Já ouvi muitas vêzes contarem a história de alguém que, numa orquestra, olhava sempre para o primeiro violino, e o seu alvo na vida passou a ser o de ocupar exatamente aquêle lugar. Tudo fêz para consegui-lo: esmerou-se, esforçou-se, deixou de lado todos os outros interêsses e prazeres, enfim, fêz tudo quanto pôde, inclusive no aspecto humano e social, até que num dia, o mais feliz da sua vida, êle foi apontado para ser o primeiro violino da grande orquestra sinfônica, orgulho seu e de sua terra.
Embora nunca tenha sabido o nome dêste alguém, a história me impressionava tôda vez que a ouvia. Por algum tempo cheguei mesmo a pensar, naqueles meus bons anos juvenis, de que a função de importância, a única que merecia a pena ser vivida nas emoções da grande sinfonia da vida, era a de um “primeiro violino.” A história era contada com êste propósito e estava alcançando o seu objetivo. Os anos, porém, se passaram, e com êles veio a oportunidade de ouvir, encantado, grandes orquestras sinfônicas. Foi no enlêvo desta música, na delícia provocada pela harmonia de tantos instrumentos diferentes uns dos outros na forma, no aspecto, no som e na própria melodia, que me lembrei da velha história do “primeiro violino.” Como São Paulo dizia aos Coríntios, faz dezenove séculos: “Se todo o corpo fôsse ôlho . . .,” comecei eu a dizer para mim mesmo: “E . . . se todos fôssem ‘primeiros violinos’?” Pobre da orquestra, perderia seu valor, sua beleza e todo o seu encanto!
Juntei a esta história a do maestro que, num ensaio, parou a orquestra tôda por não ouvir o som do flautim ou do triângulo. Para ouvidos de mestre, a harmonia não estava completa sem as notas daqueles pequenos instrumentos, e êles ali tinham que estar para completar o conjunto. Era o triunfo do pequeno instrumento tão desprezado pelos que contavam a história do “primeiro violino.”
E eu continuei pensando: Assim é a vida, uma grande orquestra cujo Organizador quer vê-la executando as mais admiráveis peças do Seu grande repertório. E, na vida há tanta desafinação, tanto desacerto, tanta guerra, tanta luta, tanta falta de harmonia, porque não são poucos os que acham que só podem tocar “aquêle” instrumento que, no tom da velha história, é o mais aplaudido. Querem ocupar aquêle cargo porque a sociedade, o grupo em que vivem, o considera como o mais importante, como o “primeiro violino.” Isto é o cúmulo de uma loucura que só prejudica, que só desafina, que só desarmoniza! É por isto que, neste mundo, com gente pensando desta forma, pode haver tudo, menos a beleza de uma sinfonia ou a arte de um conjunto orquestral. Graças a Deus, porém, há os que não pensam desta forma, e ainda existem os que amam “outros instrumentos,” os que se deleitam com outras melodias e cultivam outros sons harmoniosos que, isoladamente ou no conjunto, enchem ainda mais os acordes da vida, procurando dar-lhe as côres artísticas de uma grande sinfonia. E isto é ainda o que de mais belo e de mais admirável há neste mundo de desacertos.
E foi assim que fui chegando a esta conclusão, para mim tão sábia quão importante: O que vale a pena não é ser o “primeiro violino,” mas sim ser o bom músico no instrumento que se tocar, no instrumento que se amar. Mal executado, instrumento algum encontrará lugar numa boa orquestra e, da mesma forma, mal vivida, vida alguma encontrará lugar na “orquestra” que Deus está organizando para o Seu reino. O alvo para nós mais importante não é o de ocupar “aquêle” lugar, idéia em nós enraizada por causa do valor que outros acertada ou desacertadamente deram a êle neste mundo de porfias e inglórias lutas, mas sim o de executar o “meu” instrumento com tôdas as fôrças de minha inteligência, com tôda a perícia de uma cultura que Deus pôs à minha disposição, com todo o amor de um coração genuinamente cristão, e executá-lo nas oportunidades que se me apresentarem ou, em outras palavras, no lugar onde Deus me colocar.
A verdadeira filosofia de uma vida, sua grande utilidade, consiste, pois, não em ser “o primeiro,” mas em descobrir o “meu” instrumento, o dom que Deus me deu, aquilo que eu posso fazer com gôsto, com amor, e de todo o coração. A recompensa será tríplice: sentirei a minha alegria, a alegria dos que me cercam e terei a certeza de que estou integrando a grande “sinfônica” celestial. É por isto que muitos “primeiros” serão os derradeiros e muitos “derradeiros” serão os primeiros, porque Deus não julga como julgam os homens, mas julga o coração!