Neste início de milênio, vivemos o embalo da filosofia do humanismo. Uma tendência cada vez mais ascendente de colocar o gênero humano no centro do controle do Universo, em detrimento de Deus. A Nova Era, sob o reinado de sua majestade Maytrea, é a responsável por esta explosão de crescimento humanístico. A mídia é a asa sobre a qual Celeremente voa o movimento. No mundo da exaltação às celebridades humanas, nunca se viu tanta inversão de valores. Elegem-se homens e mulheres do ano, da década do século e do milênio, mais por fama passageira, dinheiro e perfil sexual, que por benfeitoria à humanidade, honestidade e heroísmo da fé cristã.

Em contrapartida, o mundo do povo de Deus também é detentor de exaltadas galerias de heróis e heroínas. Na Carta aos Hebreus, capítulo onze, encontramos a galeria de eleitos da eternidade. Por sua peculiar humildade, o autor da galeria, Paulo, não se incluiu. A descrição a seu respeito seria mais ou menos assim: “Pela fé, Paulo de Tarso, aos 20 anos de idade, aceitou a Cristo como seu Salvador pessoal. E Deus, três dias depois de sua conversão, o apresentou ao damaceno Ananias: ‘Escolhi esse homem’ (Atos 9:15, BLH). De perseguidor passou a ser perseguido durante cerca de 30 anos. Pregou o evangelho por todo o mundo colonizado de seu tempo. Escreveu a metade dos livros do Novo Testamento. Após quatro anos de injusta e humilhante prisão, no ano 67, foi morto por decapitação em praça pública, em Roma, aos 62 anos. Foi eleito por Deus ‘Homem da eternidade’.”

Dados biográficos

Saulo (hebraico) ou Paulo (grego) nasceu aproximadamente nove anos depois do nascimento de Cristo, em Tarso, uma bela e próspera cidade portuária de 300 mil habitantes, situada na região da Cilícia, Ásia Menor, hoje Turquia. Era banhada, ao Sul, pelo Mar Mediterrâneo; ao Norte, delimitada por uma cadeia de montanhas de até três mil metros de altura. Era um importante centro de cultura e comércio.

Desde menino, Paulo aprendera com o pai o ofício de fazedor de tendas (Atos 18:3), profissão esta que lhe proveu sustento, nos dias de missionário. O pai, judeu piedoso, fazia parte da dispersão, que desde o sexto século antes de Cristo migrara para fora da Palestina. Mas, na pré-adolescência de Paulo, a família mudou-se para Jerusalém.

Formação cultural e religiosa

Nascido em um lar judeu, Paulo foi educado na rigidez do judaísmo, sendo, pelo menos duas vezes ao dia, instruído no Shemá (Deut. 6:1-8), nas doutrinas e na profissão de fé. Da mesma forma, estudava o Torá (livro da lei), os cinco primeiros livros mosaicos do Antigo Testamento. A dinâmica dos ensina-mentos consistia em perguntar, responder, memorizar, repetir e cantar em sal-mos. Paulo, como jovem inteligente, estudioso e afeiçoado aos temas religiosos, sorvia tudo com sofreguidão.

Teve como mestre preceptor o famoso Gamaliel, falava e escrevia fluentemente as principais línguas vivas da época: hebraica, aramaica e grega. Tornou-se um respeitado intelectual. Era brilhante orador, dotado de invulgar pendor de liderança. Ainda jovem, foi eleito um dos 71 membros do Sinédrio, cargo importantíssimo para a época. Hoje, seria equivalente a um ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Tudo indica que o jurista Paulo era o mais brilhante entre os 71 colegas.

Paulo tinha tudo para ter se tornado um famoso político, governante judeu ou romano. Turistas do mundo inteiro poderiam contemplar suas estátuas entre as dos césares de Roma antiga, Ate-nas e Jerusalém. No entanto, escolheu seguir o que ele mesmo escrevera a respeito de Moisés: “Preferindo ser mal-tratado junto com o povo de Deus, a usufruir prazeres transitórios do peca-do; porquanto considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito, porque contemplava o galardão”(Heb. 11:25 e 26).

