Discurso pronunciado pelo paraninfo dos formandos de 1962, da Faculdade Adventista de Teologia, Prof. Orlando R. Ritter, na cerimônia de colação de grau da turma. Estavam representados na Mesa Diretora, a Associação Ministerial da Divisão Sul-Americana, as Mesas Administrativas do Instituto Adventista de Ensino e da União Sul-Brasileira e a Faculdade Adventista de Teologia.

Caros teologandos e novos ministros da igreja de Deus:

Congratulo-me convosco por esta noite solene. Solene e significativa não apenas para vós, vossos pais e familiares, mas também para nós, para esta escola e para a igreja de Deus.

Cumprimento-vos porque em plena era da ciência, em meio ao apogeu do cientismo, concluís um curso de Teologia!

Cumprimento-vos ainda, pelo lema que vos propusestes, muito bem escolhido dentre as mais imperativas ordens do Mestre:

IDE!

Sentimo-nos orgulhosos de vós, porque como turma de graduandos que aceita uma comissão, ides, e já de início, vos dispersareis por todos os quadrantes da nossa pátria.

Alcançareis o sul desde Bagé e o norte até Belém; atingireis o leste desde Recife e o oeste até Porto Velho.

Pampas e coxilhas, serras e chapadões, caatingas e florestas, cidades e vilas, fábricas e fazendas não escaparão à vossa influência!

Estais indo, porém, antes de partirdes, antes que digais adeus a estas colinas, antes que vos despeçais desta escola que sem dúvida aprendestes a amar, permiti que vos dirija a palavra e vos aconselhe como ministro e professor amigo,.

Permiti que o faça também em nome de ministros e professores, em nome da Escola e da IGREJA.

Estais indo! Indo a quem? Indo a quê?

Estais indo a um mundo inquieto e desassossegado.

A uma humanidade assoberbada por problemas insolúveis, sucumbindo sob o terrível fardo do pecado!

Humanidade ameaçada pela completa separação de Deus!

Estais indo a um mundo quase sem esperança, a homens aterrorizados e ansiosos.

Homens clamando por orientação segura, aguardando uma mensagem de paz.

Nobre tarefa a de orientar sêres humanos! Muito nobre é liderá-los para um objetivo comum e elevado!

Porém, nobilíssima obra é encaminhá-los a Deus, através de Jesus Cristo, nosso Senhor, o Príncipe da Paz!

E justamente esta vós vos propusestes!

Só as grandes almas são capazes disto.

Só pessoas realmente amadurecidas, só indivíduos harmonicamente desenvolvidos são capazes de dedicar desinteressadamente, parte do seu tempo, da sua capacidade e da sua energia a serviço de outrem, e a favor da coletividade!

Embora os anos vividos pelas pessoas se sobreponham inexorável e matematicamente, poucos são os que alcançam a maturidade na sua plenitude.

Muitos, e muitos mesmo, quarentões e cinqüentões, arrastam através dos anos as tendências egocêntricas da infância e da adolescência.

Mesmo quando se dedicam a outros, o fazem mais pela necessidade de ganhar o seu pão e alcançar conforto e satisfação própria, do que por desprendimento!

Por incrível que pareça, a imaturidade está mais do que presente nesta geração!

Quando penso nestes têrmos, temo e tremo por vós, por vossa juventude, pela vossa mocidade, por vossos poucos anos!

Mas conforto-me ao mesmo tempo! Conforto-me quando penso na vossa decisão, na vossa fôrça, na consagração que já fizestes!

A obra que vos propusestes exigirá muita abnegação e maturidade. Sereis convidados a dar muito mais do que ireis receber, estai certos!

Isso não é fácil, mas fico tranqüilo porque a graça de Deus vos será suficiente. Ela vos permitirá pertencer sem complexos, ao grupo dos grandes homens de pequenos salários!

Valho-me da oportunidade para — hoje à noite, na presença dêste auditório, vos desafiar a crescerdes como Jesus Cristo quando menino e jovem: “Em sabedoria, em estatura, e em graça para com Deus e os homens.”

Já crescidos na vossa estatura física, crescei e crescei muito na vossa estatura moral!

Crescei ainda mais, não em sapiência, mas em sabedoria pois ela, a coisa principal, ornamenta indistintamente pobres e ricos, jovens e velhos!

