O desafio da Igreja é ajustar-se às mudanças sociais e como expressar a verdade eterna de uma forma relevante para a cultura emergente, sem macular seus princípios
O mundo ocidental vive em um estado de fluxo. O mundo moderno, estabelecido com o fenômeno do lluminismo, está se desmoronando. O pós-modemismo já não é simplesmente parte da teoria e da classificação acadêmica. É aceito como parte da realidade e normalidade, um fenômeno presente na cultura popular. Ele permeia a literatura, a televisão, a música e a arte. É também manifestado nas relações de trabalho e na maneira como as pessoas se relacionam.
• Indivíduos pós-modernos têm as seguintes características:
• Rejeitam verdades estabelecidas, expressas em dogmas e termos absolutos; querem experimentar a verdade.
• São abertos à emoção e à intuição.
• Comunicam-se através de palavras ligadas a imagens e símbolos. Sen-tem-se mais à vontade conversando através de palavras e afirmações claras.
• Estão preocupados com a situação humana e o meio ambiente.
• Desconfiam de instituições, burocracia e hierarquias. Mas gostam de fazer parte de uma comunidade na qual eles participem e interajam.
• Ficam à vontade falando de espiritualidade e valores.
Eles suspeitam das reivindicações de certeza e desconfiam das alegações de objetividade. Para eles o mundo é mui-to mais ruidosamente um lugar subjetivo.1 Os pós-modernos dizem coisas tais como: “Eu crio minha própria versão da verdade, a partir de diferentes recursos. Tenho a minha verdade; não tente me impor a sua.”
No mundo pós-moderno, a primeira questão é mais provavelmente “como você sente?” em lugar de “o que você pensa?” Robert Webber diz: “Indicações de uma visão pós-moderna sugerem que o mistério, com sua ênfase na complexidade, ambigüidade e comunidade; com sua ênfase no inter-relacionamento de todas as coisas, e formas simbólicas de comunicação, com ênfase no visual, é central para o novo modo de pensamento.”2
Nesse tipo de mundo, com sua crescente ânsia por espiritualidade e por encontrar satisfação e significado na vida, por que a Igreja cristã ainda é impopular?
Uma razão é que, quando oferecemos uma alternativa completa de mundo às pessoas, estamos agindo num es-tilo imperialista, o que é rejeitado pelos pós-modernos. Apresentamos o evangelho de A-Z, como um pacote, e pensamos que isso ainda é uma forma produtiva de fazer evangelismo. Mas em nenhum lugar encontramos Jesus ou os apóstolos trabalhando com tal modelo.
Em muito do evangelismo tradicional, parecemos operar sob a premissa de que temos um “produto” (o evangelho ou o ensinamento adventista do sétimo dia) que você (o consumidor) necessita; e então fechamos a troca. Essa abordagem não faz sucesso entre os indivíduos pós-modemos, que vêem essa operação religiosa de venda como uma técnica manipuladora de marketing.
Ao contrário disso, deveriamos procurar construir relacionamento com homens e mulheres pós-modernos através da amizade, o que ajudará a abrir as portas da confiança. Nossa abordagem deveria ser mais relacionai e contextual do que confrontadora e preposicional. O desafio para a Igreja é como ajustar-se às mudanças sociais e como expressar a verdade eterna nessa cultura emergente e através dela, ao tempo em que retém fortemente sua sólida objetividade e sua compreensão da verdade normativa.
A Bíblia diz que somos devedores “tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes” (Rom. 1:14). E que o evangelho eterno deve ser pregado “aos que se assentam sobre a Terra, e a cada nação, e tribo, e língua e povo” (Apoc. 14:6).
Seguramente isso inclui a cultura pós-moderna de nossos dias. Quando o endemoninhado gadareno foi curado, Jesus lhe disse: “Vai para tua casa, para os teus. Anuncia-lhes tudo o que o Senhor te fez e como teve compaixão de ti” (Mar. 5:19). Nesse relato, Jesus nos ensina os princípios fundamentais do evangelismo. Ele deseja que nos voltemos para nossa comunidade e construamos relacionamentos integrais com as pessoas que nos rodeiam, com aqueles com quem nós vivemos, trabalhamos e nos divertimos. Devemos partilhar a maravilhosa história – nossa história – de um Deus maravilhoso e amoroso que tem feito a diferença em nossa vida.
Abordagem trans-européia
Em busca de um caminho culturalmente sensível para alcançar pessoas pós-modernas, em uma cultura essencialmente pós-cristã, temos desenvolvido na Divisão Trans-Européia uma abordagem cujo núcleo é uma visão estratégica para envolver nossos irmãos na construção de uma autêntica amizade com descrentes pós-modemos em nossas comunidades; no processo de encaminhá-los a Jesus Cristo; e em prover esperança através de apoio e nutrição espiritual.3
Essa visão é construída sobre três modelos bíblicos que são colocados no “mapa” de nosso mundo grandemente pós-moderno.
