. Há relacionamentos mais significativos e construtivos; outros são vividos sem receberem o devido valor. Uns são perversos e maldosos, e outros ainda trazem consigo o colorido contraditório das tendências e vontades humanas. Cada pessoa investe seu jeito de ser e uma linda química ocorre a cada novo laço formado. Essa química transforma cada relacionamento em algo infinito, assim como Deus é infinito.
Há um universo a ser descoberto – uma inteligência a ser desenvolvida na área do relacionamento. Somente aí nos mostramos como a real imagem expressa do Criador, pois foi para isso que Ele nos criou: “Não é bom que o homem esteja só” (Gên. 2:18), Ele disse. Ao desenvolvermos nossa inteligência espiritual ao longo das fases da vida, vamos percebendo nossa inserção no mundo dos relacionamentos. Vamos percebendo como as relações se estabelecem, que perigos elas sofrem, vamos identificando onde elas estão, aprendendo a administrar uma variedade imensa de relacionamentos bem como vamos aprendendo a diferenciar um do outro. Nascemos para relacionamentos, mas não nascemos experts nesse assunto.
Geralmente as pessoas fazem planos para construir uma casa. Estudam minuciosamente os passos para o seu progresso financeiro. Mas quando tratam de seus relacionamentos, deixam por conta do acaso. Tratam deles com indiferença, achando que tudo vai dar certo automaticamente, e sem o devido preparo. Aquilo que lhes trará maior grau de satisfação e felicidade na vida é deixado para ser decidido “na hora”, no calor das imprevisíveis e instáveis paixões humanas. Acham que a premeditação e o preparo para viver relacionamentos são antônimos de sinceridade e espontaneidade, tão necessárias nesse aspecto da vida. Para eles, o inusitado é o selo de garantia de genuinidade.
A ciência dos relacionamentos estuda os fios impalpáveis que ligam os seres humanos. Algumas evidências podem ser observadas em uma pessoa versada nessa ciência, ou inteligente espiritual. Os conceitos apresentados a seguir são tópicos que servem de autodiagnóstico para os que desejam ser desafiados a se relacionar melhor em todos os níveis.
Uma pessoa inteligente espiritual é aquela que sabe identificar o laço que a liga com as pessoas ao seu redor, e os laços que ligam outras pessoas entre si e todas elas com Deus. Não nega o elo que a coloca em ligação consigo mesma, às outras pessoas e a Deus. Identificar as relações é necessário para vivê-las. Alguém só pode se dar bem com os pais se reconhecê-los como tais. A mãe que joga seu filho no lixo, numa via pública, não identificou o óbvio laço da maternidade. Só haverá entendimento entre amigos e parentes se reconhecerem que há um laço que os une, e que cada laço traz direitos proporcionais a si mesmo.
Uma pessoa inteligente espiritual sabe distinguir o relacionamento que a liga a uma pessoa do que a liga com outra. Percebe que há diferenças entre os variados relacionamentos, sabe quais são as diferenças e sabe como lidar com elas. Está consciente de que a natureza dos relacionamentos, o material de que são feitos é o mesmo; mas a forma como se expressam é diferente. Quem tem dificuldades para distinguir entre as diferentes formas de relacionamentos, pode facilmente cair em relacionamentos confusos e/ou destrutivos. Indivíduos assim vivem realidades com uma pessoa, que só poderiam ser vividas com uma outra, considerando o tipo de relacionamento construído.
Uma pessoa inteligente espiritual valoriza os relacionamentos com Deus, consigo mesmo e com outras pessoas, independentemente da espécie que sejam. Nunca despreza Deus ou pessoas, procurando encontrar caminhos para um bom relacionamento. Valorizar relacionamentos, para inteligentes espirituais, é sair do mundo descartável. Seu lema é “nunca desistir de relacionamentos”. Persistir até que um laço destrutivo alcance status de construtivo. Nenhuma fortuna, nenhuma posição, nenhuma reputação, nem fama, nem honra, é mais importante do que um relacionamento, quer seja com Deus ou com o semelhante.
Uma pessoa inteligente espiritual procura e consegue desenvolver relacionamentos numa via construtiva, moral e positiva, naquilo que dela depender. Conhece as diferentes vias que o mesmo relacionamento pode percorrer e escolhe vivê-lo pela via mais correta e construtiva. Descobre que cada pessoa tem uma porta de acesso. Para o inteligente espiritual, não há pessoas difíceis; mas pessoas Cuja entrada do coração ainda não foi encontrada. A maior parte das pessoas tem a porta da frente aberta, por onde é fácil entrar. Mas outras, por causa de feridas sofridas no passado, permitem acesso apenas aos que se aventuram a entrar pela chaminé ou pelo porão. Todos têm uma porta de entrada.