Crescei também na graça para com Deus e os homens e só assim sereis impulsionados pela verdadeira e última fôrça dêste universo — pela alavanca maravilhosa que move o mundo das virtudes, dos sentimentos nobres e das boas ações — o amor.

Impulsionados pelo amor, isso é o que deveis ser!

Não um amor egoísta, deformado e interesseiro, mas amor às almas, ao próximo, à vida.

Amor aos bebêzinhos e às criancinhas, aos meninos e às meninas, aos juvenis e adolescentes, aos homens e às mulheres, aos velhos e velhinhos já encanecidos e trôpegos. Amor a todos aquêles cujos destinos vos foram confiados!

Se não fordes capazes de amá-los desinteressadamente, não vades, pois ser ministro de Deus não é profissão — é vocação, é comissionamento!

Se porém, sois capazes de amá-los, se vos sentis vocacionados para a obra, IDE E PREGAI — pregai-lhes do amor de Deus e da esperança em Cristo.

Falai-lhes daquela doce paz interior que só Deus dá mediante o evangelho e que excede a todo o entendimento!

Contudo — lembrai-vos — se quiserdes levar a paz de Deus às gentes, não é suficiente que dela saibais falar.

Vós a deveis possuir!

Maravilha um homem possuído pela paz interior que estampa no seu semblante a compreensão, a calma e a simpatia!

Maravilha possuir a paz de Deus em meio a um mundo revolto e em pânico.

Ide, pregai — dirigi-vos às gentes, e ao o fazerdes, pregai a simplicidade do evangelho, embora formados em Teologia!

Pregai como S. Pedro que dizia: “Quem crer e fôr batizado será salvo?’

Pregai do amor de Deus, e da salvação que temos em Cristo Jesus.

Pregai que somos justificados pela fé em Cristo e que, salvos pela graça, a justiça de Cristo nos será comunicada pela santificação!

Pregai de um mundo melhor e de uma Terra renovada e sem problemas.

Ide, pregai, mas procurai dar-vos conta de que o maior e melhor sermão é aquêle que pregais com vossa própria vida.

A vossa maneira de viver, as vossas ações e aquilo que fizerdes falarão tão alto que mui-tos nem ouvirão as vossas palavras!

Tornai-vos como Abraão e Enoque, amigos de Deus, e isso dia a dia.

Permiti que sejais tangidos suavemente pelo Espírito Santo, momento após momento.

Porfiai por vos tornardes cada dia mais semelhantes a Jesus, nosso Sumo Pastor.

Semelhantes a Jesus — já pensastes nessa possibilidade? Nesse privilégio?

Maravilha um ministro assim!

Crescei na graça dia a dia, até que seja completamente restaurada em vós a imagem de Deus!

Até que apareça reproduzido em vossa vida o Seu caráter Santo.

Lembrai-vos de um dos atributos de Deus — ÊLE NÃO MUDA!

Êle é o mesmo ontem, hoje e eternamente, diz a Sua Palavra.

De vós, Seus ministros, também será requerida uma linha uniforme de conduta.

A vossa estabilidade emocional de líderes e pastôres deve ser à tôda prova!

Longe de vós a sucessão monótona e enfadonha de altos e baixos da vida emocional dos imaturos.

Nada de extremas variações de gênio.

Afugentai os nervosismos e a irritabilidade.

Espancai a intolerância, a intransigência e a carrancudice.

Não vos metais a tirar a limpo tôdas as questiúnculas, levando-as às últimas conseqüências. Isso é próprio de novatos e imaturos.

Em tudo sêde o exemplo dos fiéis.

Dificilmente podereis levantar alguém a um nível mais alto do que aquêle em que vos encontrais!

Estimados teologandos:

— A quem ides?

— Vós o sabeis —Ides à humanidade! Humanidade da qual também participa nosso Sumo Pastor.

— Humanidade tão cheia de contradições!

— Humanidade que de um lado nos dá: — um Lutero; um Wesley; um William Carey; um Livingstone; um Guilherme Miller; um Newton; um Pasteur; um Oswaldo Cruz; um Alexandre Fleming; um Lincoln; um Gladstone, um Churchill.

— Humanidade que de outro lado nos oferece o triste espetáculo de indivíduos que atingiram a mais sórdida baixeza — degenerados, tarados, assassinos e embrutecidos no pior grau.

— Procurai compreender essa humanidade apesar das suas contradições e paradoxos!

— Procurai saber porque os homens agem como agem para que possais ajudá-los!

