Muito se tem discutido a respeito das teorias criacionista e evolucionista. Podemos dizer que a argumentação de ambos os lados começa e conclui no âmbito do desconhecido, daquilo que não se pode provar cientificamente. Assim, resta-nos argumentar em torno do aspecto moral das duas teorias. Que espécie de ética têm elas a oferecer? Qual delas tornaria o mundo melhor e elevaria a qualidade de vida do ser humano? Que implicações morais possuem, afinal, as teorias criacionista e evolucionista?

As respostas a essas perguntas dependem de como o homem é visto tanto pelo criacionismo como pelo evolucionismo; o que traz à baila outras perguntas, tais como: “De onde veio o homem?”, ou “para onde vai o ser humano?”

Na teoria evolucionista entende-se que o homem veio de formas inferiores de vida; ele teve sua origem nas espécies primitivas que tendo experimentado várias mutações, em milhões de anos, geraram as espécies desenvolvidas existentes na atualidade.1 Porém, segundo a teoria da criação, o homem tem origem superior; foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gên. 1:27), como a coroa da criação.

Uma vez que as visões antropológicas nas teorias criacionista e evolucionista diferem radicalmente quanto à origem do homem, alguns valores morais do cristianismo estão sendo questionados e até abandonados, embora sejam valores que deveriam nortear a vida e o relacionamento humanos. Justamente porque eles garantem um viver de qualidade e perspectivas elevadas, nos ocuparemos de sua análise, neste artigo.

Homens e animais

Se compararmos as estatísticas atuais com dados colhidos dez anos atrás, veremos um declínio da moralidade, cujo índice pode ser considerado inversamente proporcional ao do crescimento da cultura científica. Quanto maior o progresso da ciência, maior o declínio moral.

Da narrativa bíblica da criação especial da vida por Deus, extraímos vários princípios morais dignos de reflexão. Um dos primeiros postulados que interessam à moral, no relato criacionista, é a distinção clara que a Bíblia faz a criação do homem e a dos animais irracionais. Embora as Escrituras afirmem que tanto o homem como os animais sejam seres viventes, o homem foi feito de forma individual, enquanto os animais foram criados coletivamente e sem características pessoais.“A vida dada por Deus aos animais os fez seres conscientes, em troca, … ao homem o fez um ser autoconsciente, o animal chegou a tornar-se um ser com determinação, em troca, o homem um ser com autodeterminação. O animal não tem juízo, nem raciocínio nem idioma para comunicar-se. Não tem ideia nem do espaço nem do tempo, nem conhece a diferença entre o bem e o mal… O homem, em troca, possui todas essas qualidades juntamente com a capacidade moral que pode exercer em plena liberdade.”3

Diante dessa diferença, ressalta-se o contraste com a ideia evolucionista de que o homem origina-se dos animais. Caso fosse realmente assim, que compromisso teria o homem para desenvolver todas as habilidades superiores que lhe são inatas? Certamente, não mais do que os irracionais têm de seguir o próprio instinto. Segundo os evolucionistas, os animais usam a capacidade para dominar, sobreviver e garantir a perpetuação da espécie. Caso aconteça o mesmo com o ser humano, abre-se então uma brecha para o pensamento da concorrência desleal, a despreocupação com o sofrimento alheio, além da justificativa para o domínio de alguns em detrimento de outros. Um conceito perigoso da evolução pela seleção natural.

Em contrapartida, se o paradigma da criação do ser humano distinto e superior aos animais for mantido, o homem tem o dever moral de usar todas as suas faculdades, não para domínio dos semelhantes, mas para o prolongamento da harmonia do planeta em que foi colocado.

Consciência ecológica

Um escritor evolucionista afirmou que a ideia do homem como ser superior é que o faz explorar e destruir a Terra, enquanto que a ideia da evolução contribui para que ele se sinta um com a natureza e os animais.4 Nota-se clara e imediatamente a falta de compreensão da visão bíblica do domínio concedido ao homem. Quando o texto de Gênesis 2:15 afirma que o homem foi colocado no Éden para o guardar, expressa justamente o contrário da ideia de domínio predador.

“O verbo guardar (do hebraico sha-mar) significa vigiar, reter firmemente, perseverar. Toda vez que o homem se desinteressa de sua morada se autodestrói… Se a perfeição está estreitamente vinculada com a missão do homem, muito mais o estará em relação com sua conduta.”5

Ao lado dessa correta interpretação do papel humano frente ao ambiente em que foi colocado, destaca-se a manutenção da vida em todos os seus níveis, uma forte ênfase ecológica, tão buscada pela ciência pós-moderna na consciência de cada indivíduo. Essa ideia complementa-se no aspecto do trato com o semelhante.

