À semelhança de Jesus, devemos sair dos edifícios e templos e ouvir as pessoas onde elas vivem, amam, sofrem e morrem

Alguns anos atrás, li um folheto com o título Ouvindo com Amor. Lembro-me bem de sua mensagem: Há tempo de falar, somente depois do tempo para ouvir. Os cristãos necessitam de ouvidos maiores e boca menor.

Durante meu treinamento em capelania, tive como mentor pastoral um médico. Ele sempre dizia que os melhores instrumentos na diagnose de problemas médicos ou espirituais são dois ouvidos. Certamente, ele havia lido as palavras de Tiago: “Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar” (Tg 1:19).

Não é fácil ouvir; mas fazer isso significa cuidado e afeto. Feliz é a pessoa que pode contar com um amigo que se disponha a ouvir, sem fazer julgamento, culpar, dar opinião, interpretar, aprovar ou reprovar, alguém que simplesmente ouça e compreenda. Ouvir refletidamente é dedicar toda atenção e força ao processo de compreender o que a pessoa quer dizer, e refletir no significado disso para ela. Fazer isso é ser uma janela para o incondicional amor de Deus. Chamo isso de “ouvir amorosamente”, ou evangelismo da palavra não falada.

Jesus exemplificou esse estilo de ministério quando Se encontrou com o cego Bartimeu. Esse homem estava cansado de ouvir palavras condenatórias dos líderes espirituais, pois as pessoas se sentiam incomodadas conversando com um cego. Incapaz de compartilhar o sofrimento e desespero de seu mundo escuro, ele caminhava pela inevitável estrada de solidão, isto é, até seu encontro com Jesus.

A barulhenta multidão espalhou a notícia de que Jesus Se aproximava. Ouvindo isso, Bartimeu clamou pelo Mestre, pois não podia perder a chance de ser curado. Pessoas ordenaram que ele se calasse, dizendo-lhe que Jesus não tinha tempo para ele, mas Bartimeu clamou mais alto. Para surpresa de todos, Jesus parou e chamou o cego. O Mestre teve tempo para ele, e o ouviu enquanto, entre lágrimas, contava sua história. As Escrituras dão apenas um breve relato, mas acredito que Bartimeu tenha falado muito. Alguém teve boa vontade para ouvi-lo. Somente depois de ouvir Bartimeu, Jesus o curou; porque, curar antes de ouvir, significaria desumanizar o homem que estava aos pés dEle.

Modelo de ouvido amoroso

Ouvir amorosamente é um dom de Deus, e sua essência é o interesse abnegado pelo bem-estar do outro. Ouvido amoroso é paciente e perceptivo, sempre desejoso de ajudar a pessoa a se sentir valorizada. É conhecer o coração de alguém atormentado, não fazendo perguntas, mas estando aberto às palavras, linguagem corporal e aos sentimentos. Você dedica 100% de sua atenção enquanto a pessoa compartilha sua experiência. Somente então pode implementar um plano ou solução.

Um fazendeiro do Texas comprovou essa verdade. Ned era um doente terminal, a quem eu visitava duas vezes por semana no hospital. Durante meses, jogamos dominó, sem dizer muitas palavras. Ocasionalmente, ríamos das piadas dele, pois ele sempre dizia: “Se eu não pudesse rir, morreria.”

Quando Ned não mais conseguiu se levantar, ficávamos juntos em silêncio. Quando ele falava, eu ouvia. Um dia, ele falou sobre seus planos para o fim da vida. Sua pistola estava sob o travesseiro e ele tinha algumas balas. Depois de uma breve troca de ideias e silenciosa reflexão, Ned concluiu que seu plano causaria interminável sofrimento à esposa e familiares. Então, entregou a arma e as balas à esposa, e pediu que ela as escondesse.

Ouvir amorosamente pode ser contrário a todos os conceitos emitidos em seminários de evangelismo, mas constrói uma estrutura na qual o Espírito de Deus pode operar. Minha amizade com Ned me ensinou que Deus frequentemente fala através do silêncio, e isso acontece em lugares e ocasiões menos esperados.

Em nossa cidade, há um calçadão com bancos e árvores entre as lojas. Quando vejo alguém sentado em um banco, peço permissão para me sentar e, depois de alguns momentos, a pessoa começa a conversar. Numa dessas ocasiões, encontrei um homem de 80 anos, que esperava a esposa escolher roupas em uma loja. Ele me falou que aquele estava sendo um mês muito difícil. A filha havia morrido, duas semanas antes, depois de lutar com um câncer durante anos.