Cinco períodos

Segundo Carlos Mesters, autor do livro Paulo Apóstolo – Um Trabalhador Que Anuncia o Evangelho, a vida de Pau-lo de Tarso está organizada em quatro períodos, aos quais acrescento mais um:

  •  período – Do nascimento (início da Era Cristã) aos 28 anos: o judeu praticante.
  • 29 período – Dos 28 (ano 37 a.D.) aos 41 anos: o convertido e fervoroso cristão. Passou três anos na Arábia por causa de perseguição (Gál. 1:17).
  • 3º período – Dos 41 aos 53 anos: o poderoso pregador, evangelista itinerante (II Cor. 11:25 e 26).
  •  período – Dos 53 aos 58 anos: organizador de novas congregações e confirmador da fé do rebanho.
  • 5º período – Dos 58 aos 62: o prisioneiro sofredor, mas não desanimado (II Cor. 4:8-11). Foi morto decapitado, a mando do sanguinário imperador Nero, no ano 67 a.D. O Pastor Jerônimo Garcia costumava dizer a seus alunos seminaristas: “O ministro do evangelho precisa estar sempre preparado para duas coisas: pregar e morrer.” Paulo vivenciou com precisão esse conceito (Fil. 1:21; II Tim. 3:7 e 8).

Alguém, acertadamente, disse que se fosse preciso eleger três principais homens da Era Cristã, com toda justiça estes poderiam ser: Jesus Cristo, Paulo de Tarso e Martinho Lutero.

Sete lições

Da vida de Paulo, podemos extrair sete lições para o pastor do século 21:

Teologia do chamado. “Escolhi esse homem.” O chamado para o ministério pastoral não é tarefa humana, mas divina. Paulo tinha plena consciência disso quando testemunhou a seu amado companheiro Timóteo: “Sou grato para com Aquele que me fortaleceu, a Cris-to Jesus nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério” (I Tim. 1:12). Jesus, Ele mesmo, após orar uma noite inteira chamou seu colegiado ministerial (Luc. 6:11-16).

Aprecio muito aquele incidente envolvendo o grande pregador Carlos Spurgeon e seu discípulo seminarista: o jovem aproximou-se de Spurgeon e perguntou: “Sinto que estou sendo chama-do para as missões. Que farei?” Spurgeon respondeu: “Você não tem opção. A menos que queira evitar Deus.”

Senso de missão. Não há precedentes ao exemplo de Paulo em sua dedicação ao ministério evangélico, durante 30 anos. E até hoje, dois milênios passados, continua singular. Sem salário (I Tess. 2:9; II Tess. 3:8), destemido, cônscio de sua vocação e eleição, ele foi um intrépido especialista em vencer desafios. Preferia desbravar novos lugares a pastorear rebanhos existentes. “Por força de sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo; de maneira que, desde Jerusalém e circunvizinhanças, até ao Ilírico [hoje Croácia, Bósnia, Iugoslávia, etc.] tenho divulgado o

Paulo tinha plena consciência de seu chamado divino para o ministério pastoral.

evangelho de Cristo, esforçando-me deste modo por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio” (Rom. 15:19 e 20).

Viajando em toscos barcos à vela, a cavalo e a pé, enfrentando toda sorte de dificuldades, contratempos da natureza e perseguição, o bandeirante do evangelho esteve presente em todo o mundo colonizado de então. Um cuidadoso estudo do itinerário de suas três viagens missionárias (Atos 16-19) é fonte de inspiração e fornece material para um planejamento de trabalho mensal e anual.

Cuidado pessoal. Nos dias do apóstolo já havia, em grande medida, o assédio da corrupção e do pecado em todas as suas formas, com vistas a seduzir um homem a serviço de Deus. Por isso, Paulo recomendou a Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina” (I Tim. 4:16).

Pesquisas feitas nas diversas corporações religiosas dão conta de elevado percentual de clérigos que precocemente são afastados do seu sagrado ofício. Duas razões se destacam: assédio sexual e descontrole de finanças pessoais (Tito 2:7).