Quando um inteligente espiritual sofre dano em seus relacionamentos, não se porta como vítima passiva. Procura ativamente saídas para a continuidade do relacionamento. Não tem medo dos novos caminhos pelos quais esse relacionamento terá que andar dali por diante. Os tímidos diriam que “nunca mais será a mesma coisa”, demonstrando medo de reconstruir o mesmo relacionamento em outra forma. Os inteligentes procurarão criativamente agir para reformar o laço.
Um escriba perguntou, certo dia, qual seria o maior de todos os mandamentos. A resposta de Jesus foi relacionai, não legalista: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes” (Mar. 12:30 e 31). Quando o escriba entendeu o que Ele estava querendo dizer, Cristo lhe disse: “Não estás longe do reino de Deus” (v. 34).
O principal laço é aquele que nos liga a Deus. Esse relacionamento é o conduto pelo qual cada indivíduo recebe capacidade para relacionar-se consigo mesmo e com os outros. Nossa capacidade de amar como Deus ama, de se relacionar como Deus o faz, procede do próprio Deus (I João 4:18). Em outras palavras, não podemos nos relacionar como Deus espera de nós, sem nos relacionarmos primeiramente com Ele, e dEle aprendermos (Mat. 11:28-30).
O relacionamento com Deus produz sentido para a vida do indivíduo e eleva-lhe o senso de valor próprio. Agora o indivíduo se torna apto para conviver pacificamente consigo mesmo e consequentemente com o próximo. A única autoestima verdadeira é aquela que resulta de uma vida perdoada, sem culpa e valorizada por aquilo que Deus fez. A inteligência espiritual começa com um relacionamento sincero e verdadeiro com Deus (I João 4:19), mas só pode ser completamente expressada quando traduzida em amor ao próximo (I João 4:20). O amor a Deus e a mim mesmo só é validado, e só existe de verdade, quando praticado ativamente em favor de alguém.
Amar é relacionar-se. É relacionar-se bem. Quando a Bíblia fala de amor, ela está insistindo no assunto do relacionamento: “Não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (I João 3:18).
Há pessoas com uma capacidade imensa de amar. É verdade que alguns a receberam de casa, por meio da educação. É possível, no entanto, pessoas que tiveram a desdita de não receberem essa capacidade de seus pais, com um pouco mais de esforço, avançar na capacidade de amar, ou na inteligência dos relacionamentos. Como funciona isso?
Os relacionamentos sempre são iniciados por alguém. Uma pessoa é despertada por outra que toma a iniciativa, e vai estudar a confiabilidade desta. Nascem a confiança e o respeito; e esses dois elementos promovem a entrega, que é o início do relacionamento. Quando se “baixam as defesas”, começa a fluir a substância que estava represada, esperando o momento de passar pelo conduto do relacionamento. Assim tem início o relacionamento com Deus e com os semelhantes.
Mas pode não ficar aí. O relacionamento precisa ir um pouco além do momento da conquista. São necessários investimento e comprometimento crescentes. Os relacionamentos precisam ser vividos numa via adequada, para que não se desvirtuem nem se estraguem ao longo do tempo. Têm de estar em harmonia com os diversos níveis do grande tecido social, para que tragam consigo a felicidade tão esperada por todos.
Há laços que unem pares de pessoas entre si, cada ser humano com Deus, e cada pessoa consigo mesma. É como se fossem um fio nos ligando nas três esferas, numa teia de relacionamentos. Esses laços devem ser o centro de nossas atenções, planejamento e estudo, pois é daí que sorveremos maior felicidade e significado para a nossa vida e para a vida dos que nos cercam.
Essa teia existe. Os laços que nos unem existem, quer admitamos ou não. Estou ligado a todas as pessoas no mundo. O que me liga à minha esposa e a um monge tibetano é da mesma natureza. A diferença é que, com minha esposa, percorri mais etapas do desenvolvimento relacionai; pude crescer em investimento e comprometimento. O relacionamento se desenvolveu, fato que não ocorre com todas as pessoas.