Ele e a esposa estavam muito tristes, acreditando que eles deveriam ter precedido a filha na morte. Lutavam com a questão: “Por quê?” Acaso Deus está me punindo por algum erro cometido? Está tentando me ensinar alguma lição? Felizmente, concluiu que, embora não pudesse compreender as coisas, sabia que Deus ainda o amava. Depois de ouvir aquele homem durante uns 15 minutos, falei-lhe sobre o plano de Deus para reunir as famílias. Quando a esposa dele voltou da loja, ele me agradeceu por ter sido bom ouvinte. Até então, não havia encontrado ninguém com quem falar e agradeceu a chance de poder desabafar.

Tendo trabalhado como capelão de hospitais, durante trinta anos ouvi o desabafo de muitas pessoas. Nossa equipe chamava isso de “inventário da vida”. Quando as pessoas compreendem que têm uma doença ameaçadora, elas avaliam a própria vida para determinar se ela valeu a pena.

Arthur, editor do jornal local, é outro exemplo. Seu filho me pediu que o visitasse e me disse: “Não gosto de saber que eles está prestes a morrer.” Ao encontrar Arthur, simplesmente comentei que gostava muito de ler seus editoriais. Durante a hora que se seguiu, ele me contou a história de sua vida e, durante um longo silêncio, olhou o infinito. Voltando-se para mim, disse: “Sabe de uma coisa? Deus e eu não temos nenhuma contenda.” Então, o filho dele piscou os olhos e sorriu para mim. Compreendi que ouvir é recompensador.

Meu querido amigo Matt me contou sua experiência em ouvir amorosamente. Certo dia, um dos amigos dele o chamou e disse: “Precisamos conversar. Você tem algum tempo?”

Em seguida, John falou e Matt apenas ouviu: “Estou mergulhado em tanta dívida, que quase nem posso ver a luz do dia. Imprudentemente, deixei minha esposa fora dos meus assuntos comerciais, e ela não sabe quão perto nós estamos de perder tudo. Como posso dizer a ela que traí sua confiança? Não vejo com fazer isso. Escrevi uma carta para ela e a coloquei no porta-luvas do carro, pensando em jogar o carro na frente de um trem de carga, esperando que depois ela encontrasse a carta. Mas, pensei na dor profunda que causaria à minha família. Então rasguei a carta. Você pode me ajudar a encontrar um meio de sair dessa situação?”

Matt elaborou um plano que funcionou. Atualmente, John tem rendimento anual de 80 mil dólares. Ele me disse: “Larry, o que teria acontecido se você não estivesse ali para me ouvir?” Nem posso descrever o que sinto, sabendo que minha atitude salvou uma vida e evitou terrível sombra sobre uma família. Deus me usou para ouvir. E, como você sabe, não há muitos ouvintes neste velho mundo. Todos estão ocupados e não têm tempo.”

Fazendo diferença

Programas, projetos, técnicas e fórmulas têm gastado horas incontáveis e muito dinheiro, apenas para que depois sejam descartados. Tenho tentado alguns deles, mas nada tem sido tão recompensador como estar com a outra pessoa. Dar de mim mesmo e ouvir com todo o meu ser tem criado laços inquebráveis no tempo ou no espaço.

Certa vez, fui convidado a fazer a oração na abertura de um concílio em uma grande cidade na Inglaterra. Antes, porém, o líder do encontro perguntou meu nome e qual é a igreja que frequento. A resposta dele me chocou profundamente: “Não quero parecer indelicado, mas devo lhe dizer isto: Se sua igreja for queimada, ninguém nesta cidade sentirá diferença.” Esse comentário me fez repensar na abordagem do meu pastorado. Eu devia alimentar espiritualmente os membros da igreja, mas também devia ir além das quatro paredes do templo.

Então, passei a visitar, durante um dia na semana, pessoas na periferia e ouvir suas histórias de pobreza, solidão e tristeza. Visitei muitos jovens que haviam deixado suas respectivas igrejas. Com a ajuda de profissionais especializados, em dois anos, levamos três mil fumantes a abandonar o vício. Mulheres da igreja dedicaram tempo dando assistência a mães solteiras com filhos pequenos. Aulas de culinária foram dadas em igrejas e na universidade local. Grande parte desse trabalho requeria que ouvíssemos as pessoas.

Nem brilhantismo de reuniões públicas nem a mídia substituem a amizade pessoal e a boa vontade para ouvir. À semelhança de Jesus, devemos sair dos edifícios e templos e ir aonde as pessoas vivem, amam, sofrem e morrem. Durante trinta anos tenho estado junto ao leito de pessoas à beira da morte e oficiado funerais. Agradeço a Deus por me haver dado o mundo como minha paróquia. Ele me ensinou que ouvir com amor é chorar com os que choram e se alegrar com os que se alegram. Ensinou-me que ouvir com amor é a janela pela qual o incondicional amor de Deus deve fluir a todos em nossa área de influência.