Pertencer antes de crer. A estratégia evangelística tradicional e mais amplamente adotada é: Ensinar o evangelho às pessoas, observar se elas se comportam de acordo com as doutrinas ensinadas, e então aceitá-las no corpo de Cristo. Repetimos, esse método tem-se provado impróprio e ineficaz no mundo ocidental pós-moderno.
“Os descrentes precisam ser envolvidos em pequenas comunidades de crentes, de modo que eles possam ver o impacto do evangelho em seu relacionamento e experimentar alguns dos seus benefícios. Tal foi a dinâmica que fez a igreja pré-Constantino tão efetiva. No contexto das comunidades cristãs, o desiludido, cínico e desinteressado era respeitado e aceito, e convertido em “interessados avivados”, para usar a descrição de John Wesley.”4
As pessoas estão procurando genuínos relacionamentos. Cristo é o melhor exemplo de como construir amizade. “O Salvador misturava-Se com os homens como uma pessoa que lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por eles, ministrava-lhes às necessidades e granjeava-lhes a confiança. Então lhes dizia: ‘Segue-Me’.”5
Isso exige planejamento e sacrifício. Temos vidas muito ocupadas. O compromisso pessoal de fazer amigos e construir relacionamentos com não cristãos toma tempo e energia, mas se queremos partilhar o amor de Jesus Cristo necessitamos sair da nossa zona de conforto. Em todo relacionamento dialogar e partilhar são fundamentais, e temos de lembrar que dialogar inclui ouvir autêntica e atentamente. Ajudar o povo a compreender a história de Cristo requer tempo e paciência. Devemos ser honestos, compreensivos e sem preconceitos.
Na criação de tal ambiente, andar e comer juntos são componentes importantes. A refeição partilhada sustenta relacionamentos humanos e simboliza solidariedade. Os alimentos expressam a textura das associações humanas, o caminho da vida, as normas e os compromissos. Jesus comeu e bebeu com as pessoas, mesmo com os pecadores mais desprezados pelos líderes religiosos de Seus dias. Ele foi criticado por fazer isso (Mat. 11:19; Marc. 2:15-17; Luc. 15:1 e 2). No entanto, sabia que estar com o povo ao redor de uma mesa O habilitaria a construir confiança e amizade.
Se o principal propósito do evangelismo é apenas crer, então nós estamos sob o limitante e limitado constrangimento de pressionar as pessoas a um despertamento de verdades que elas necessitam conhecer. Mas quando o ponto não é apenas o que as pessoas vêm a saber, mas a maneira pela qual elas chegam a conhecer e experimentar, então há uma dinâmica nova e muito mais efetiva.
Se o principal propósito do evangelismo é comportamento, então levamos as pessoas a focalizarem a si mesmas e mudar seus hábitos pessoais. Mas se o ponto é ajudar alguém, tomando-se um verdadeiro amigo; se o principal propósito do evangelismo é pertencer, então nós transformaremos as pessoas em discípulos de Jesus e as incorporaremos em uma vibrante comunidade cristã.
“Pertencer antes de crer” não significa que a pessoa é espiritualmente incorporada no corpo de Cristo, mas aceita no processo de transformação, que é obra do Espírito Santo.6
“Um senso de pertencer coloca os interessados na posição de observadores-participantes, de modo que eles podem aprender tudo a respeito do evangelho. Podem observar de perto o impacto que ele causa na vida de indivíduos e como forma uma comunidade. Através desse processo o interessado vem a saber quando ele está pronto para tomar uma decisão pessoal de identificar-se com o Senhor e com o corpo de Cristo.”7
As pessoas anelam pertencer a um lugar ao qual possam chamar de lar. O mundo ocidental está indo do modernismo, onde o lluminismo criou autonomia própria, individualismo e isolamento, para o pós-modemismo, onde as pessoas estão buscando identidade e comunidade. Ao invés de descoberta científica, temos agora realidade virtual, uma experiência que é real no efeito, mas não de fato.8
No tormento da solidão e na busca de identidade, os cristãos deveriam criar uma comunidade que aceita essas mudanças e ajuda as pessoas a encontrar sua identidade tornando-se discípulos de Jesus Cristo.
O processo do evangelismo. Quando Cristo iniciou Sua missão, Ele entrou profundamente no mundo de doze pessoas, idenficou-Se com elas e suas condições e comprometeu-Se, antes de tudo, a começar o processo de evangelização. Levou mais que três anos para que os apóstolos crescessem na com-preensão de Jesus; primeiro, como um Mestre, depois um profeta, então o Messias, o Filho de Deus assunto ao Céu, com uma causa além do que eles podiam imaginar. Isso sugere um processo, não um evento.