“Nenhum de nós vive para si” (Rom. 14:7). Esta é uma lei de Deus no Céu e na Terra. Deus é o grande centro. Dele procede toda a vida. A Ele pertencem todo o serviço, homenagem e submissão. Para todos os seres criados há um grande princípio de vida, dependência e cooperação com Deus. O relacionamento que existe na pura família de Deus no Céu deveria existir na família de Deus na Terra. Abaixo de Deus, Adão deveria ser a cabeça da família terrestre para manter os princípios da família divina. Isso teria trazido paz e felicidade. Satanás estava determinado a se opor à lei de que ninguém ‘vive para si’. Ele desejou viver para si; procurou fazer de si mesmo um centro de influência. Foi isso que incitou a rebelião no Céu, e foi a aceitação deste princípio pelo homem que trouxe pecado para a Terra. Quando Adão pecou, o ser humano se distanciou do centro celestial ordenado. Um demônio se tornou o poder central no mundo. Onde o trono de Deus deveria ter estado, Satanás colocou o seu trono. O mundo pôs sua homenagem como uma oferta voluntária, aos pés do inimigo.” – Testimonies, vol. 6, pág. 236.
Há necessidade de avançarmos no conhecimento dos relacionamentos, uma ciência que, para o pastor é a maior de todas as ciências.
Há pelo menos três vias pelas quais os relacionamentos podem ser vividos:
Pessoas sem laços significativos costumam ser vazias, angustiadas, solitárias e desesperadas. O motivo de viver vai embora. Vivem de si para si, não se expandem mais do que o estritamente obrigatório para a sobrevivência.
Laços vividos na via destrutiva trazem traumas e confusão. As pessoas envolvidas nesse tipo de relacionamento parecem não conseguir vivê-los de forma diferente. Estranham e criticam quem vive relacionamentos felizes. Não acreditam que pode haver algo melhor do que a sua própria miséria. São pessoas necessitadas do amor de Deus, para descobrirem dEle as vias construtivas. Não é necessário contentar-se com relacionamentos destrutivos. Pode haver ação educativa ou auto-educativa para relacionamentos construtivos.
Laços construtivos e satisfatórios são produtos de esforços inteligentes, planejados e em conjunto com Deus, numa direção moralmente correta. Conseguimos nos orientar pelos conselhos bíblicos. I Cor. 13 e Gál. 5:16-26 são bons exemplos.
Na escola dos relacionamentos, não existe formatura. Pode-se progredir nela ao longo das fases da vida. A pessoa que assim avança nesta ciência da vida tem maior capacidade para identificar, iniciar e desenvolver muitos relacionamentos simultaneamente, de forma positiva, sem que isso lhe custe grande esforço. Consegue identificar e respeitar o laço que une as outras pessoas entre si, assim como Salomão descobriu onde estava o laço que ligava mãe e filho (II Reis 3:16-28). Vive em paz com Deus, consigo mesma e com os semelhantes, sem rebelião nem inimizades (Efé. 2:14), em relacionamentos de grande valor e significado.
Por se tratar da última Igreja, escolhida por Deus para anunciar a última mensagem de advertência ao mundo, a Igreja Adventista do Sétimo Dia é objeto de forte ataque de Satanás. Ele pretende que, com a mensagem maravilhosa e urgente que possui, a Igreja se atrapalhe no cumprimento de sua missão, por se tornar fria, formal e muitas vezes indiferente às necessidades das pessoas ao seu redor.
Deus vai requerer não a manutenção, como finalidade em si, de um sistema de verdades impoluto e perfeito, mas a prática de calor humano, compaixão, paciência e amor para com os nossos semelhantes, da maneira como Cristo exemplificou.
O Senhor espera que cada pastor seja um especialista em relacionamentos, por preceito e exemplo, quer na família, entre os membros da igreja e as pessoas de fora. Talvez o maior desafio do ministério seja relacionar-se bem com as centenas de pessoas com as quais entra em contato todos os dias. Principalmente numa época na qual a maioria dos indivíduos está desestruturada.
Compensa, no entanto, enfrentar o desafio e vencê-lo. Haverá recompensa nesta vida, ao verificarmos pessoas sendo transformadas ao contato conosco. Sobretudo, na eternidade, soarão melodiosas as palavras do Mestre: “Muito bem servo bom e fiel… entra no gozo do teu Senhor” (Mat. 25:21).
BERNDT DIETRICH WOLTER, Mestre em teologia, professor no Instituto Adventista de Ensino, Engenheiro Coelho, SP