Preparo intelectual. A despeito de sua pesadíssima agenda como evangelista, apóstolo e pastor, Paulo não se fossilizava intelectualmente. Mesmo com a restrição literária da época, ele tirava tempo para ler e manter-se informado. Pouco tempo antes da morte, na prisão mamertina em Roma, solitário, abandonado até por amigos da igreja, o apóstolo solicitou a Timóteo: “traze a capa que deixei em Trôade em casa de Carpo, bem como os livros, especialmente os pergaminhos” (II Tim. 4:13).

Paulo, o gigante da palavra e da pena, da tribuna sacra ou parlamentar, impressionava o povo, intelectuais, reis e rainhas (Atos 26:24-29). Era uma máquina divina para produzir e escrever. Dos 27 livros do Novo Testamento, 14 são de sua autoria.

Amor pelo rebanho. Paulo chamava suas ovelhas de “meus filhos” (Gál 4:19). Amor semelhante a esse, pelo precioso rebanho, só o do Bom Pastor (João 10). Sabia o nome e endereço das famílias e pessoas. Geralmente no final de suas epístolas ele manda saudações, citando nomes. Exemplo do ministro visitador e comprometido com o bem-estar espiritual, emocional e físico dos membros de suas igrejas.

Igreja do lar. Paulo não era apenas um incansável evangelista público. Ele arregimentava o evangelismo pessoal nas congregações. Fundou a igreja do lar, o que os irmãos João e Carlos Wesley chamaram, no século 17, de “pequenas sociedades”. A Igreja Católica chama de “comunidades eclesiais de base”, outros evangélicos, assim como nós, chamam de “pequenos grupos”. Na Igreja cristã primitiva denominou-se koinonia (Atos 2:42).

Paulo cita algumas dessas igrejas domésticas: na casa de Priscila e Áquila (Rom. 16:15), na casa de Filemon e Ápia (Fil. 2), na casa de Lídia (Atos 16:15), na casa de Filólogo e Júlia (Rom. 16:15). É importante ressaltar que Paulo usou o excelente método da igreja do lar por três razões precípuas: expandir a pregação do cristianismo na comunidade e na vizinhança, propiciar oportunidade às mulheres cristãs na missão evangélica e solidificar a fé da irmandade. Havia também uma razão político-religiosa. Os judeus não permitiam que se criasse uma sinagoga ou uma comunidade religiosa só com mulheres, Segundo Mesteres, “exigiam que, no mínimo, houvesse dez homens para que se formasse uma congregação”.

Essas igrejas do lar (pequenos grupos) foram a salvação (proteção na perseguição) e o motivo da inusitada expansão do cristianismo nos primeiros séculos da Era Cristã. Ellen White aponta ser um erro fatal “supor que a obra da salvação de almas depende só do ministério… Quando os membros da igreja de Deus fizerem a obra que lhes é indicada nos campos nacionais e estrangeiros, em cumprimento da comissão evangélica, todo o mundo logo será advertido, e o Senhor Jesus retornará à Terra com poder e grande glória”. – Atos dos Apóstolos, pág. 111.

Amigo de Deus. Tendo caído literalmente do cavalo, no pó, ferido de cegueira ótica (Atos 22:11), Paulo expressa a sua primeira intimidade com Cristo, respeitosamente chamando-O de Senhor: “Quem és Tu Senhor?” (Atos 9:5). Ao ouvir a voz: “Eu sou Je-sus, a quem tu persegues”, Paulo não teve mais dúvidas. Aquele que o alcançara na poeira escaldante do meio-dia era o Deus-forte de Estevão, de cujo martírio participara dias antes (Atos 7:54-60). Foi amor à primeira vista; vista da fé. O amor fraternal (I Cor. 13), o amor de Deus (Rom. 8:34-39), Jesus e Sua graça salvadora (I Cor. 2:2) foram os temas favoritos de Paulo. Daí as razões de um ministério tão fecundo.

“Seu coração estava cheio de um profundo e permanente senso de sua responsabilidade; e ele trabalhava em íntima comunhão com Aquele que é a fonte de justiça, misericórdia e verdade. Paulo apegava-se à cruz de Cristo como sua garantia única de sucesso.” – Atos dos Apóstolos, pág. 507.