— Como o Sumo Pastor, procurai identificar-vos com ela, sem participardes das suas fraquezas!.

— Incorporai-vos à lista, não muito grande, dos homens e ministros compreensivos!

— Procurai conhecer o lado humano da vida.

— Observai os homens e vereis a que ponto degeneram, assemelhando-se aos brutos e às bestas. Vós o vêdes em nossos dias. Disso testificam muitas raças de homens fósseis que estudastes!

— Pregai contudo a êstes homens. Pregai-lhes o evangelho como o poder de Deus para restauração e salvação e — vereis atônitos — a que ponto pode um homem, se elevar, tirando fôrças das suas próprias fraquezas.

Êle poderá crescer e crescer . . . crescerá na graça, alto, cada vez mais alto . . . reproduzindo paulatinamente na sua vida o caráter de Deus! … Maravilha um evangelho assim!

Maravilha um ministro que prega e vive!

Ide e pregai à humanidade!

Respeitai no entanto, as individualidades! Coisa preciosa é uma individualidade.

Provàvelmente nunca mais se repetirá.

Respeitai-a portanto — Não imponhais rudemente a vossa vontade e a vossa maneira de pensar!

Fugi à coletivização dos nossos dias, na qual o indivíduo é simplesmente considerado mais um no grupo.

— Lembrai-vos que não há dois sêres humanos iguais e por isso tratai o João como João, o Antônio como Antônio e a Maria como Maria.

‘Tende bem certo que: — mesmo a ressurreição dos mortos, mesmo a eternidade e o próprio Deus, preservarão as personalidades!

— No vosso trato com a humanidade, aprendei ainda a interceder por ela.

— Lembrai-vos de Moisés intercedendo pela povo pecador, ameaçado de castigo sumário.

Preferia ver seu nome riscado do livro da vida a consentir que o povo fôsse consumido!

— Só as grandes almas sabem interceder. Só o sabem os verdadeiros líderes e pastôres, os indivíduos realmente amadurecidos!

Intercedei por aquêles que vos foram confiados!

Intercedei por êles em vossas orações, em vossa argumentação, no vosso trato e sempre que puderdes!

Caros teologandos — IDE e PREGAI — TRABALHAI!

Sei que o tereis que fazer duramente.

Uma coisa no entanto vos peço — PRESERVAI, A QUALQUER CUSTO, VOSSA VIDA INTERIOR! Quão poderosa ela fôr, tão poderoso será o vosso ministério!

Satanás, o arquinimigo da verdade, pediu a Jesus Cristo os Seus discípulos para cirandá-los como trigo!

Êle tentará fazê-lo convosco. Tentará colocar-vos numa ciranda de problemas, numa roda viva de dificuldades, para que tenhais todo o vosso tempo ocupado com questões da vida exterior.

Êle tentará fazer do vosso ministério uma correria; mera atividade ruidosa e farisaica e quando o tiver conseguido, terá aniquilado vossa vida interior.

Então estará em perigo todo o vosso ministério.                                       

Nem que caiam os céus, tomai tempo para a meditação! Ela era um dos segredos da vida poderosa de João Wesley.

Não se compreende um viandante que de tempos em tempos não se assente à beira da estrada para uma pausa reconfortante. Ê durante a meditação que melhor funciona o processo tão necessário de auto-análise. Durante a meditação é que melhor e mais nítida se ouve a voz do Espírito Santo, guiando-nos na jornada da vida!

Nem que trema a terra, tomai tempo para vossa comunhão com Deus, buscando a Sua companhia através da oração e ouvindo-O falar pela Sua Palavra!

Enquanto o fizerdes, estareis seguros. Não se compreende um ministro que não seja poderoso nas Escrituras e ainda mais poderoso na oração.

Nem que os mares se revoltem e se ergam ameaçadoras as suas ondas, tomai tempo para aprimorar a vossa cultura e desenvolver a vossa mente!

Não se concebe um ministro que não estude ou que estude pouco, escudado na frágil desculpa da muita ocupação.

Não se compreende um ministro que não desenvolva a sua capacidade mental, pois é esta que princípalmente atinge os homens!

Tende por isso cuidado da vossa vida interior, a não ser que não saibais a quem ides, por que ides e em que tempo estais indo.

O “Vida Vazia”, o “Cabeça Ôca” e o “João Ninguém” não se encontram à altura das responsabilidades da hora presente!