O homem e o próximo

O peso da afirmação de que o homem foi originado por um ato divino, e que todos os seres descendem de um tronco comum, é de profunda importância para a vida em comunidade. A consciência do valor do próximo, do espírito de fraternidade, não pode ser incutida no homem através da teoria evolucionista que prega a sobrevivência do mais apto e a luta de classes.

Esse entendimento também é fundamental para dirimir o pensamento de que o criacionismo apoia o capitalismo selvagem, por sustentar o domínio do homem sobre a Terra. Pelo contrário, o princípio da irmandade por criação determina que ninguém explore ninguém. Mas que o homem promova o bem-estar de seus irmãos.

Trabalho

A ideia de trabalho útil igualmente está sugerida na criação do homem (Gên. 2:15), uma vez que Deus o pôs no jardim para o guardar e lavrar. Enquanto conceitos evolucionistas sociais insistem que o trabalho teve papel na humanização do macaco, a Bíblia coloca o trabalho como parte da personalidade humana, no momento de sua criação. Essa consciência de utilidade produtiva é importante para uma época em que a ociosidade está em alta.

Na criação, o homem é um ser operoso não por mera necessidade de sobrevivência, mas porque o trabalho deveria ser encarado como um deleite, um privilégio como o seria comer, beber, etc.

Casamento e família

Não se pode falar acerca de valores morais sem tocar nos assuntos de família e sexo. Qualquer valor moral de uma sociedade vai depender de como ele é considerado no lar, que é a célula da comunidade.

Na criação, o homem recebe uma mulher, a qual não lhe é inferior, nem superior. “A palavra zer, que se traduz na Bíblia como auxiliadora, nunca é usada para designar uma auxiliar subordinada… destaca mais uma capacidade de auxiliador.”6 O padrão para a relação do homem com a mulher é encontrado na relação Deus-homem, onde o próprio Deus é considerado auxiliador do homem (Sal. 146:5-10).

Com essa ideia, muita confusão desapareceria da sociedade. Não haveria necessidade de lutas, explorações e preconceitos entre pessoas de sexo diferente. Também seria banida a poligamia, resgatando assim o valor feminino nas sociedades machistas. Muitos males morais de nossa sociedade começam em um lar no qual não é entendida essa harmonia designada pelo Criador. Entre esses males, poderíamos enumerar as famílias desfeitas, os filhos abandonados, a delinqüência juvenil, o alcoolismo.

Para o evolucionismo, o sexo não é algo que foi criado por Deus e degenerado pelo pecado. O sexo é, antes de tudo, um instinto que existe no ser humano e que promove a disseminação de genes favoráveis. Portanto, não há adultério, fornicação ou qualquer outro ato imoral. Por isso, o sexo é comercializado, divulgado e explorado de diversas formas. Muitas crianças crescem em lares quebrados e manchados pela infidelidade conjugal. Debates em programas de televisão, envolvendo adolescentes sexualmente ativos, falando de suas aventuras, têm alcançado elevados níveis de audiência.

Saúde

Gênesis 1:29 já apresenta a preocupação do Criador com um regime alimentar modelo, o que nos leva à consciência de autopreservação. O cuidado com a saúde tem sido grandemente enfatizado no ensino bíblico, tendo como base o princípio de que o corpo humano precisa e deve ser conservado o mais saudável possível, uma vez que é o templo do Espírito Santo (I Cor. 3:16 e 17; 6:19).

Dessa forma, afastam-se quaisquer tendências ascéticas ou degenerativas, como uso de drogas, tabagismo, e outras práticas não salutares.

Queda

Com seqüência ao relato da criação, o livro do Gênesis mostra o surgimento do pecado no mundo. Essa é uma premissa difícil para os evolucionistas aceitarem, considerando-se que não acreditam em um Deus pessoal com valores morais. Se não há Deus, não houve criação, tampouco existiu algo como a queda do homem. Com isso em mente, eles atacam todos os conceitos morais e doutrinários do cristianismo. Trata-se, aliás, de uma corrente seguida por várias disciplinas do pensamento humano.

“Certas escolas de Filosofia e Psicologia insistem em que a concepção do pecado é ilusão; que não há tal coisa como pecado, no sentido em que o cristianismo bíblico o compreende, isto é, como anarquia moral, e como a razão da consciência de culpabilidade.”8

Apesar da insistência do evolucionismo no sentido de que a noção de pecado advém de resquícios de uma natureza animal na etapa anterior da evolução do homem, o criacionismo insiste em que este possui uma consciência moral que começa no interior, e essa consciência moral não é percebida nos animais. Entretanto o maior problema de negação do pecado é que com tal atitude a noção de uma regra moral objetiva é lançada por terra. Caímos assim numa moral circunstancial, presa ao subjetivismo, que pode levar à anarquia ou ao individualismo egoísta.