Que belo espelho de um ministro do século 21!

Os escolhidos

Os métodos e desígnios de Deus são inescrutáveis, quando pretende escolher ou chamar determinadas pessoas para missões especiais, sempre com vistas a salvar e proteger o Seu amado povo na Terra.

“Deus toma os homens tais como são, com os elementos humanos de seu caráter, e os prepara para Seu serviço, caso queiram ser disciplinados e dEle aprender. Não são escolhidos por serem perfeitos, mas apesar de suas imperfeições, para que, pelo conhecimento e observância da verdade, mediante a graça de Cristo, se possam transformar à Sua imagem… Cristo não escolheu, para Seus representantes entre os homens, anjos que nunca pecaram, mas seres humanos, homens semelhantes em paixão àqueles a quem buscavam salvar.” -O Desejado de Todas as Nações, págs. 294-296.

Foi assim que Ele escolheu o piedoso Noé (Gên. 6-8), cuja missão foi advertir a rebelde sociedade de então do iminente fim do mundo antediluviano.

“Necessita-se de homens em cujo coração Cristo está formado ‘a esperança da glória’, e que preguem a palavra.”

Escolheu Moisés (Êxo. 3), conhecedor da política e das ciências do Egito, para libertar Seus fiéis da escravidão. Es-colheu José (Gên. 41), fazendo-o primeiro-ministro no Egito, e Daniel (Dan. 1), primeiro-ministro em Babilônia, com o objetivo de exaltarem o Seu poder naquelas nações. Escolheu Ester, judia exilada, para ser rainha no Império Persa (séc. 4 a.C.), e livrar os judeus do holocausto ou extermínio.

Escolheu o pescador João, para escrever o último livro da Bíblia: “Foi lá (ilha de Patmos), solitário, por volta dos anos 95 e 96 de nossa era, que tudo aconteceu. João foi tomado em visão e levado às cortes celestiais. De lá, pôde ver o desenrolar da História. ‘As coisas que são, e as que hão de acontecer.’ Deus deu a João a mensagem do Apocalipse porque Seu povo precisava entender o que estava se passando.” – O Terceiro Milênio, pág. 17.

Deus escolheu Martinho Lutero (1483-1546), destemido monge católico, para empreender a mais arriscada missão da sua época, a Reforma Protestante. Com zelo, intrepidez e cultura, Lutero, que foi convertido ao cristianismo pelos escritos de Paulo, era semelhante a seu pai na fé. Num dia de 1510, quando subia ajoelhado os 28 degraus da “Escada de Pilatos” em Roma, pretendendo lograr uma indulgência plenária do papa Júlio II (1503-1513), ouviu da parte de Deus uma voz que dizia: “o justo viverá pela fé” (Rom. 1:17). “Zeloso, ardente e dedicado, não conhecendo outro temor senão o de Deus e não reconhecendo outro fundamento para a fé religiosa além das Escrituras Sagradas, Lutero foi o homem para o seu tempo; por meio dele Deus efetuou uma grande obra para a reforma da igreja e esclarecimento do mundo.” – O Grande Conflito, pág. 120.

J. Merle D’Aubigné (1794-1872), o melhor historiador da Reforma, disse: “O cristianismo e a Reforma no século 16 são as duas 7maiores revoluções da História.”

A partir de 1840, Deus escolheu Guilherme Miller, Hiran Edson, Ellen White, Tiago White, José Bates, Samuel Snow, João Loughborough, Urias Smith, João Andrews e outros, para estabelecer o movimento adventista.

Sente-se você também, caro leitor, um ministro escolhido por Deus? “O que a igreja necessita nestes dias de perigo é de um exército de obreiros que, como Paulo, se tenham educado para utilidade, que tenham uma profunda experiência nas coisas de Deus, e que sejam cheios de fervor e zelo. Necessita-se de homens santificados e abnegados; homens que não se esquivem a provas e responsabilidades; homens que sejam bravos e verdadeiros; homens em cujo coração Cristo está formado ‘a esperança da glória’, e que com lábios tocados com santo fogo ‘preguem a Palavra’.” – Atos dos Apóstolos, pág. 507.