Embora estejamos usando comida e bebida instantâneas, pagamento e recebimento de dinheiro instantâneos, mensagens instantâneas, não podemos fazer evangelismo instantâneo, pelo menos não com a geração da qual fazemos parte. Evangelizar é um processo. Leva uma pessoa a uma jornada espiritual que conhecemos muito bem, com todos os seus altos e baixos.
Nessa jornada, nosso trabalho é dar um passo por vez. O trabalho do Espírito Santo é convencer a pessoa e levá-la à conversão. Nossa responsabilidade é estar disponíveis como instrumentos que Deus usa para completar Sua obra. Nosso objetivo é simplesmente seguir a Jesus. Entre outras coisas, isso nos ajudará a experimentar o milagre de caminhar sobre as águas, como Pedro o fez (Mat. 14:29).
Jimmy Long identifica seis passos no processo pós-moderno de conversão. Ei-los:
- • Descontentamento com a vida.
- • Confusão sobre significado.
- • Contato com cristãos.
- • Conversão à comunidade.
- • Compromisso com Cristo.
- • Chamado à visão celestial de Deus.9
Na realidade, a conversão algumas vezes não segue exatamente essa seqüência. Tempo, lugar e velocidade são aplicáveis a cada indivíduo. Pode ser que uma pessoa cubra o processo mais rápido que outra, ou pule um ou outro, mas não deixa de ser um processo, porque a geração pós-modema requer tempo para fazer qualquer compromisso permanente na vida.10
O processo ajuda o interessado a ver o evangelho em ação no estabelecimento da comunidade cristã. Modela o coração do interessado, não apenas sua mente. Leva-o a uma maturidade cristã integral. Converte-o num discípulo, não apenas em um membro. Habilita-o a ser um fazedor de discípulos.
Evangelismo narrativo. Como parte desse processo, uma história tem o poder de provocar nossos pensamentos e emoções, e pode colocar-nos em ação. Uma história pode criar uma visão que, por sua vez, produz caráter. Isso muda a mente de uma pessoa e afeta sua atitude, mundivisão e alma. Jesus compreendeu o poder das histórias e usou muitas delas como ilustrações para ensinar, de modo que o povo compreendesse. Ele ensinou apenas por parábolas (Mar. 4:33 e 34).
O conceito de evangelismo narrativo apresenta o evangelho não como um punhado de dados que induz a uma conclusão lógica. Todo o evangelho é uma narrativa na qual a história de Deus colide com a história humana, e essa interseção do humano com o divino faz a diferença.
Uma nova geração está buscando encontrar um modelo viável através do qual ou no qual o significado último seja encontrado. Quando ela vir cristãos que vivem suas histórias em comunidades fiéis, embora imperfeitamente, certamente responderá. Isso provê esperança para uma geração desesperada. Apoiará em sua vida diária e proverá nutrição para sua formação espiritual.
“A história de que há um Deus que cuida dos seres humanos é uma velha mensagem. Mas tem recebido um novo atrativo, uma nova plausibilidade em nosso tempo. Nossa geração pós-modema está mais pronta do que nunca para ouvir essa história com novos ouvidos, por causa do esvaziamento e irregularidade da vida pós-moderna.”11 Estamos diante de uma oportunidade áurea, uma janela aberta através da qual a luz de Cristo pode brilhar.
A comunidade cristã possui recursos únicos que podem ser apropriados para responder à nova situação cultural. Os pós-modernos estão providenciando uma plataforma mais hospitaleira para as possibilidades espirituais e teológicas. Não é suficiente compreendermos nosso mundo à distância, ou simplesmente ter uma estratégia de evangelização. Necessitamos andar e ombrear-nos com aqueles que desejamos alcançar para Cristo. Necessitamos viver com incrédulos pós-modernistas em seus termos, tanto quanto seja possível. Isso estabelecerá o fundamento para que uma real comunicação tenha lugar. E nos dará excelentes oportunidades para aprofundar nossa própria fé e permitir que o Espírito Santo atue através de nós.
Referência»:
- 1 Tony Jones, Postmodern Youth Ministry: Exploring Cultural Shift, Creating Holistic Connexctions, Cultivating Authentic Community (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2001), págs. 31 a 43.
- 2 Robert E. Webber, Ancient-Future Faith: Rethinking Evangelicalism for a Postmodem World (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999), pág. 35.
- 3 Ver www.lifedevelopment.info para mais informações.
- 4 Gibbs/Coffey, pág. 192.
- 5 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 143.
- 6 Gibb/Covey, pág. 194.
- 7 Ibidem, pág. 194.
- 8 Jimmy Long, Generating Hope: A Strategy for Reaching the Postmodem Generation (Cowners Grove, 111: InterVarsity Press, 1997), pág. 73.
- 9 Idem, pág. 206.
- 10 Idem, pág. 208.
- 11 Idem, pág. 190.