Perspectiva futura

Pelo relato da criação e queda do homem, ele perdeu sua condição superior e, desde então, vive um processo de involução. Tal pensamento cria a prerrogativa de que o ser humano deve lutar por reaver aquele estado de superioridade pré-lapsariana, o que pressupõe uma perspectiva de regeneração. De acordo com o plano divino para o homem, especialmente com a inferência de resgate, presente em Gênesis 3:15, o criacionista aguarda e vive em função de uma época em que será restaurado ao padrão de perfeição possuído por seu primeiro ancestral. Isso gera um sistema de conduta moral ligada a essa esperança, e que é incentivada em toda a Bíblia (Heb. 12:1-3; II Ped. 3:19-22).

Sem dúvida, a teoria evolucionista não prevê qualquer futuro parecido, senão a sobrevivência do mais apto. Essa crença, entretanto, não promove qualquer melhora no comportamento moral de quem por ela se deixa nortear.

Autoestima

A menção de que o homem foi feito à imagem de seu Criador confere especial sentido à vida. Contribui para uma autoestima profundamente positiva, promovendo uma conduta moral superior.

O sentido bíblico para essa imagem é amplo, mas pode ser resumido como segue: “capacidade de relacionar-se com o Criador… com os semelhantes…, capacidade espiritual de discernir entre o bem e o mal…, capacidade de compreender sua missão… e diferença dos animais, … e com liberdade de decidir.”9

Consciência de Deus

De todas as implicações que a crença na criação especial pode suscitar, acreditamos que a de maior poder de influência é a constante consciência da presença de um Deus pessoal e interventor na história humana. Para que essa consciência se desenvolvesse, o Criador elaborou um memorial, o repouso sabático (Gên. 2:1-3), o qual serviria não apenas como um vocativo do Deus Criador, mas como um elemento de motivação na fraternidade dos seres humanos.

O descanso sabático relembra sempre que existe um padrão moral objetivo, fora do homem, superior a ele em desígnio, propósito e efeitos. Isso nos leva ao quarto mandamento da Lei de Deus (Êxo. 20:8-11), onde a santificação desse memorial da criação é mencionada. Como tal, o sábado relembra e promove o dever do homem quanto aos três primeiros mandamentos do decálogo, referentes ao trato com Deus, como onipotente e único Criador. Ao mesmo tempo reflete nossa disposição frente ao semelhante, referida nos seis mandamentos seguintes, lembrando-nos que o homem é irmão do homem, procedem de uma mesma origem, têm um parentesco divino.

Assim, a consciência de um Deus pessoal contribui para que o homem desenvolva na vida prática as virtudes do Seu caráter, expressas na ordem e beleza da criação e no padrão de princípios objetivos expostos no decálogo.

O melhor caminho

Ao analisarmos a derrocada moral da sociedade moderna, em comparação com os objetivos morais derivados da aceitação do criacionismo originado em um Deus real, inevitavelmente chegaremos à conclusão de que, mesmo se o criacionismo não tivesse suficiente evidência científica para sustentar seus credos, apenas por suas implicações morais já seria imprescindível à vida humana.

Ademais, a teoria de uma criação especial responde às inquietações de origem, propósito e sentido da existência. Procedemos de um Deus inteligente, pessoal e moralmente puro; fomos criados à Sua imagem, para refletir o Seu caráter no trato com a natureza e o semelhante. Além disso, caminhamos rumo à recuperação de nossa condição edênica, onde desfrutávamos perfeição. Em suma, viemos de Deus, vivemos por Ele, e caminhamos para Ele.

Referências:

1 Harold G. Coffin, Creation: Accident or Design? Washington D.C., Review and Herald Publishing Association, 1939, pág. 399.

2 Mario Veloso. O Homem. Pessoa Vivente. Brasília, Alhambra, 1981. pág. 52.

3 Augustus H. Strong, Systematic Theology. Westwood, NJ. Gleming H. Revell, 1907, págs. 465-476, in Mario Veloso, Op. Cit., pág. 53.

4 Gould, 3.

5 Mario Veloso, Op. Cit., pág. 58.

6 Idem. pág. 61.

7 Ibidem.

8Turner, 155.

9 Mario Veloso, Op. Cit., pág. 113.

MARCELO TORRES, Pastor e professor no Instituto Adventista de Ensino do Nordeste, Cachoeira, BA