— Caros ministros! O resultado e a manifestação de uma vida interior poderosa logo se farão sentir através das vossas palavras, que serão “palavras poderosas.” Embora a vida do ministro seja seu principal sermão, também suas palavras devem ser plenas de poder, para que saiba pregar, argüir, ensinar e exortar a tempo e mesmo fora de tempo.

Poderoso e desembaraçado na palavra; usando linguagem elevada, correta e simples, fugindo à gíria, à linguagem leviana e ao dicionário do João Ninguém; abandonando a crítica mordaz, as chocarrices e parvoíces e tôda a forma de leviandade, é o que se espera ver no comportamento do ministro de Deus!

Poderoso na vida interior, firme na Palavra, digno no exemplo, íntegro no caráter, forte na influência, o ministro de Deus crescerá, subirá alto e mais alto; tornar-se-á cada dia mais semelhante a Jesus, o Sumo Pastor. Digno de imitação, poderá dizer como S. Paulo: Sêde meus imitadores como eu sou de Cristo!

E mais do que isso, para sua alegria, para seu confôrto verá outros crescerem e se agigantarem nas virtudes, na fé e na esperança!

A vida de um tal ministro não será apenas dever, trabalho e sofrimento. Mesmo na cidade trepidante e devoradora de vidas, mesmo na selva, quente, úmida e misteriosa, sua vida também será beleza, alegria sã, harmonia, paz e felicidade!

Poderá dizer como o filósofo: “Adormecí e sonhei — a vida era beleza; repousei e acordei — a vida era dever; trabalhei e amei — a vida era felicidade”!

Antes que conclua, permiti que vos fale ainda com mais franqueza. Jovens ministros! A história e a experiência têm ensinado que à medida que passam os anos, à medida que o trabalho de evangelizar se amplia e se expande, exigindo mais e melhor organização, cresce concomitantemente a tendência de formalizar. Sem que se possa fugir à tendência, praxes e mais praxes se estabelecem, firmam-se até tradições .. . Diante do aumento quantitativo e da multiplicação dos problemas, são de fato necessárias!

Mas não vos esqueçais! A primitiva igreja cristã que não foi vencida pela espada, pelo fogo e pela tirania, o foi pela formalidade, pela tradição e pelo costume! Atentai no entanto para isso: Nosso Senhor Jesus Cristo não Se chamou a Si mesmo nem praxe nem costume, mas caminho e verdade!

Não digais tanto é praxe, é costume, é tradição. Dizei antes como Cristo — Está escrito — e se não o puderdes fazer, pensai antes de falar e de agir!

Com tôdas as veras da vossa alma, fugi à formalização e à rotina, pois são elas as maiores fraquezas da igreja de Deus. Fugi delas porque levam à hipocrisia e finalmente, à completa separação de Deus.

Estimados graduandos:

Ide e pregai! Pregai enquanto é tempo

E se o futuro que só a Deus pertence, vos fizer defrontar um dia a hora suprema da vida, não tenhais dúvidas:

Dizei como S. Paulo:—“Eu sei em quem tenho crido.”

— Eu sei o que tenho pregado!

— Se a tanto fordes levados, permanecei firmes!

— Preferi continuar em paz com a vossa consciência e com isso afrontar nem que seja o mundo todo, a violar a vossa consciência simplesmente para serdes agradáveis ao mundo.

Ide e pregai — Ide acompanhados das bênçãos de Deus.

Que vos sigam as promessas feitas através de ISAÍAS: “Quão suaves são sôbre os montes os pés dos que anunciam as boas-novas!”

Suavemente vossos pés pisarão as estradas, suavemente levantareis vossas mãos, suaves serão vossas palavras, ainda mais suaves serão vossas atitudes!

Ide, mas ide acompanhados da promessa feita através de Daniel: “Os entendidos resplandecerão como o resplendor do firmamento e os que a muitos ensinam a justiça, brilharão como estrêlas sempre e eternamente.”

E para os dias de perplexidades, para os trechos mais difíceis e íngremes da jornada cristã, vos deixamos como São Paulo aos Filipenses, uma das mais belas promessas das Escrituras: —

“Tendo por certo isso mesmo, que Aquêle que em vós começou esta boa obra, a aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo.”

Ide e pregai — Ide à humanidade. Ide pelos caminhos e vaiados; e que o Deus Todo-poderoso, sempre vos acompanhe, através das sendas da vida.